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Profissionais dão dicas de como realizar cobertura de atos antirracistas

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A cobertura de atos antirracismo necessita de alguns cuidados especiais

Os protestos antirracistas que ganharam as ruas de diversas capitais como São Paulo nas últimas semanas têm recebido atenção de veículos independentes como é o caso do Alma Preta, da Ponte Jornalismo, do Nós, Mulheres da Periferia, entre outros. O Alma Preta, em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ouviu jornalistas especializados na cobertura desses atos.

Para cobrir os atos garantindo que a pauta ganhe a profundidade e a atenção necessárias, os responsáveis por essas mídias e por entidades ligadas aos profissionais de imprensa indicam que os jornalistas destacados para a cobertura ouçam o maior número de fontes, estudem sobre a história dos movimentos negros brasileiros e protejam-se com equipamentos de proteção individual, além de anotarem os números da Defensoria Pública para casos de abuso de poder por parte da polícia.

Para Antonio Junião, editor e coordenador de projetos da Ponte Jornalismo, os profissionais precisam entender primeiro o que é racismo estrutural e seus desdobramentos. “É preciso fazer a lição de casa e pesquisar mais sobre o trabalho de quem vai entrevistar. O entendimento de que o racismo estrutural vem desde a fundação do país é importante. Falar de racismo é falar de estruturas, não de indivíduos”, considera. Junião indica o livro “O que é racismo estrutural”, do jurista e professor universitário Silvio Almeida.

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Semayat Oliveira, cofundadora e codiretora do Nós, Mulheres da Periferia, lembra que São Paulo tem vivido nos últimos meses uma efervescência de atos que começa com temática antifascista e por influência do movimento negro devem pautar o antirracismo como eixo principal. “É uma conquista do movimento negro trazer essa pauta à tona e ter uma diversidade de atores unidos em atos em que o antirracismo é a pauta central. Essa narrativa não pode ser perdida”, afirma.

A codiretora orienta que, antes de começar a cobrir o assunto, os jornalistas se informem sobre a trajetória do movimento negro e do porquê essa pauta está no centro das atenções. “Tem a ver com os Estados Unidos, mas faz parte da luta de intelectuais e articuladores negros brasileiros, que têm estruturado pensamentos e colocado o racismo como tema principal”, explica.

Semayat ressalta que as perguntas devem considerar que as mobilizações não surgiram agora e que existem diversas linhas de estudo sobre a questão racial. “Há diferentes caminhos para isso. É importante entender, por exemplo, se a pessoa tem uma posição anticapitalista. Conhecer essa linha de pensamento é uma forma de contextualizar o texto a fim de trazer diferentes porta-vozes e uma pluralidade de olhares”, considera.

Instituições do movimento negro

Entre as instituições que podem ser ouvidas nas reportagens está a Coalizão Negra Por Direitos, que reúne porta-vozes com visões diferentes sobre o tema, além de escritores como Sueli Carneiro, fundadora e diretora do Instituto da Mulher Negra – Geledes, e o presidente do Instituto Luiz Gama, Silvio Almeida. Outra indicação é Cida Bento, diretora-executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT).

A codiretora do Nós, Mulheres da Periferia conta que leva para as manifestações mais de uma máscara, álcool em gel e óculos de proteção, além de cobrir o cabelo. “Entrevistei muitas mulheres no grupo de risco por conta da pandemia. Temos que nos cuidar. Há um risco iminente e constante que vai além dos cuidados que estão ao meu alcance. Imponho limite de distanciamento nas entrevistas para cuidar dessas mulheres”, relata. Outros cuidados importantes são ter em mãos o telefone da Defensoria Pública e de entidades jurídicas, como a Artigo 19, que podem ajudar em casos como abusos da polícia. “São apoios jurídicos para se proteger”, ressalta.

Junião, da Ponte, acrescenta que os jornalistas que vão cobrir atos devem ainda estar com crachá do veículo que representam, ficar longe das bombas e entrevistar pessoas em segurança, para não se expor e nem expor a fonte, além de estar em alerta constante. “A truculência policial é grande, principalmente se o repórter for negro. A polícia é formada para reprimir a população negra. Para nós, é sempre mais difícil”, pondera.

Já Flavio Carrança, diretor do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo e coordenador da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de São Paulo (Cojira-SP), avalia que uma cobertura desse tipo deve dar voz a quem está protestando. “Deve compreender o que levou aquelas pessoas a se manifestar, não se atendo apenas à opinião de especialistas”, considera. Carrança lembra que essa diversificação de fontes é importante, o que significa que é primordial ouvir também intelectuais negros vinculados a esse tipo de manifestação. “Não tem uma ciência da cobertura, mas uma atenção ao princípio do jornalismo de ouvir o outro lado”, conclui.

Casos recentes

Em uma manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, em 14.jun.2020, o repórter Luís Adorno, do portal UOL, foi agredido e ameaçado por um PM. Adorno, que é negro, filmava uma abordagem da Polícia Militar a três jovens identificados como neonazistas, que teriam provocado manifestantes contrários ao presidente Jair Bolsonaro.

Um dos rapazes abordados pela PM vestia um agasalho com suásticas nazistas na manga. Enquanto gravava a abordagem, o repórter foi empurrado por um policial branco, sem identificação, o que derrubou o aparelho celular, danificando-o. Questionado pelo jornalista sobre a agressão, o PM respondeu: “Vem cá, vamos trocar uma ideia, o que você falou aí? O que você falou aí?”, e em seguida xingou o repórter.

O jornalista foi à delegacia para registrar a ocorrência, e lá, segundo o repórter do UOL, foi intimidado pelo mesmo PM que o agrediu. “Vamos trocar uma ideia, ficou com medo?”, disse o policial. A Polícia Militar de São Paulo informou que adotou as medidas cabíveis para a apuração do caso e que orientou o repórter a formalizar a denúncia.

Cobertura do caso George Floyd

Em Minneapolis, no estado de Minnesota, nos Estados Unidos, durante a cobertura do assassinato de George Floyd, detido e asfixiado por um policial branco no fim de maio, a prisão do repórter da CNN Omar Jimenez também chamou atenção. O profissional negro cobria um protesto quando foi preso sob a alegação de que a equipe de reportagem não havia desocupado uma área onde era feita uma transmissão ao vivo.

Na ocasião, Jimenez mostrou sua identificação e disse aos oficiais que ele e os colegas se mudariam para um local indicado pelas autoridades. Um policial agarrou o braço do jornalista e o algemou. Toda a ação foi transmitida ao vivo em um telejornal matutino da emissora norte-americana. No local da cobertura, também estava Josh Campbell, repórter branco da CNN, que recebeu um tratamento diferenciado por parte da polícia. Campbell chegou a descrever o diálogo com os policiais como “respeitoso”.

Texto: Guilherme Soares Dias | Imagem: Pedro Borges/Alma Preta

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Abraji

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Criada em 2002 por um grupo de jornalistas brasileiros interessados em trocar experiências, informações e dicas sobre reportagem, principalmente sobre reportagens investigativas. É mantida pelos próprios jornalistas e não tem fins lucrativos.

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