Monetização em videogames gera o mesmo risco de vício que jogos de azar

A recente mudança no modelo de receita de videogames tem colocado crianças e adolescentes no alvo da ludopatia, doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), caracterizada pelo desejo incontrolável de continuar jogando. Não basta mais só comprar o jogo: agora os usuários também têm de adquirir as loot boxes, ou caixas de recompensa, para progredir ou obter vantagens na disputa, deixando esse público à mercê dos mesmos efeitos dos jogos de azar, que são os hábitos compulsivos e o endividamento.

Para combater essa tendência, muitos países começaram a implementar regulamentações mais rigorosas. A Argentina, os Estados Unidos, o Reino Unido, a Espanha e a Austrália já tomaram medidas para limitar o acesso de menores a jogos de azar e loot boxes e aumentar o controle sobre a identidade dos usuários. Órgãos de defesa reunidos na Organização Europeia de Consumidores (BEUC) e o próprio Parlamento Europeu discutem o endurecimento de regras no âmbito do bloco. No Brasil, entidades lideradas pela Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente) estão movendo ações civis públicas para barrar essa prática. O Ministério Público do Distrito Federal e o Conselho Federal de Psicologia emitiram pareceres em apoio à proibição.

“Há poucos anos, os videogames costumavam ser comprados uma única vez, o que garantia a experiência completa. Mas hoje em dia as empresas do setor costumam oferecer aos seus usuários videogames de graça, sendo as loot boxes e outras transações dentro do jogo a fonte mais importante de receita”, diz Camilo Gutiérrez Amaya, chefe do Laboratório de Pesquisa da ESET América Latina. 

As caixas de recompensa contêm itens como novos personagens e skins de um determinado jogo, se assemelhando a pacotes de figurinhas daquele tema que representam surpresas para o jogador. Elas podem ser distribuídas gratuitamente em ações promocionais, mas geralmente são vendidas.

Influenciadores, muitas vezes sem transparência, fomentam essas práticas. As consequências podem ser severas, variando desde o desenvolvimento de um hábito viciante até o endividamento, muitas vezes desconhecido pelos pais. 

Algumas das principais franquias de videogames, como Candy Crush, Fortnite, FIFA, League of Legends ou Final Fantasy continuam a lançar títulos cujas receitas para compensar o custo de desenvolvimento do próprio jogo dependem muito de “loot boxes” ou microtransações. 

As “loot boxes” são uma dinâmica de monetização específica representada em produtos que podem ser adquiridos em um estágio específico de um jogo. Elas podem ocultar itens ou recompensas que são altamente valorizados pelas comunidades. De conteúdo aleatório e com custo, esses itens adquiriram um status tão importante que surgiu uma economia baseada neles, que podem até ser usados para apostar em sites de terceiros.

“A mecânica das ‘loot boxes’ funciona literalmente como a de qualquer cassino: o usuário tem que recarregar a conta com fundos monetários, depois faz sua aposta e, finalmente, espera que os gráficos girem para saber se ganhou ou perdeu. É assim que o serviço fornecido pelos videogames oferece semelhanças alarmantes com as características de um cassino on-line: na verdade, eles imitam a roleta e até mesmo as máquinas caça-níqueis”, acrescenta o pesquisador da ESET

Para proteger as crianças e adolescentes desse cenário preocupante, a ESET recomenda que os familiares mantenham uma comunicação aberta sobre as atividades online dos filhos, discutindo os riscos associados ao jogo patológico e às “loot boxes”. Além disso, é importante analisar em conjunto os anúncios de jogos de azar para que os jovens possam tomar decisões embasadas em informações claras e desenvolver hábitos saudáveis. A ESET também sugere incentivar a participação em atividades recreativas offline e dar o exemplo de um uso equilibrado dos dispositivos digitais, criando um ambiente seguro e saudável para as interações online dos menores.

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