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A história do Boca do Inferno e a censura a pseudônimos

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O Estado não pode admitir o pseudônimo. É um crime de lesa pátria, uma tentativa de esconder o autor de uma obra que pode pôr em risco a ordem pública. Por isso a justiça deve sair ao encalço do escritor mascarado e manda-lo para a masmorra. Nem mesmo a Igreja saiu em sua defesa, pelo contrário, foi expulso das hostes eclesiásticas acusado de não respeitar a hierarquia nem usar batina. Depois de alguma audiências na justiça descobriu-se a identidade do Boca do Inferno. Era, nada mais, nada menos do que o Boca de Brasa. Ele não parava de publicar sátiras nas quais criticava a sociedade baiana a quem chamava nos seus versos, carinhosamente, de canalha infernal.

Finalmente Gregório de Matos foi identificado pelo governo da Bahia. No momento que a justiça do Estado se misturava com a da Igreja, foi parar no tribunal da Inquisição, e chegou a ser acusado de difamar não só políticos e administradores, mas até Jesus Cristo. Por se recusar a retirar um barrete quando da passagem de uma procissão, foi de novo processado. Não havia liberdade de expressão nem na colônia, nem na metrópole. Escrever um livro sob pseudônimo era um crime imperdoável.

O Estado bateu nessa mesma tecla enquanto pode. Proibiu editoras ou máquinas que pudessem imprimir livros que difundiam “as abomináveis ideias francesas e seus autores.” Só secretamente era possível publicar um livro. Havia redobrada vigilância diante do agravamento do controle do povo nas ruas de Paris. Ninguém queria isso para o Brasil, financiador da dívida de Portugal com a Inglaterra, através da mineração e exportação do ouro das Gerais. Uma verdadeira operação Quinto do Ouro estava em andamento.

O ouvidor de Vila Rica inconformado com a corrupção e o arbítrio do governador adotou o pseudônimo de Critilo e criou o personagem Fanfarrão Nemésio, ou o governador nomeado pelo rei, Cunha Meneses. Os oficiais de justiça precisavam de prova que Tomás Antonio Gonzaga era subversivo, detrator e fabricante de mentiras contra autoridade constituída. Era suspeito uma vez que já tinha no passado assumido o pseudônimo de Dirceu nos versos que dedicou a namorada Marília. A chance de parar com a publicação se deu com a repressão a um movimento clandestino que pretendia separar as Minas Gerais de Portugal. Meneses comemorou a prisão do desafeto e sua condenação à pena de morte, depois comutada para desterro na África.

O Supremo Tribunal Federal, em 2015, de uma vez por todas, decidiu pela liberdade de expressão. Biografias e outros escritos não poderiam ser censurados pelos biografados ou seus parentes e as editoras não seriam impedidas de pôr em circulação os livros publicados. Uma vitória do direito inalienável de se difundir histórias que nem sempre são do agrado dos atuais reis e ídolos populares. Assim, como manda a constituição, instâncias inferiores não podem contraditar decisões do Supremo.

Mas no Brasil… Juízes acatam pedidos para impedir a divulgação de livros, ignorando o que foi decidido pelo STF. Exigem, como nos tempos coloniais, que o pseudônimo do autor seja divulgado, tenha ele assinado ou não uma cláusula de confidencialidade com a editora. Suas excelências querem a quebra do anonimato da fonte, para que possa ser devidamente processado por um crime que não existe mais. Não importa, é uma forma de atemorizar outros escritores mascarados a não cometerem o pecado de se esconder, seja a obra de ficção ou não. Certamente se isso valesse no passado Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caieiros e Eduardo Cunha nunca teriam sido publicados.

 

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Heródoto Barbeiro

Comentarista do ‘Jornal da Record News’, noticiário do qual atuou por anos como âncora e editor-chefe. Já foi professor de história, carreira que seguiu por quase 20 anos. Na imprensa, passou por CBN, Rádio Globo, Jovem Pan, TV Cultura, TV Gazeta e Diário de S. Paulo. Edita o Blog do Barbeiro – Barba, Bigode e Cabelo, hospedado pelo R7. É "Mestre do Jornalismo" do Prêmio Comunique-se na categoria 'Âncora de Rádio'

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