O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aprovou recentemente uma súmula que define a responsabilidade solidária de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico em relação às obrigações previdenciárias.
Esse posicionamento tem gerado intensos debates no meio jurídico e empresarial, especialmente por tributaristas que consideram que a medida afronta decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e contraria jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A súmula estabelece que empresas que integram o mesmo grupo econômico são solidariamente responsáveis pelas obrigações previdenciárias, independentemente da comprovação de conduta culposa ou dolosa. Na prática, isso significa que, se uma empresa do grupo deixar de cumprir suas obrigações perante o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), as demais poderão ser cobradas pela dívida, ainda que não tenham participado diretamente da ação que gerou o débito.
Essa decisão é vista como uma tentativa de ampliar a garantia de arrecadação previdenciária, especialmente em casos de dissolução irregular de empresas ou fraudes com o objetivo de reduzir a carga tributária. No entanto, a amplitude da responsabilidade solidária definida pelo Carf levanta questionamentos sobre a legalidade da medida, já que não exige a demonstração de culpa ou dolo para que as outras empresas do grupo sejam responsabilizadas.
“A aprovação dessa súmula, além de trazer incertezas jurídicas, deve resultar em um aumento significativo da judicialização de casos envolvendo a matéria”, alerta Angel Ardanaz, advogado no escritório de advocacia em São Paulo Ardanaz Sociedade de Advogados e Professor Universitário nas disciplinas de Direito Empresarial e Direito Tributário.
Tributaristas têm se manifestado com preocupação em relação à súmula aprovada, apontando que ela contraria o entendimento do STF em casos similares. A Suprema Corte, em diversas decisões, tem se posicionado no sentido de que a responsabilização de empresas dentro de um grupo econômico deve ser restrita a situações em que há comprovação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Em outras palavras, o STF entende que a mera participação em um grupo econômico não é suficiente para justificar a responsabilização solidária, sendo necessário demonstrar a intenção de fraude ou abuso de direito.
Com base nesse entendimento, a súmula do Carf poderia ser considerada excessivamente rigorosa, já que amplia as hipóteses de responsabilização para além das circunstâncias estabelecidas pelo STF. Esse conflito de interpretações entre o Carf e o Supremo é um dos fatores que mais preocupam os especialistas, uma vez que pode gerar insegurança jurídica e aumentar o número de disputas judiciais.
Outro ponto de atrito destacado pelos tributaristas é a contrariedade à jurisprudência consolidada do STJ, que tem seguido uma linha semelhante à do STF, ao afirmar que a responsabilidade solidária em obrigações tributárias só pode ser aplicada quando há provas de que as empresas envolvidas agiram de forma irregular ou fraudulenta. O STJ também tem estabelecido que a mera existência de um grupo econômico não justifica a responsabilização automática das demais empresas pelas dívidas de uma integrante.
A súmula do Carf, ao desconsiderar a necessidade de dolo ou culpa, acaba impondo uma responsabilização objetiva, o que contraria o entendimento do STJ e reforça as críticas de que a medida vai além do que a legislação e a jurisprudência permitem.
“Essa divergência pode resultar em um aumento de casos levados ao Poder Judiciário, especialmente por empresas que se vejam injustamente envolvidas em cobranças decorrentes de débitos previdenciários de outras companhias do grupo”, avalia Ardanaz.
Diante dessas divergências entre o posicionamento do Carf e os entendimentos já consolidados pelo STF e STJ, a expectativa é de que a judicialização dos casos envolvendo a aplicação da súmula aumente de forma significativa. Empresas que se sintam prejudicadas pela responsabilização solidária tendem a buscar o Judiciário para contestar as cobranças, baseando seus argumentos nas decisões anteriores das cortes superiores.
Além disso, a súmula aprovada pelo Carf pode gerar um efeito perverso, incentivando as empresas a adotarem estruturas mais complexas de governança e reorganização societária para evitar a responsabilização solidária. Esse movimento poderia, paradoxalmente, aumentar a complexidade das fiscalizações e dificultar o trabalho da Receita Federal na identificação de fraudes ou irregularidades.
A aprovação da súmula pelo Carf, que estabelece a responsabilidade solidária de empresas do mesmo grupo econômico por obrigações previdenciárias, representa um marco importante nas discussões sobre o papel das empresas na arrecadação tributária.
“Mas, em razão das divergências, o cenário que se desenha é de maior cautela das empresas na gestão de suas relações tributárias e previdenciárias, em meio a um contexto de crescente insegurança jurídica”, finaliza Ardanaz.
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