Parceira de conteúdo do Portal Comunique-se, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresenta texto produzido por integrantes da Universidade de Stanford. Em pauta, dicas para colaborações entre jornalistas
Os autores, Guilherme Amado, Xin Feng, Titus Plattner e Mago Torres, são jornalistas investigativos de Brasil, China, Suíça e México. Juntos, eles colaboraram com mais de 500 colegas em dezenas de projetos, desde pequenas parcerias entre dois jornalistas, até projetos maiores, como Tobacco Underground, Lava Jato na América Latina e os projetos do ICIJ Offshore Leaks, Panamá Papers e Paradise Papers. Eles agora são um time na John S. Knight Fellowship de Jornalismo, na Universidade Stanford. O líder de impacto da JSK e orientador do grupo, Djordje Padejski, contribuiu para esse texto.
Colaborações jornalísticas têm trazido inúmeros benefícios nos últimos anos: histórias impossíveis de serem contadas apenas por um repórter, mais precisão e impacto, proteção para repórteres em perigo. Aqui estão os nossos melhores conselhos, credenciados pela nossa experiência colaborando com mais de 500 jornalistas ao redor do mundo.
Confira as dicas:
1. Dê o primeiro passo
Não espere que potenciais colaboradores venham até você. Não perca uma boa história. Se você tem informação de qualidade e com potencial para um projeto de colaboração, identifique seus parceiros e mostre a eles o que você tem, de maneira rápida e informal. Isso pode parecer óbvio, mas fazer esse contato é muitas vezes a parte mais difícil para jornalistas investigativos, acostumados mais a agirem como detetives solitários. Mas, ao fazer isso, você geralmente está contribuindo para o sucesso de sua história. Bastian Obermayer e Frederik Obermaier, que originalmente receberam os dados do Panamá Papers e do Paradise Papers, são o melhor exemplo.
2. Escolha seus melhores parceiros
Seu melhor parceiro nem sempre é um jornalista famoso de um grande veículo. Pode ser um repórter jovem de uma redação pequena ou um freelancer aguerrido. Como você faz com suas fontes, identifique os interesses em comum entre você e seus potenciais parceiros. Cheque suas credenciais e backgrounds. Encontre alguém cujas habilidades não sejam necessariamente as mesmas que as suas, mas complementares, como fizeram a ProPublica e o Texas Tribune.
3. Seja generoso
Foque na reportagem em vez dos interesses imediatos. Contribua para o trabalho de seus parceiros, como se estivesse fazendo para você mesmo. Normalmente, se você é generoso, seus parceiros farão o melhor para retribuir na mesma moeda. Dê crédito a todos que de alguma maneira trabalharam na história, não importando como eles participaram. É importante que se sintam reconhecidos. Eles vão gostar e isso manterá a harmonia do time até a linha de chegada. Da mesma maneira, eles vão retribuir o favor a você e aos demais.
4. Seja claro
Seja claro sobre o que você espera de seu parceiro: o calendário de publicação (com fusos-horários), o nível de transparência entre os colaboradores, e quem terá a prioridade quando não se puder publicar ao mesmo tempo. Coloque por escrito, o que será um lembrete útil na reta final e também fará o compromisso entre seus colegas e editores mais forte. Tenha certeza de atualizar esses termos quando necessário. É importante focar em poucas ferramentas de comunicação, preferencialmente apenas uma, para manter clara a comunicação entre todos.
Seja ágil e evite burocracia. Não tenha reuniões sem objetivos claros. Quanto mais específico for na sua comunicação, melhor. E, quanto mais você puder contar para seus parceiros sobre o que você encontrou, melhor eles poderão fazer a parte deles.
5. Honre seus compromissos
Tenha conhecimento de seus limites. Lembre de que é fundamental ser claro sobre quantos recursos, tempo e ferramentas você tem disponíveis. Há sempre uma boa desculpa para não cumprir seus compromissos, especialmente prazos, mas honrar o que você acordou é essencial para construir relações de confiança.
6. Adote uma postura radical de compartilhamento
Isso significa que você não deve ter segredos. Não esconda o ouro que você encontrar. Lembre-se de que, quando você publicar, todos vão descobrir que você estava escondendo algo. Manter a informação só para você coloca em risco a relação que você construiu. E você pode perder a chance de se beneficiar com contribuições que seus parceiros possam dar, como mais contexto e insights. Se você não puder dividir algo, explique as razões.
Antes da publicação, compartilhe rascunhos do seu texto.
7. Esteja ciente dos riscos
Seja sincero com seus colaboradores sobre potenciais riscos antes que eles entrem de cabeça. Você está lidando com informação coletada por vários repórteres, portanto seja discreto e cauteloso com os documentos e dados. Seja ainda mais cuidadoso com a identidade de suas fontes e com a informação que você passar para a frente. E certifique-se de que você pode compartilhá-la.
Começar a colaborar com pessoas que você nunca trabalhou é sempre uma aposta. A maioria delas não vai lhe furar ou colocar em risco a reportagem com práticas ruins. Mas algum nível de risco sempre existe. Esteja ciente disso. Converse sobre isso com seus editores, mas os ajude a entender que os benefícios de uma grande reportagem valem os riscos. Algumas histórias só podem ser contadas com colaboração. Encontre o melhor momento para contar a seus superiores sobre o projeto. Faça-os se sentir parte da empreitada. A decisão deles de deixar você trabalhar no projeto deve ser reconhecida como imprescindível. Depois da publicação, divida o sucesso com eles.
8. Reconheça quando não é possível
O mundo da mídia não é a Disneyland. Há muita competição, e algumas vezes seu parceiro em potencial é um concorrente direto. Em outras situações, a diferença de ritmo de produção pode ser muito grande, como um documentarista, que precisa de meses para produzir, e um jornalista de um diário, que tem um intervalo de produção muito mais curto. Se forem esses os casos, aceite e não colabore.
9. Seja flexível
Parceiros não necessariamente publicam a mesma história em seus respectivos veículos. Eles podem publicar uma história num, e outra diferente, noutro. O público e o foco não precisam ser idênticos.
Flexibilidade também é vital. Personalidades, culturas organizacionais e experiências diferentes são muito mais desafiadoras de se lidar do que você possa imaginar. Seja paciente.
Há sempre algo que você não espera. Você pode encontrar um problema de última hora, ou alguma informação incrível pode aparecer no fechamento. Toque o seu projeto de uma maneira ágil e acompanhe com frequência cada um de seus objetivos. Não entre em pânico.
10. Seja confiante
O seu preparo mental terá um impacto direto nos seus resultados. Colaboração é interação humana. Se você estiver cético desde o começo, a parceria não vai a lugar algum. Mas, se você lidar com cada desafio com pensamento positivo, se tiver compromisso e paixão pelo tema, e, se mostrar empatia e abertura, você vai inspirar seus parceiros a fazerem o mesmo. Em troca, eles vão lhe motivar. Esse comportamento manterá o entusiasmo de todos ao longo de projetos difíceis e longos.
Conselho de bônus (e óbvio): quase tudo acima é válido para colaborações dentro de uma redação ou em um grupo grande de mídia.
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