Nunca a expressão “rato de biblioteca” me caiu tão bem como quando eu estava no ginásio, como antigamente se chamavam os quatro últimos anos do primeiro grau (ensino fundamental), que ia até a oitava série. Não porque, amigo dos livros desde que entrei na escola, eu era frequentador assíduo da sala em que eles ficavam, mas porque, quando eu encontrava algum de que gostava muito, roubava, ou, de acordo com o juridiquês, furtava, já que não era visto por ninguém, e, mesmo se fosse, quem é que iria se importar com um livro velho e sem capa, como o indispensável “Gramática Metódica da Língua Portuguesa”, do professor, gramático e filólogo Napoleão Mendes de Almeida, clássico que eu nem sonhava que um dia iria fazer parte de minha vida, principalmente depois que me tornasse revisor de texto, até o fim dela? Só mesmo eu e as traças.
A edição que surripiei da biblioteca da escola era, se não me engano, da década de 1950, a qual, quando comprei a 39.ª, de 1994, dei para um amigo. Gostei tanto do livro que, mais tarde, quando eu já não era tão idiota para ficar agindo feito rato, comprei outra obrigatória obra, pelo menos para quem, por dever do ofício ou não, não curte transgredir a norma culta, do mesmo autor, o “Dicionário de Questões Vernáculas”, uma compilação de artigos que o rigoroso professor, que morreu em 1998, escreveu durante mais de cinco décadas para o jornal “O Estado de S. Paulo”, muitos dos quais tive o prazer de ler no próprio diário paulistano.
Pelo nome deixado na primeira página do livro, já se pode imaginar que “O Apanhador no Campo de Centeio” é de outra pessoa. Depois que me emprestou, a dona, uma colega na segunda empresa onde trabalhei, nunca mais o viu, porque livro é igual a dinheiro, emprestou, já era, quase ninguém devolve, ou todos os livros que emprestei, principalmente aos amigos, teriam voltado a minha estante. Se eu tivesse de ser condenado por causa de todos os livros de que, pedindo emprestados ou não, me apoderei, teria de ter cem anos de perdão pelo segundo volume da série “Os Escritores”, uma coletânea de entrevistas da revista literária inglesa “The Paris Review” que um amigo emprestou para mim. Leitor de Vladimir Nabokov, Anthony Burgess (horrorshow!), Jack Kerouac e Gabriel García Márquez, alguns dos entrevistados, fui ficando com o livro até ele ser esquecido pelo “dono”.
*Edson de Oliveira. Revisor de textos há mais de 20 anos, corrigindo principalmente legendas de vídeo, transcrição de áudio e textos jornalísticos, é editor dos blogues EFMérides e Blogue da Revisão.
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