Belo Horizonte, MG 27/10/2022 – A alta adesão aos empréstimos pode estar atrelada a um acréscimo do custo das operações financeiras das empresas
Especialista recomenda prudência na retomada das atividades econômicas e na escalada de receita das empresas; descontrole do fluxo de caixa pode ser irreversível
O Brasil reúne 13 milhões de Microempreendedores Individuais (MEIs) e 5,5 milhões de micro e pequenas empresas, números que representam 98% das empresas existentes. Os dados são do Ministério da Economia. Esse é o público apto a solicitar, desde 25 de julho deste ano, a concessão de crédito do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
Em junho de 2022, a legislação federal mudou as regras da linha de capital de giro do governo federal, tornando-a permanente. Até então, ela tinha um perfil provisório, voltado para auxiliar pequenos negócios afetados pela pandemia da Covid-19. Somente no primeiro dia de requisições da rodada vigente, foram liberados cerca de R$ 2,5 bilhões pelo Banco do Brasil, segundo informações divulgadas pela própria instituição.
Na visão do professor especialista da Fundação Dom Cabral e sócio da Goose – Consultoria & Treinamentos, Haroldo Márcio, a alta adesão aos empréstimos pode estar atrelada, não necessariamente ao aumento dos investimentos, mas sim a um acréscimo do custo das operações financeiras das empresas – motivo de alerta para qualquer negócio.
Uma das principais causas do descontrole de fluxo de caixa e do capital de giro das companhias está associada ao crescimento muito acelerado das vendas. Segundo ele, em um mercado muito competitivo, no qual todas elas comercializam o mesmo produto ou serviço, existe uma estratégia clara para o aumento do prazo de pagamento para os clientes ou a concessão de desconto no valor do item.
“Quando uma empresa concede maior prazo para os clientes, mas não consegue negociar o mesmo com os fornecedores, cria-se uma maior necessidade de capital de giro. Via de regra, ela recorre ao mercado financeiro, contratando dívidas, para suprir a diferença de receitas e despesas”, explica o especialista.
No primeiro momento, a companhia não percebe o problema que está sendo criado, já que o efeito da despesa financeira do mês não impacta tanto o resultado. Contudo, com o passar do tempo, ela começa a perder a margem que possui no seu produto ou serviço final. Isso ocorre porque o custo da antecipação do que se tem a receber ou da contratação de uma dívida não está precificado no produto.
“Ao começar a faltar caixa, consumido por despesa financeira, a empresa tende a recorrer à solução tradicional, que é faturar mais. Para isso, concede mais prazo e sacrifica ainda mais o caixa, criando uma situação insustentável”, ressalta Haroldo Márcio.
Efeito tesoura
No estudo das finanças de curto prazo, em especial de capital de giro, esse cenário é chamado de “Efeito tesoura”. Trata-se do momento em que a necessidade de capital de giro supera o capital de giro líquido da companhia. Em outras palavras, para conseguir custear suas atividades, ela passa a ficar cada dia mais dependente de recursos de curto prazo.
“Movimento semelhante ocorre no momento em que a empresa recorre a descontos comerciais para aumento de receita. Geralmente associados ao pagamento à vista ou em menor prazo, eles possuem o mesmo impacto final no comprometimento do caixa e no aumento da necessidade de capital de giro”, explica o professor da Fundação Dom Cabral.
Comprometimento do caixa preocupa
Para mensurar o nível de endividamento e comprometimento do caixa das empresas, basta observar os movimentos das operações de crédito. Em três meses, mais de 60% do total de R$ 50 bilhões disponibilizados nesta rodada do Pronampe já foram requisitados, de acordo com o Fundo de Garantia de Operações (FGO), responsável por conceder o aval para os empréstimos. Somados, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal são responsáveis por mais da metade do total concedido.
“Certamente, a grande parte destes recursos não foi utilizada para investimento em ativos operacionais e desenvolvimento de negócios, pois os indicadores macroeconômicos deste período de consumo não sinalizam essa demanda”, avalia Haroldo Márcio.
No lugar da aquisição de máquinas e equipamentos, além da realização de reformas, parte considerável dos empréstimos tem sido direcionada para despesas operacionais, o que pode representar um sério problema para a saúde financeira do negócio. Atualmente, os juros incidentes correspondem a 6% ao ano mais Selic, com o prazo de 48 meses.
Volume de receita x geração de caixa
Neste momento pós-pandemia do Covid-19, muitas empresas estão retomando o volume de faturamento e, em alguns setores, até escalando a sua receita. No entanto, elevar o volume de receita, em alguns momentos, pode resultar em um aumento do problema financeiro. Nesse sentido, a recomendação é de prudência na retomada das atividades econômicas.
“Quanto mais se vende, mais se compra, e quanto mais se compra, mais se compromete a geração de caixa. Isso gera um círculo vicioso e extremamente perigoso para as companhias”, alerta o especialista. “Uma empresa pode até conviver com uma eventual falta de lucro, mas nunca com o descontrole contínuo do fluxo de caixa”, finaliza.
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