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4 presidenciáveis bloqueiam jornalistas no Twitter

Dos nove presidenciáveis citados na última rodada da FSB Pesquisa publicada na última segunda-feira, 21, por encomenda do BTG Pactual, quatro bloquearam ao menos um profissional de imprensa em suas redes sociais. Repórteres e especialistas ouvidos pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmam que os candidatos se tornam personalidades de interesse público assim que passam a ser candidatos, e que o bloqueio veta acesso a conteúdos publicados por políticos e exclui a possibilidade de interação com eles. Vale lembrar que todos, no momento, são pré-candidatos, uma vez que as candidaturas são oficializadas com as convenções partidárias, a partir de julho.

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Neste recorte, o campeão de vetos é o presidente Jair Bolsonaro (PL), com 86 bloqueios. Segundo colocado nas projeções para a corrida presidencial, ele também impede dez veículos de comunicação de terem acesso ao seu perfil no Twitter. A diretoria da Abraji ressalta que os bloqueios feitos pelo mandatário do país, que se comunica com a população via redes sociais, são mais graves do que os dos demais presidenciáveis, uma vez que Bolsonaro fala em nome da presidência da República.

Entre Bolsonaro e o segundo colocado no monitoramento, há um abismo. Depois do presidente está Sérgio Moro (Podemos), que baniu dois jornalistas. João Doria (PSDB) e André Janones (Patriotas) têm um bloqueio cada. Doria é governador de São Paulo, e Janones é deputado federal por Minas Gerais. O líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Eduardo Leite (PSDB, mas pode disputar a presidência pelo PSD) e Felipe d’Avila (Novo) não bloquearam jornalistas na rede social.

Bloqueado por Sérgio Moro após questioná-lo, o colunista do Intercept Brasil João Filho, que comanda o blog Jornalismo Wando, escreveu em seu Twitter que o ex-juiz não tolera críticas. O jornalista afirma à Abraji que o veto de Moro atrapalha seu trabalho, pois limita os canais pelos quais pode questionar o presidenciável do Podemos.

É uma maneira sutil de calar jornalistas críticos

“Se eu quiser ver, tenho que abrir uma janela deslogada, mas não posso comentar nem fazer perguntas. É uma maneira sutil de calar jornalistas críticos. Quando o Moro faz isso não é nada diferente do Bolsonaro evitando a imprensa e falando apenas para os seguidores no cercadinho”, declara João Filho.

Outros jornalistas relataram à Abraji que o bloqueio de Bolsonaro os impede de acompanhar o anúncio de políticas governamentais, que o presidente compartilha em seu perfil. Também deixa de ser possível acompanhar suas estratégias de comunicação digital que devem ter impacto nesta corrida presidencial, como a divulgação quase diária de seu canal no Telegram no Twitter.

Os profissionais bloqueados ainda podem lançar mão de alguns métodos para acessar as contas dos bloqueadores — usar guias anônimas, pedir o desbloqueio via Lei de Acesso à Informação (LAI) ou recorrer à Justiça —, conforme já mostrou a Abraji em outra reportagem a respeito do assunto.

Na lista de presidenciáveis, Jair Bolsonaro é — disparado — o que mais bloqueia jornalistas no Twitter. (Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Os bloqueios não entraram até o momento na pauta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em dezembro do ano passado, o TSE aprovou alterações na Resolução nº 23.610, que regulamenta a propaganda eleitoral, o horário eleitoral gratuito e as condutas ilícitas nas eleições gerais de 2022. Tudo isso abrange certos comportamentos na internet, mas não o ato de bloquear a imprensa.

Procurado pela Abraji, o TSE declara que não trabalha com a figura do pré-candidato. Os postulantes ao Palácio do Planalto terão de registrar suas candidaturas de 20 de julho a 5 de agosto, de acordo com o calendário eleitoral para este ano. Especialistas consultados pela reportagem avaliam que os presidenciáveis não são figuras públicas como políticos com mandato, mas são objetos de interesse público.

O TSE adiantou à Abraji que deve publicar um guia de boas práticas para candidatos, a ser elaborado em conjunto com agências de checagem e entidades da sociedade civil, como fez nas eleições municipais de 2020. O material apresentado há dois anos também não citava os bloqueios contra profissionais de imprensa.

O presidente do Instituto Vero (entidade com foco no combate à desinformação), Caio Machado, lamenta que nenhum tribunal tenha encarado a questão da restrição de acesso nas redes sociais.

Podem configurar uma violação da legislação já em vigor

“Parece-me bem claro que os ocupantes de cargos públicos de alto escalão, como presidente, deputados e senadores, bloqueando jornalistas, podem configurar uma violação da legislação já em vigor”, avaliou Machado em entrevista à Abraji.

Para o especialista, uma vez que os eleitos passam a usar as redes sociais como canal para se comunicar com o público, as contas passam a ter os deveres de responder às obrigações do poder público. “Imparcialidade, eficiência, impessoalidade e tantas outras coisas, que não são respeitadas”, afirma o presidente do Instituto Vero, enumerando os princípios da administração pública.

Ele recorda ainda que cortes de apelação dos Estados Unidos haviam proibido Donald Trump de bloquear jornalistas, pois seus tuítes iniciavam fóruns públicos de discussão, assim não caberia ao ex-presidente fazer moderação privada.

Para Caio Machado, que pesquisa na Universidade de Oxford desinformação anti-ciência e o debate público online no Brasil sob a ótica do Direito, essa lógica se aplicaria perfeitamente para qualquer tribunal competente no país. “O TSE também poderia estender esse raciocínio para a discussão eleitoral, impedindo os candidatos de bloquear ou colocando algumas diretrizes para os eleitos e os candidatos interagirem com os jornalistas e o público em geral”. Para tanto, seria necessário provocar o tribunal eleitoral.

O TSE mantém no ar desde 2019 o Programa de Enfrentamento à Desinformação, que em 2021 passou a ser uma política perene. A iniciativa parte de ações educativas, de aperfeiçoamento jurídico, tecnológico e de checagem e combate à desinformação e tem entre seus parceiros algumas das principais plataformas de redes sociais. São os casos, por exemplo, de Twitter, WhatsApp, Kwai e LinkedIn.

O Twitter disse ao site Núcleo Jornalismo que não interfere na decisão de autoridades de bloquearem usuários, já que esse recurso é prerrogativa de quem usa a rede social. Em tutorial publicado no YouTube, a empresa afirma que o bloqueio pode ser usado por usuários para evitar ver postagens rudes, maldosas, sem senso, inadequadas ou perturbadoras.

Só que, segundo o professor de jornalismo da Universidade Federal da Bahia Wilson Gomes, autoridades do alto escalão e também candidatos a cargos públicos que usam as redes sociais para promover comunicação com o público amplo podem usar o veto para controlar a visibilidade de postagens e segmentar seu conteúdo a certas comunidades.

Durante todo o seu mandato, ele [Bolsonaro] nutriu uma animosidade com os jornalistas

“No caso de Bolsonaro, isso é muito claro. Durante todo o seu mandato, ele nutriu uma animosidade com os jornalistas, seja por meio de ataques ou dos bloqueios, ao passo que anuncia seu canal como via de informação do governo. Ao mesmo passo, sempre fez acenos a bases fiéis. Essa estratégia parece se perpetuar neste ano eleitoral”, declarou Gomes à Abraji.

Estudo publicado em dezembro de 2021 mostrou que, entre o público brasileiro, tuítes de pessoas com interesses em comum têm cerca de 50% mais chances de converter seguidores. E que segmentar o público é uma maneira eficaz de aumentar a influência na rede social.

Entretanto, a Abraji mostrou, em setembro do ano passado, que mais de 98% dos tuítes de Jair Bolsonaro são de interesse da sociedade e não de uma determinada parcela da população. A entidade também mostrou que a maioria dos políticos que bloqueiam anuncia em seu perfil seus cargos e mandatos.

No Brasil não há uma legislação vigente que defina direitos e obrigações em relação ao comportamento de autoridades públicas nas redes sociais. Por isso, as plataformas só têm obrigação de se posicionar neste tema caso haja uma decisão judicial, à qual elas devem se submeter segundo o marco civil da internet.

Caso seja aprovado, o projeto de lei 2630/2020, mais conhecido como PL das Fake News, tornaria proibido que políticos com mandato bloqueassem quaisquer cidadãos em suas contas oficiais. Em 2020, a própria Abraji e outras 50 entidades repudiaram, no entanto, outros trechos da legislação que, segundo esse conjunto de instituições, ameaçam a privacidade e a liberdade de expressão.

O monitoramento com presidenciáveis e outras autoridades

Quarenta e seis autoridades brasileiras bloquearam profissionais de imprensa 343 vezes, segundo o monitoramento realizado pela Abraji desde setembro de 2020, com financiamento da Open Society Foundations.

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Além de Jair Bolsonaro, com 86 bloqueios, completam a lista de autoridades que mais vedam acesso a jornalistas nas redes sociais:

  1. Mário Frias, secretário especial de Cultura (40);
  2. Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação (35) (40);
  3. Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro e filho do presidente Jair Bolsonaro (22);
  4. Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo e filho do presidente Jair Bolsonaro (20);
  5. Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares (19);
  6. Flávio Bolsonaro, senador pelo Rio de Janeiro e filho do presidente Jair Bolsonaro (19);
  7. Arthur Weintraub, ex- assessor especial da presidência (19);
  8. Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente (14);
  9. Osmar Terra, deputado federal pelo Rio Grande do Sul (9)

OBS: São computados apenas os vetos distribuídos enquanto a pessoa ocupou os cargos públicos.

O topo do ranking é dominado pelo presidente da República, seus filhos, apoiadores e membros de seu governo. Políticos de oposição também aparecem no monitoramento da Abraji. São os casos do governador do Maranhão, Flávio Dino, a deputada federal pelo Paraná e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e o governador de São Paulo, João Doria. Veja a lista completa abaixo.

 

 

Vale recordar que políticos com ligação ao atual governo com mandato também bloquearam 18 veículos de comunicação. Administrado pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), o perfil do presidente bloqueou, em ordem cronológica, The Intercept Brasil, Diário do Centro do Mundo (DCM), Aos Fatos, Congresso em Foco, Repórter Brasil, O Antagonista, Brasil de Fato, Poder360, PoderData e PirambuNews.

O próprio Carlos Bolsonaro bloqueou perfis do UOL no Twitter e no Instagram, além de ter bloqueado o site Congresso em Foco nas redes sociais. O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, e o secretário especial de Cultura, Mario Frias, também bloquearam outros dois veículos digitais cada.

 

 

É um sinal de que este candidato considera os órgãos de imprensa como adversários políticos, o que é um comportamento suspeito

O professor Wilson Gomes considera bloquear alguém um comportamento punitivo. “Por que um candidato iria querer punir um órgão de imprensa? Isso é um sinal de que este candidato considera os órgãos de imprensa como adversários políticos, o que é um comportamento suspeito”.

Para a Abraji, os bloqueios de autoridades contra jornalistas configuram restrição de acesso a informações públicas garantido pela Constituição Federal. Em julho do ano passado, a entidade acionou o Supremo Tribunal Federal (STF), via mandado de segurança coletivo, para que o presidente da República desbloqueie os profissionais de imprensa banidos de sua conta na rede social.

Na Justiça, além do mandado de segurança coletivo impetrado pela Abraji, há ao menos outras seis ações pedindo que Bolsonaro seja proibido de bloquear outros usuários de redes sociais.

Em uma delas, a ministra Cármen Lúcia, do STF, votou pela proibição de bloqueios por parte do presidente, pois considera que as mensagens publicadas por Bolsonaro não se limitam a temas de índole pessoal, íntima ou particular. “Dizem respeito a assuntos relevantes para toda a coletividade, utilizado o perfil como meio de comunicação de atos oficiais do chefe do poder Executivo federal”, avaliou a ministra em votação no plenário virtual.

Leia também: Grupo de comunicação investe em núcleo de dados e investigação

E mais: Desertos de notícias são reduzidos no Brasil

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Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Criada em 2002 por um grupo de jornalistas brasileiros interessados em trocar experiências, informações e dicas sobre reportagem, principalmente sobre reportagens investigativas. É mantida pelos próprios jornalistas e não tem fins lucrativos.

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