Mulheres lideram soluções climáticas locais no Brasil

Enquanto as mudanças no padrão climático do planeta se intensificam, um novo estudo do Fundo Social ELAS+ Doar Para Transformar revela uma verdade frequentemente ignorada: as mulheres estão na linha de frente da luta pela justiça climática. A pesquisa “Justiça Climática e Ativismos Feministas: impactos e soluções”, destaca que  os movimentos de mulheres cis, trans e outras transidentidades vêm desenvolvendo respostas e soluções para a crise climática, ao mesmo tempo em que enfrentam obstáculos significativos de financiamento que limitam seu alcance e continuidade.

A pesquisa trabalhou com um universo de 1.280 organizações da sociedade civil (OSC), com e sem Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), lideradas por mulheres de todas as regiões do Brasil. Foram mais de 500 municípios representados. Os dados refletem as experiências das organizações que participaram do Edital Mulheres em Movimento 2024: Por Democracia, Justiça de Gênero e Climática, e foram extraídos e analisados dos formulários de inscrição no edital.

Um dos resultados que mais se destaca é o de que 485 grupos afirmaram ter sido diretamente afetados por eventos climáticos extremos, como enchentes e longos períodos de seca. No entanto, ao observar os relatos de demais grupos, entende-se que esse número pode ser ainda maior, uma vez que muitas comunidades passaram a normalizar a frequência desses eventos, tornando a percepção de gravidade menos aparente.

Respostas e soluções locais

A pesquisa revela a importância das soluções desenvolvidas a nível local para responder aos impactos das mudanças climáticas: mais da metade dos grupos (54,7%) possui sua abrangência entre o nível comunitário (bairros e comunidades) e o municipal. Foram mapeadas 10 categorias de soluções e respostas à crise climática desenvolvidas majoritariamente nesses níveis, incluindo projetos de agroecologia, reflorestamento e educação e conscientização climática. Em uma das regiões mais afetadas pela seca no nordeste do Brasil, mulheres ativistas lideram um projeto de coleta de água da chuva e produção de alimentos agroecológicos, garantindo a segurança alimentar de suas comunidades e preservando os recursos naturais. Em áreas urbanas, grupos estão promovendo hortas comunitárias e atividades de educação ambiental, fortalecendo a resiliência climática em bairros marginalizados e combatendo a vulnerabilidade social.

Pluralidade de desafios e obstáculos no acesso a recursos

Outro aspecto relevante destacado pela pesquisa é a diversidade e interseccionalidade dos grupos, com a liderança predominante de mulheres negras (79,84%), LBTI+ (55,39%), jovens (40,23%), com deficiência (14,77%) e indígenas (14,61%). Esses grupos enfrentam desafios específicos e variados, refletindo a complexidade das suas realidades. Conforme apontado por um dos grupos. “São as jovens mulheres negras, indígenas, de terreiro e quilombolas as principais afetadas pelo racismo ambiental e pela crise climática. São elas a ocupar as áreas periféricas, vulnerabilizadas pelas enchentes e deslizamentos de terra. Já em contexto de poluição industrial e uso de agrotóxicos, são as que se encarregam do cuidado de seus familiares”. 

Apesar de todo o potencial e importância das ações e respostas desenvolvidas pelos grupos e organizações de mulheres, a pesquisa evidencia que eles enfrentam grandes desafios. De acordo com a análise, 97% relataram que a falta de recursos financeiros é um dos maiores entraves para a implementação e ampliação de suas iniciativas. Além disso, 63% identificaram o excesso de exigências e a burocracia de doadores como o principal obstáculo para acessar recursos. A grande maioria (72%) executou um orçamento anual de até R$50 mil em 2023.

A dificuldade de acesso ao financiamento climático internacional foi um ponto de debate entre especialistas durante o evento de lançamento da pesquisa, uma vez que esse financiamento é marcado por exigências burocráticas, critérios rígidos de elegibilidade (como a formalização através de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ) e a priorização de ações de mitigação, revelando um desalinhamento entre as  prioridades dos financiadores internacionais e as prioridades dos grupos e organizações comunitárias, além do não reconhecimento do valor transformador das soluções locais lideradas por mulheres. 

Os dados coletados mostram ainda que, além da falta de recursos, 68% dos grupos afirmaram não conseguir acessar financiamentos de longo prazo, o que impede a consolidação e expansão de seus projetos. Savana Brito, diretora executiva do ELAS+, ressaltou a importância do financiamento para fortalecimento dessas iniciativas: “As soluções estão sendo construídas pelas mãos de mulheres que conhecem profundamente as realidades de suas comunidades, que vivenciam diretamente os impactos da crise climática. O debate climático deve ser pautado em termos de gênero e raça, a partir de soluções desenvolvidas nos territórios, para que seja possível uma transição justa. Entretanto, sem o apoio financeiro adequado, essas iniciativas enfrentam obstáculos para crescer e manter a continuidade de suas ações”.

“A publicação do ELAS+ aponta uma oportunidade para financiadores, governos e investidores sociais apoiarem essas soluções desenvolvidas nas comunidades, territórios e cidades. Ao fazer isso, não apenas combatem a crise climática, mas também promovem a justiça social, fortalecendo as comunidades mais vulneráveis aos impactos ambientais e possibilitando respostas e soluções climáticas mais efetivas. O reconhecimento e o apoio às iniciativas lideradas por mulheres são fundamentais para que a justiça climática seja efetivamente alcançada”, enfatiza.

A pesquisa Justiça Climática e Ativismos Feministas: impactos soluções contou com apoio da Rede Comuá e do MamaCash e foi lançada em um Webinário promovido pelo ELAS+ para especialistas, ativistas e potenciais financiadores. Entre as convidadas, estiveram Alice Amorim (Instituto Clima e Sociedade), Juliana Strobel (Fundación Avina), Esme Stout (OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Yasmin Moraes (Instituto Ibirapitanga), Rosilene Souza (Grupo de Mulheres Indígenas Tupinambá de Acuípe de Baixo – Kuiã Atã), Vanessa Purper (Fundo Casa Socioambiental) e Jonathas Azevedo (Rede Comuá).

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