Vacinação continua essencial no tratamento oncológico

Pacientes oncológicos enfrentam um desafio adicional durante seus tratamentos: o risco elevado de infecções graves devido ao comprometimento do sistema imunológico causado seja pela própria doença, seja pelos efeitos colaterais da quimioterapia e da radioterapia. Neste cenário, um dos pilares que vão além dos tratamentos tradicionais é a vacinação, que ganha destaque como aliada indispensável na proteção da vida dessa população. Embora pouco valorizadas e com baixa adesão, essas imunizações são fundamentais para garantir segurança e melhor qualidade de vida durante a jornada de combate à doença.

A imunização, nesse contexto, vai além da prevenção: trata-se de uma ferramenta que protege vidas. “Temos evidências robustas de que essas vacinas têm impacto direto na redução da mortalidade por doenças imunopreveníveis. A vacinação melhora a qualidade de vida e pode aumentar, de fato, a sobrevivência de quem está em tratamento contra o câncer”, afirma o infectologista, pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz) e consultor científico do Richet/Rede D’Or, José Cerbino Neto.

Apesar disso, a cobertura vacinal entre pacientes oncológicos ainda é considerada baixa no Brasil. Segundo Cerbino, um dos principais entraves é o acesso desigual às vacinas — algumas disponíveis apenas na rede privada — mas o maior desafio está, sobretudo, na motivação para que o paciente busque esse cuidado. “Ao receber o diagnóstico de câncer, é natural que o foco se volte totalmente para o tratamento da doença. Por isso, o papel do profissional de saúde é essencial. A recomendação direta do médico ou da equipe que acompanha o paciente tem um peso enorme na decisão de se vacinar. É a intervenção mais eficaz para aumentar a adesão”, explica.

Nesse sentido, o envolvimento de toda a equipe multidisciplinar é fundamental. Enfermagem, farmácia e outros profissionais das unidades de atendimento podem colaborar no processo de orientação e encaminhamento. De acordo com Cerbino, a experiência mostra que, quando o oncologista indica formalmente a vacinação, o paciente tende a segui-la. Já na ausência desse direcionamento, a tendência é de que a oportunidade de imunização seja negligenciada — o que representa um risco considerável em um momento de alta vulnerabilidade.

“A definição do esquema vacinal para pessoas com câncer depende de diversos fatores, como faixa etária, tipo de tumor, estágio da doença, grau de imunossupressão e histórico vacinal”, explica Cerbino. Antes do início do tratamento, quando a resposta imunológica tende a ser melhor, segundo o infectologista, é possível administrar vacinas vivas atenuadas, como a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), febre amarela e varicela, desde que respeitado um intervalo mínimo de 30 dias antes da primeira sessão de quimioterapia ou radioterapia.

Durante o tratamento, são recomendadas apenas vacinas inativadas, como as de influenza, pneumococo, hepatites A e B, HPV, meningocócicas, herpes-zóster, covid-19 e vírus sincicial respiratório. Após a conclusão da terapia, as vacinas vivas podem ser retomadas, geralmente entre três e seis meses após o fim do tratamento, dependendo da recuperação do sistema imunológico”, acrescenta.

Algumas dessas vacinas têm impacto direto na sobrevida dos pacientes. É o caso da vacina pneumocócica, que protege contra infecções bacterianas graves e demonstrou, em estudos recentes, melhorar a expectativa de vida de pacientes com câncer. “É uma intervenção que não deve ser vista como acessória. Ela é fundamental. Vacinar contra o pneumococo pode fazer diferença no desfecho clínico”, afirma Cerbino. Outra vacina prioritária é a da covid-19, que atualmente tem reforços indicados duas vezes ao ano para pacientes imunocomprometidos.

“A vacina contra o herpes-zóster, indicada geralmente para pessoas acima dos 50 anos, passa a ser recomendada a partir dos 18 anos em pacientes com câncer. Situação semelhante ocorre com a vacina do vírus sincicial respiratório, que também é antecipada nessa população”, detalha José Cerbino. O médico e pesquisador informa ainda as vacinas contra meningite (ACWY e B), hepatite A e B e HPV, apesar de não fazerem parte do calendário de rotina para adultos, são indicadas para pessoas com câncer, independentemente da idade.

A atualização do calendário vacinal deve considerar ainda as doses que o paciente já recebeu ao longo da vida. Por isso, o acompanhamento por uma equipe especializada, incluindo infectologistas e profissionais dos centros de vacinação, é fundamental para individualizar o esquema.

Além disso, a imunização de conviventes e cuidadores também é uma medida estratégica, ajudando a criar uma “barreira protetora” ao redor do paciente.

No Brasil, muitas dessas vacinas estão disponíveis gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente por meio dos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs), que possuem um calendário específico para pessoas imunocomprometidas. Outras vacinas, como a versão recombinante da herpes-zóster e a meningocócica B, estão disponíveis apenas na rede privada. “A recomendação é que o oncologista avalie, em conjunto com a equipe multidisciplinar, quais vacinas são prioritárias e oriente o paciente sobre como e onde buscá-las. É um cuidado que salva vidas”, reforça José Cerbino.

Com mais de 700 mil novos casos de câncer estimados por ano no país, segundo o Instituto Nacional de Câncer(INCA), o infectologista avalia como urgente reforçar que cuidar da imunização dessas pessoas não é apenas prevenir doenças infecciosas — é garantir que elas tenham a chance de seguir seus tratamentos com segurança, menos intercorrências e melhores perspectivas de recuperação.

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