Recife/PE 13/2/2023 – “O Brasil acabou construindo essa desigualdade desde a sua descoberta. Tratar desse tema é profundamente necessário e atual”, diz o professor Thiago Modenesi
Estatísticas demonstram que a população negra é mais vitimada pela violência e pela desigualdade; historiador destaca que o racismo está presente na sociedade brasileira desde a colonização
Os governos do Brasil e dos Estados Unidos estão prestes a retomar o programa Japer, um programa bilateral firmado pelos dois países em 2008, com o objetivo de combater o racismo e promover a igualdade étnico-racial, através de boas práticas nas áreas de educação, marcos legais, trabalho e violência de gênero, entre outras áreas. A volta do programa, executado pela última vez em 2011, foi um dos assuntos tratados na última sexta-feira, 10, durante a visita do presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva, ao seu homólogo americano, Joe Biden.
A iniciativa soma-se a outras ações institucionais tomadas recentemente, como a criação do Ministério da Igualdade Racial e a aprovação da Lei Federal 14.532/2023, que iguala a injúria racial ao crime de racismo e aumenta a pena para de dois a cinco anos de reclusão.
O objetivo de tais ações é um enfrentamento mais efetivo ao racismo, que se faz presente sobretudo nas estatísticas relativas à violência. De acordo com dados da edição 2022 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o número de casos de injúria racial foi de 13.830 em 2021, contra 14.402 de 2020, perfazendo uma queda de 4,4%. Por outro lado, o número de casos absolutos de racismo foi de 4.568 em 2020 para 6.003 no ano seguinte, o que resulta em um aumento de 31%. A diferença, na visão de especialistas, mostra uma perspectiva de subnotificação e esquecimento.
O racismo é tão presente que os dados do mesmo Anuário mostram casos e números alarmantes. Os trabalhadores negros são as maiores vítimas de homicídios no Brasil. Em 2021, 78 de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil em 2021 eram negras. Elas representaram 67,6% das vítimas de latrocínio, 77,6% das vítimas de homicídio doloso, 67,7% dos policiais assassinados e 84,1% dos mortos pelas polícias.
No mesmo período, os assassinatos de brancos caiu 26,5%, enquanto os de negros cresceu 7,5%. Se contados os 10 anos da última década, 408.605 pessoas negras foram assassinadas no país na última década, o que equivale a 72% de todos os homicídios do país no período.
Ainda de acordo com a pesquisa da FBSP, 67,5% da população carcerária brasileira em 2021 era de pessoas negras. E as mulheres negras são ainda mais atingidas pela violência cotidiana: em 2021, elas representavam 52,2% das vítimas de estupro e estupro de vulnerável, 62% das vítimas de feminicídio e 70,7% das demais mortes intencionais.
Racismo estrutural
O debate chama a atenção igualmente para o chamado “racismo estrutural”, um termo que define como o racismo se enraizou nas estruturas da sociedade, estabelecendo posições de privilégio social, conforme a característica racial de cada pessoa. De fato, ele existe desde a colonização – os europeus, quando chegaram no país, estabeleceram a supremacia branca, catequizando os índios e menosprezando ações como cultura, aparência e rotina. Depois, no Brasil Imperial, por causa da escravidão, os negros foram vistos como inferiores e menos dignos de atenção, direitos e políticas públicas.
Ações como essas mostram que o que aconteceu lá atrás ainda perdura até hoje, através da herança racista. “O processo de ocupação feita pelos colonizadores foi de dizimar os índios e arrastar à força milhões de negros da África para o trabalho escravo”, exemplifica o historiador e cientista político Thiago Modenesi, que é professor do Centro Universitário Tiradentes (Unit Pernambuco).
Mesmo com a abolição da escravatura, em 1888, e a elaboração da Constituição Brasileira de 1988, que reconheceu o povo negro e seus direitos, o racismo ainda perdura e se difunde no país. “Nós ainda temos amarras estruturais no atual sistema econômico, que não valoriza o trabalho e despreza o valor de milhões de trabalhadores que constroem o Brasil”, salientou o cientista político.
De acordo com o IBGE, a diferença salarial entre negros e não negros chega a até 73%, e a participação do grupo no quadro executivo e de gerência é, de acordo com pesquisa do Instituo Ethos, de 4,7% e 6,3%, respectivamente. Já em cargos politicos, os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que são 29,11% dos prefeitos se autodeclaram negros e 70,29% se dizem brancos. E para vereador, são 42,07% negros e 57,13% brancos, demonstrando a desiguldade.
Ainda de acordo com Thiago, o debate sobre o racismo chama a atenção para duas mortes ocorridas no Rio de Janeiro, que completaram um ano e ganharam repercussão nacional: a do imigrante congolês Moïse Kabagambe, espancado em janeiro de 2022 dentro de um quiosque, e a do estoquista Durval Teófilo Filho, baleado em fevereiro por um oficial da Marinha que era seu vizinho. “Os dois eram negros e trabalhadores”, destacou o professor da Unit Pernambuco.
Combate
Para combater o racismo estrutural, várias ações – coletivas e individuais – são necessárias: conscientizar a população sobre igualdade e a diversidade, promover o acesso da população negra a cargos políticos, cumprir leis que protegem os negros e suas demandas na sociedade e, tratar da questão racial como algo essencial nos dias atuais.
“O Brasil acabou construindo essa desigualdade desde a sua descoberta. Tratar desse tema é algo profundamente necessário e atual para podermos construir as condições políticas, sociais e econômicas para combater o racismo estrutural e superá-lo. E isso está presente nas pequenas piadas, nos ambientes de trabalho e na violência”, ponderou Modenesi.
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