A censura contra a imprensa brasileira foi tema constante de reportagens no Portal Comunique-se durante o ano de 2016. Casos absurdos surgiram por todo o país, mostrando a ação da Justiça contra a atividade jornalística e seus profissionais. Pensando nisso, a reportagem do site organizou levantamento sobre casos de veículos e jornalistas que sofreram com a chamada censura judicial no período.
O balanço anual apresenta 18 casos em que profissionais da comunicação tiveram suas atividades cerceadas por processos. O número reacende o debate acerca da liberdade de imprensa.
Mordaça constitucional
Jornal curitibano, a Gazeta do Povo foi um dos alvos de arbitrariedade jurídica. Cinco repórteres e o veículo foram vítimas de 48 processos movidos por magistrados do Paraná. Os motivos eram reportagens publicadas em fevereiro de 2016, que abordaram o conceito de “teto constitucional” e remuneração que ultrapassa tal limite, ainda que dentro da legalidade. O conteúdo era baseado em informações públicas disponibilizadas no Portal da Transparência.
Os processos foram abertos em diferentes cidades no Juizado Especial, que aceita causas de pequeno valor (até 40 salários mínimos). As ações indenizatórias contra os jornalistas foram ajuizadas mesmo após o veículo publicar o direito de resposta solicitado pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) e Associação Paranaense do Ministério Público (APMP).
A situação prejudicou o trabalho do impresso e dos profissionais, que foram obrigados a deixar a redação para comparecer às audiências, sob pena de serem condenados à revelia. As audiências eram marcadas para datas próximas ou mesmo coincidentes em locais distintos no Paraná.
O caso só teve desfecho positivo para a liberdade de imprensa com a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF). Em julho, a ministra Rosa Weber deferiu liminar que suspendeu os processos contra a Gazeta do Povo e seus jornalistas. Por enfrentarem a luta judicial, os profissionais envolvidos no caso foram homenageados, recebendo o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa.
Quebra de sigilo
“Assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. É o que garante o parágrafo XVI do Artigo 5º da Constituição Federal. Apesar de estar amparado pela lei, o direito de manter a fonte sob sigilo não foi respeitado em dois episódios neste ano.
No primeiro caso – que aconteceu em agosto –, a juíza Pollyanna Kelly Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, determinou a quebra do sigilo telefônico do colunista Murilo Ramos, da Época. Ela acatou o pedido do delegado da Polícia Federal João Quirino Florio, que foi o responsável por investigar o vazamento ao jornalista e relatório do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), caso que teve início em fevereiro de 2015. Segundo o veículo de comunicação, o documento apresentava nomes de “brasileiros suspeitos de manter contas secretas na filial suíça do HSBC, no escândalo conhecido como SwissLeaks”.
Porém, um mês depois, a decisão da juíza Pollyanna foi suspensa. Responsável pelo parecer no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), o desembargador Ney Bello ressaltou que um jornalista não está imune à Justiça, mas que o entendimento anterior era inconstitucional, uma vez que era ordenado que o profissional revelasse a fonte que teria vazado o relatório.
A Justiça também autorizou a quebra de sigilo de dados telefônicos da colunista de política do Estadão, Andreza Matais. A decisão foi do juiz Rubens Pedreiro Lopes, do departamento de inquérito policiais de São Paulo. Com a ação, a Polícia Civil pretendia ter acesso aos registos de ligações feitas e recebidas pela jornalista quando ela atuava na Folha e assinou, em 2012, série de reportagens sobre investigações na cúpula do Banco do Brasil. A ideia era descobrir quem foi a fonte que conversou com a então repórter. No início de dezembro, contudo, a decisão foi revogada em pedido de reconsideração feito pela defesa.
O jornalista Aguirre Talento foi condenado pela 15ª Vara Criminal de Salvador a 6 meses e 6 dias de prisão, em regime aberto, e a pagar multa de R$ 293, pelo crime de difamação. O motivo foi reportagem publicada em 2010 no jornal baiano A Tarde, em que o profissional relatou acusação do Ministério Público por supostos delitos ambientais na construção do Parque Tecnológico da Bahia, em Salvador. Na ocasião, os promotores denunciaram os donos – autores do processo – e diretores da empresa Patrimonial Saraíba e o então secretário de Ciência e Tecnologia da Bahia, Ildes Ferreira. Com o conteúdo no ar, os proprietários se sentiram ofendidos e… processaram o repórter.
A coluna “Atraso do metrô custa meio milhão por dia”, publicada em 2014, rendeu (em dezembro deste ano) ao colunista Celso Nascimento, da Gazeta do Povo, condenação de 9 meses e 10 dias de prisão, por questionar a demora em parecer sobre o projeto do metrô de Curitiba. O texto menciona a conta feita pelo prefeito Gustavo Fruet (que processou o jornalista), onde era calculado o prejuízo com a correção inflacionária a partir da demora na análise no edital de licitação do metrô. Como o articulista tem mais de 70 anos, a pena foi convertida em pagamento de 10 salários mínimos.
Conteúdos excluídos e indenizações
Em junho, a Justiça do Paraná ordenou remoção de textos e proibiu reportagens sobre a Operação Lava-Jato e a Polícia Federal no blog de Marcelo Auler. A advogada Márcia Eveline Mialik Marena, representante do delegado federal Maurício Moscardi Grillo – responsável pelo processo –, chegou a solicitar segredo de justiça sobre o processo e ação coercitiva contra o jornalista. Quatorze dias depois, o conteúdo pode ser republicado, após a juíza Vanessa Bassani, do 12° Juizado Especial de Curitiba, extinguir ação de indenização.
Quando foi publicada, em 16 de novembro de 2015, a matéria “Mães de Maio denunciam promotora por ‘criminalizar’ movimento”, veiculada pelo site Ponte, tinha vídeo que complementava as informações do texto. Em fevereiro deste ano, o conteúdo hospedado no YouTube precisou ser retirado do ar. O motivo? Uma decisão da juíza Luciana Castello Chafick Miguel, da 3ª Vara da Comarca de Cubatão (SP). Até agora, última semana de 2016, o material audiovisual segue fora da rede.
Em decisão do juiz José Coutinho Tomaz Filho, da 10ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, o jornal O Povo – em suas versões impressa e online – ficou impedido de citar o nome de um juiz envolvido em operação que investiga suposto esquema de vendas de sentenças no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ-CE). A redação do veículo foi obrigada a apagar matérias do site em que o tal juiz e a operação investigativa eram personagens.
Editor-chefe do site Folha MS, Erik Silva enfrentou processo judicial por ter revelado o super salário de servidor público que atuava como contador na Câmara dos Vereadores de Corumbá, município do interior de Mato Grosso do Sul. Baseado em dados colhidos diretamente no Portal da Transparência, o jornalista chegou à informação de que o profissional lotado no órgão Legislativo recebeu em março vencimentos de “nada mais nada menos do que R$45.769,87”. Por causa da reportagem, publicada em 21 de abril, o comunicador foi acusado de calúnia, injúria e difamação.
O ativista Eduardo Banks conseguiu, na Justiça, obrigar a Folha de S. Paulo a apagar notícias sobre ele. A decisão liminar do juiz Alexandre Paixão Ipolito, da Comarca de Itaperuna (RJ), determinou que o veículo apagasse parágrafo que relatava que a associação presidida pelo Banks propôs, em 2010, alteração da Lei Áurea, de 1888, para indenizar quem foi economicamente afetado com a libertação dos escravos no Brasil.
A Folha esteve, ainda, envolvida em um segundo caso: o trio de desembargadores que pediu a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março deste ano entrou com ação contra o jornal. O valor de R$ 600 mil pedido para indenização tinha como base o conteúdo veiculado na ocasião, quando, em matéria assinada por Mario Cesar Carvalho, os representantes do Ministério Público de São Paulo foram chamados – por uma fonte do jornalista – de “três patetas” que tinham formulado uma denúncia “lixo”.
Lula, por sua vez, moveu ação judicial contra os jornalistas Germano Oliveira, Cleide Carvalho e Ascânio Seleme, de O Globo, acusando que eles tiveram a intenção de atacar a sua honra ao publicar a reportagem “Youssef deu dinheiro à firma ligada à obra de prédio de Lula”, em agosto de 2015. Um ano depois, em decisão unânime, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio negou o pedido de indenização por danos morais feito pelo ex-presidente.
Se uma notícia que relata fato ocorrido na ditadura militar tem o poder de prejudicar alguém hoje, não deve ser publicada, pois os acontecimentos estão abarcados pela Lei da Anistia e têm direito ao esquecimento. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou o Diário de Pernambuco a indenizar o ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho por danos morais.
Em 1995, o jornal nordestino publicou entrevista onde um líder político responsabilizou Zarattini pela explosão de bomba no aeroporto do Recife na época da ditadura. O atentado deixou duas pessoas mortas e 14 feridas. O ministro Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que os fatos narrados na matéria foram anistiados pelo Estado brasileiro.
Ditadura militar também foi tema de matéria no Jornal Pequeno, que foi condenado a pagar R$ 40 mil ao ex-presidente José Sarney. O caso começou em 2010, quando o então senador reclamou de textos publicados pelo veículo maranhense, por ter sido retratado como “capacho da ditadura e dos militares golpistas”, “velho coronel”, “figura minúscula” e um político que “mente compulsivamente”. No julgamento, o ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, considerou que os direitos à informação e à liberdade de expressão não impedem que a imprensa responda por eventuais danos à honra e à imagem de pessoas citadas.
Sentença da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul contra o jornal Zero Hora e a colunista Rosane de Oliveira determinou que a profissional e o veículo deveriam pagar R$ 180 mil ao desembargador Luís Felipe Silveira Difini. Somados os juros, correções e honorários, o valor chega a quase R$ 300 mil.
O motivo? O magistrado se sentiu ofendido com o teor da coluna de Rosane publicada na edição de 31 de janeiro de 2013, quatro dias após o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS). A profissional criticou o fato de Difini ter liberado a abertura de algumas casas noturnas em Porto Alegre, o que serviria de ‘‘estímulo à omissão’’ — título da coluna — a servidores públicos encarregados de fiscalizar estabelecimentos semelhantes à boate incendiada.
Crônica também rendeu processo. Em Sergipe, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça condenou o jornalista José Cristian Góes a pagar R$ 25 mil de indenização por danos morais ao desembargador Edson Ulisses de Melo, vice-presidente do TJ-SE. O comunicador foi condenado por publicar no site Infonet o texto “Eu, o coronel em mim”, crônica sobre o coronelismo, escrito em primeira pessoa e que em nenhum momento cita nomes reais.
O Paraíba Agora foi condenado pela 6ª Vara Cível de João Pessoa a retirar do ar matérias que tratavam de possível envolvimento do governador Ricardo Coutinho (PSB) em esquema investigado pela operação Lava Jato. A decisão foi suspensa pelo ministro Luiz Fux, do STF.
Produzida especialmente para os leitores do Rio de Janeiro, a capa da Veja que antecedeu a votação de 2º turno estampava fotos em que Marcelo Crivella, então candidato à prefeitura loca pelo PRB, aparecia no momento em que foi fichado pela polícia. Como manchete, a revista definiu que estava apresentando material que o senador escondia há 26 anos.
Crivella, por sua vez, reclamou, chegou a ser desmentido pelo veículo e, mesmo assim, recorreu à Justiça Eleitoral para obter direito de resposta – o que foi concedido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ). Porém, em decisão proferida pelo ministro do STF, Teori Zavascki, a decisão contra a Veja foi suspensa.
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