2/2/2022 – Com o passar dos anos, a pressão popular e a voz das redes sociais, algumas marcas já integraram bem o casting com modelos plus size de forma proporcional
Modelos gordas estão cada vez mais presentes em campanhas de grandes marcas e reforçam ativismo em defesa de corpos gordos e reais; especialista diz que tendência aquece indústria do vestuário e veio para ficar
Elas estão nas capas das revistas, desfilam nas passarelas das semanas fashion do mundo todo e figuram nos catálogos de grandes agências e marcas. Rompem padrões e demarcam um território que por décadas lhes foi negado. Em alta, a moda plus size reflete a valorização do corpo gordo e livre, cada vez mais mostrado nas redes sociais e assumido pelos fabricantes de roupas. Quem ganha é a população de mulheres com manequim acima do 44, que passa a se identificar nas publicidades e a encontrar variedade nas vitrines.
O assunto não é nada novo. Nos anos 1970, importantes agências internacionais já tinham em seus elencos modelos definidas como plus size. O início da onda das roupas desenhadas para corpos gordos é ainda mais antigo. Remonta à campanha da marca americana Lane Bryant “for the stout women” (“para mulheres corpulentas”, em tradução livre), criada em 1920, quando os catálogos ainda usavam ilustrações em vez de fotografias. Contudo, foi apenas nos últimos anos que modelos com dobras e estrias de uma mulher real saíram da posição de ínfima minoria e ganharam os holofotes.
“O aumento é cada vez mais exponencial. No início as marcas colocavam um modelo por casting apenas para dizer que tinham um modelo plus. Com o passar dos anos, a pressão popular e a voz das redes sociais, algumas marcas já integraram bem o casting com modelos plus proporcionalmente”, diz Guilherme Schneider, CEO da Forum Model Management.
A tendência pode ser verificada na presença de modelos plus size em campanhas de destacadas marcas e designers, como Nike, Dolce & Gabbana, Michael Kors e Versace. No Brasil, um marco da representatividade da mulher gorda no mundo da moda foi a capa da revista Vogue Brasil de novembro de 2020, estrelada pela modelo negra e plus size Rita Carreira. “Acostumem-se a ver mulheres gordas nas revistas”, disse ela na época, em um post nas redes sociais.
A quebra de barreiras ocorre em meio a preconceitos contra pessoas gordas que ainda são muito arraigados na sociedade. Uma pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), por exemplo, mostrou que a gordofobia está presente na rotina de 92% dos brasileiros. Segundo Schneider, trata-se de um problema que enfrenta desafios semelhantes ao do combate ao racismo e à homofobia. “[A gordofobia] causa manifestações ignorantes e ataques às marcas que tentam se adaptar com mais rapidez”, afirma.
Mulheres reais
Uma grande parte do impulso de valorização do corpo gordo vem das redes sociais. Hashtags como #corpolivre e #realwomen (mulher real) têm sido utilizadas em posts de celebridades e ativistas que defendem uma relação mais saudável e positiva das mulheres com os seus corpos. O termo “body positive“, (“corpo positivo”, um trocadilho com a expressão “pense positivo”) dá nome ao que já vem sendo considerado um movimento de empoderamento feminino e de aceitação do próprio corpo. A pressão é endereçada à indústria da moda, que tem respondido aos chamados por diversidade.
Um caso emblemático foi o da campanha #effyourbeautystandards (algo como “f. seus padrões de beleza”), lançado pela norte-americana Tess Holliday em 2013, que alcançou mais de 3 milhões de replicações no Instagram. Na época, Holliday contou que a expressão foi uma resposta a comentários em suas fotos que pediam para que ela escondesse partes do corpo que não deveriam ser mostradas por mulheres gordas. Após a repercussão, ela estampou a capa da revista Cosmopolitan, da Inglaterra. Com seu corpo cheio de curvas e tatuagens gigantes, usando um maiô super decotado e mandando um beijinho, convidava os leitores ao deleite com uma manchete não menos provocativa: “Tess Holliday quer que seus haters beijem sua bunda”.
Se os haters ainda não aprenderam a gostar do corpo de Tess Holliday, não se pode dizer o mesmo sobre a indústria da moda. Com manequim tamanho 22 nos EUA (o equivalente a 50 no Brasil), ela acumula no currículo ensaios para revistas como a Vogue, dos EUA, e Marie Claire, da Inglaterra, e campanhas para gigantes da moda, como a sueca H&M e diversas marcas de moda plus size.
A praia em que essa onda pretende estourar é aquela onde as mulheres possam ser suas próprias referências. Para Schneider, que administra uma agência de modelos com representantes plus size no elenco, o movimento já gerou resultados. “A maneira de quebrar tabus é entender que cada um é dono do seu corpo e merece respeito em todos os aspectos da vida. A moda é uma grande parte dessa mudança”, afirma.
Mercado de vestuário surfa a onda plus size
O maior espaço ocupado por modelos com diferentes tipos de corpo e as reivindicações por representatividade no mundo fashion tem gerado reflexos positivos na indústria de vestuário. De acordo com a ABPS (Associação Brasil Plus Size), o mercado de roupas com tamanho a partir da numeração 44 ou da etiqueta GG cresceu 21% entre 2019 e 2021. No mesmo período, as fabricantes de roupas de tamanho padrão tiveram queda superior a 5%. De acordo com a entidade, 25% das lojas de varejo de roupas possuem em suas prateleiras tamanhos plus size.
Grandes marcas nacionais, como Marisa, Malwee e Duloren, apostam em linhas exclusivas feitas apenas com números plus size. E muitos fabricantes já começam a produzir peças de numeração maior que a padrão para outros públicos além do formado por mulheres, gerando identificação entre homens, jovens e idosos gordos. Tais dimensões fazem com que o segmento seja avaliado atualmente no país em R$ 7,6 bilhões, segundo a ABPS.
“O Brasil não tem se mostrado tão resistente quanto outros países, até por motivos óbvios. 68% da população brasileira veste acima do manequim 44, de acordo com o Ministério da Saúde em 2013. Então a moda ‘comum’ foca em 32%, enquanto a maior parte dos clientes está sem uma marca para chamar de sua”, afirma Schneider. “Vejo o mercado se aquecendo cada vez mais, as marcas investindo em pesquisa e mudando de fato seus conceitos para beneficiar todas as pessoas e seus corpos”, completa.
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