Durante a cerimônia em sua homenagem realizada no primeiro dia do 13º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, Zuenir Ventura fez um discurso emocionado. “Uma das maiores homenagens de minha carreira profissional”. Ele finalizou a mensagem com um conselho aos jovens jornalistas
Imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), o jornalista Zuenir Ventura foi agraciado no último fim de semana. Ele foi o homenageado neste ano do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo. O evento foi realizado pela Abraji. O comunicador direcionou mensagem final aos jovens jornalistas. “Não desistam nunca”, reforçou.
Leia a íntegra do discurso de Zuenir Ventura no congresso da Abraji:
Esta homenagem vem para mim numa idade, ou pós-idade, em que, em vez de receber, costuma-se ser prêmio, quando se merece, claro, o que não é o caso. E vem por concessão de uma instituição cuja importância só tem aumentado nesses 15 anos de existência.
A Abraji aponta o que me parece ser o caminho correto para a sobrevivência institucional da imprensa, indicando o antídoto contra os ataques a que ela está sujeita – de um lado pela ação das redes sociais; de outro, por meio das fake news, essa praga tão nociva hoje quanto a censura nos tempos da ditadura.
As fake news são uma contradição em termos. Se são fake, não são news, e sim um novo nome para a velha prática dos boatos, dispondo agora de um instrumento com poder de propagação como nunca houve: a internet.
Elas são uma das maiores preocupações destes nossos tempos pré-eleitorais. O ministro Luiz Fux, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, já declarou que, “se ficar comprovado que as notícias falsas beneficiaram um candidato, a ponto de garantir sua vitória, as eleições do Brasil podem chegar ao extremo de ser anuladas”.
Segundo Fux, “a legislação prevê até a cassação de candidatos”.
A imprensa não tem, como a Justiça, mecanismo punitivo, mas às vezes consegue desmoralizar a mentira, como fez com a onda dos sórdidos ataques à vereadora Marielle Franco, que fora executada com o motorista Anderson Gomes. A infame campanha de versões falsas e difamatórias foi comandada por uma desembargadora e por um deputado federal, os quais, diante dos desmentidos de serviços de checagem de vários jornais, voltaram atrás.
A juíza postou um “mea culpa” no seu Facebook admitindo ter repassado, “de forma precipitada”, falsidades contra a vereadora. E o deputado fez o mesmo.
Não se deve, porém, subestimar a gravidade do fenômeno. As fake news já constituem uma indústria. Segundo a revista Época, os dez maiores “sites de boatos” do país já contam com mais de 9 milhões de visitantes por mês.
O que fazer?
No ano passado, aqui mesmo no 12º Congresso, o editor-chefe do Washington Post, Martin Baron, deu a resposta, mostrando que o jornalismo investigativo é a alma do seu jornal, assim como deve ser da própria imprensa. A sua redação dobrara o número de repórteres investigativos, passando de 8 para 16.
Baron foi o chefe da equipe do Boston Globe que investigou em 2002 os abusos sexuais cometidos por importantes clérigos da igreja católica. A reportagem deu origem a “Spotlight – Segredos Revelados”, que ganhou o Oscar de melhor filme em 2016. “Nosso trabalho”, ele disse aqui, “é fazer as instituições poderosas, como o governo, prestarem contas à sociedade”.
Não custa lembrar que em 1972 dois repórteres do Washingtoo Post foram os autores do caso Watergate, cujas investigações levaram à renúncia do então presidente Richard Nixon, no que talvez tenha sido o internacionalmente mais famoso trabalho do jornalismo investigativo.
Já ouvi dizer que jornalismo é uma técnica e, por isso, não tem ética. Não concordo com essa tese pós-moderna, acho que não só tem ética, como até estética. Pode-se alegar que, como veículo, o jornalismo é uma ferramenta e ferramenta não carrega ethos. O problema, porém, é que não existe ferramenta sem a mão do homem e não existe homem sem ideologia, no sentido mais amplo e nobre do termo, ou seja, como sistema de pensamento, ideias e opinião.
Como acontece desde Adão, nenhum instrumento passa pela mão do homem sem ser contaminado pela ideologia. “A câmera ou é de direita ou de esquerda”, diz Godard, querendo mostrar que mesmo a máquina tem opinião, posto que atrás dela há sempre um operador de carne e osso. Ele tem razão: qualquer editor descobre, ao escolher uma foto, que um ângulo pode equivaler a um editorial. Também a foto, ou é contra ou é a favor. Se a imagem não consegue ser neutra, imagine a palavra. A objetividade é um mito, mas isso não nos impede de persegui-la.
Neste tempos de crise, depressão social, polarização e intolerância, tende-se a associar ao veículo o que de ruim é veiculado. Atacado pelo que se pode chamar de síndrome da má notícia, costuma-se ter com a imprensa uma relação parecida com a que certos reis mantinham com os emissários da má notícia. Mandavam matá-los depois de receberem a notícia. Muitos têm vontade de fazer o mesmo com os jornalistas: matá-los simbolicamente – depois, claro, de consumir vorazmente a má notícia.
Mas isso não explica tudo nessa relação de amor e ódio. Também temos culpa no cartório. Por natureza, somos um pouco patologistas sociais. Não nos interessamos pela normalidade. Temos uma certa preferência pelo mórbido, o teratológico, o monstruoso, o insólito, as catástrofes, os conflitos e as paixões assassinas.
Pode-se dizer, e muitos dizem, que não fazemos nada do que o leitor não queira – sofremos o controle externo do mercado. Pela lógica do resultado e pela ideologia da eficácia, o consumo seria a medida de todas as coisas. Mas será mesmo assim? Seria o caso de entregar também essa questão para o mercado?
Parece que começamos a achar que não. Mesmo numa sociedade controlada por suas leis, pela lógica do consumo, movida pela competição e o lucro, mesmo numa sociedade de espetáculo, da ditadura do marketing – eu diria que por isso mesmo – o jornalismo tem que ter uma autocrítica, uma ética. Ele, que é tão rigoroso com as outras instituições, fiscalizando, cobrando, patrulhando, deve ser consigo mesmo.
Mas, enfim, não vim aqui para ensinar o padre nosso ao vigário. Vocês sabem melhor do que eu tudo o que foi dito. Estou aqui para agradecer a honra de ter sido contemplado com uma das maiores homenagens de minha carreira profissional.
Só por este dia já terá valido a pena não ter desistido antes mesmo de começá-la, nos anos 50, quando li num manual o que era notícia: “cachorro mordendo o homem não é notícia; notícia é o homem mordendo o cachorro”.
Achei que não ia conseguir passar a vida atrás de homem mordendo cachorro.
Por isso, digo aos jovens: não desistam nunca.
Zuenir Ventura