Do que são feitos, como os formamos, os alimentamos? Podemos ter o poder mágico de desejar tanto algo que aquilo se realiza? Sonho é motor da vida, o que lhe dá algum sentido. Sonhos também são termômetro de amor, e a base sobre a qual se pode construir as relações e tecer a realidade. Se não houver um sonho comum, por menor que seja, saia fora.
Fim de ano começa, não tem jeito, a cutucar a cabeça da gente aqui e ali instigando o famoso balanço, avaliações, cosquinhas nos fatos e decisões, checagem no nosso almoxarifado interno. Adoraríamos poder projetar minimamente lá na frente. Mas nem com toda essa modernidade, isso ainda não foi inventado. O destino está sempre um ou dois passos adiante.
Aprendi de forma muito dura, pensando nessa nossa capacidade de sonhar, um detalhe. O de que uma relação amorosa não segue em frente se não houver um sonho, um plano, uma vontade onde ambos estarão incluídos. Nesse sonho de amor, não há egoísmo; não pode haver; é ganha-ganha. É sonho de valsa que se dança junto, rodopiando pela vida afora. Obtido, deve ser sempre seguido de outro, de outro. Talvez seja essa a tal chama do amor.
Toco no assunto porque é fim de ano quando todo mundo faz planos que não deixam de ser sonhos.
Mas também porque cheguei a me emocionar ao encontrar um amigo que há muito não via, mas que há anos acompanho em sua grande paixão pelo companheiro, a parceria que estabeleceram. Fiquei – e ficaria mais algumas horas – ouvindo-o falar dos planos, do sonho. Pega isso, vende isso, pega o dinheiro, divide, faz isso; uma parte para a família, irmãos, irmãs, para que eles consigam começar algo. Constrói isso e isso, aluga por tanto, que vai render tanto.
Quando a conversa acabou, tal a objetividade e a lógica dos passos, dos cálculos, tal a vivacidade da descrição que já praticamente eu também via aquilo tudo realizado, e o que tenho certeza se concretizará em breve. Um terreno na praia, alguns chalés coloridos, quatro de cada lado de uma pequena capela ao centro, tudo bem bonitinho e simples, enfeitado por flores e plantas, um espaço para casamentos. Nada de pousada, que isso aí dá é muito trabalho. A norma para quem alugar é devolver tudo exatamente como encontrou. Limpo. Pronto. Uma boa horta, com alimentos para consumo próprio e que possam ser distribuídos para projetos sociais.
Estou falando de um casal jovem, menos de 40 anos, ambos bem estabelecidos. Querem antes de mais nada sair fora de São Paulo. Ali nesse espaço do sonho que construirão pretendem viver e morrer. Juntos, alegres, parceiros.
Com a crise nacional, essa névoa de tristeza pairando sobre os costumes e a liberdade, mais e mais sei ou vejo deslocamentos, amigos arrumando malas, enxugando a vida, tentando se livrar das aporrinhações , vivendo novos sonhos, buscando qualidade de vida.
Tudo surpreendentemente planejado, ironicamente para poder morrer em paz, e viver mais leve e feliz até esse dia inevitável.
Perseguimos sonhos, corremos atrás deles, nos esbodegamos por eles. Ele podem ser bem doces como o pãozinho recheado que leva seu nome e que quando bem feito é mesmo um sonho.
E podem ser bem amargos quando largados no caminho, quando viram pó, pisoteados pelo abandono. Mas não se pode esmorecer.
Importante é que eles sempre se renovam, ouvi dizer. Os sonhos de que trato são aqueles tipos de sonhos para se viver acordado, bem acordado. Por que não?