O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações iniciou, na terça-feira, 8, consulta pública que pode gerar alterações no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), especialmente em relação às atribuições e à composição dessa instância.
Criado em 1995 e fortalecido com a regulamentação do Marco Civil da Internet, em 2016, o CGI é, hoje, responsável pelo estabelecimento das diretrizes do setor, bem como pela promoção de estudos e padrões técnicos para segurança e serviços de Internet; recomendação de procedimentos e padrões técnicos e promoção de programas de pesquisa e desenvolvimento. As contribuições poderão ser feitas até às 18h do dia 8 de setembro.
O governo diz que pretende atualizar o Decreto 4.829, de 3 de setembro de 2003, que “estabelece a estrutura para a governança da internet no Brasil, a fim de promover seu fortalecimento para apoio às transformações geradas pela era digital”. A consulta pública está organizada em quatro eixos: competências; transparência; composição e eleições e mandatos. No eixo competências, questiona-se se é preciso atualizá-las e quais formas podem ser adotadas para concatenar esforços entre estratégias e atividades operacionais. No da transparência, poderão ser propostas medidas sobre o acompanhamento público e a publicidade conferida às decisões do comitê, a exemplo do estabelecimento de audiências e de outras formas da participação social.
Quanto à composição, o ministério manifestou, nos textos que embasam a consulta, preocupação com a “adequada representação dos diferentes setores que integram a cadeia de valor da internet no Brasil e o equilíbrio entre os setores representados”. Hoje, o comitê tem composição multissetorial, contando com representantes do governo, do setor empresarial, da comunidade científica e tecnológica e do terceiro setor, além de um conselheiro indicado por notório saber. Os representantes do terceiro setor, comunidade científica e tecnológica e setor empresarial são escolhidos em processo que envolve centenas de pessoas que votam em colégios eleitorais. A consulta abre espaço para redefinição das categorias setoriais existentes; fim da reeleição e alteração dos critérios de participação das entidades no processo eleitoral.
A consulta sobre alteração do Comitê Gestor da Internet foi recebida com críticas por membros do grupo. Conselheira e integrante da associação de consumidores Proteste no CGI.br, a advogada Flávia Lefèvre afirma que apenas ontem os conselheiros foram comunicados do interesse do ministério em promover a revisão, que deveria ser objeto de discussão na próxima reunião do órgão, prevista para o dia 18 deste mês. “Ninguém está resistindo à revisão, mas ao fato de o governo construir unilateralmente uma proposta, sem que passasse pelo próprio CGI, e a apresente em uma consulta pública que durará apenas 30 dias, sem discussão alguma”.
Na visão da advogada, esse método fere o Marco Civil da Internet, segundo o qual a governança da internet deve ser multissetorial. “Se você tem uma consulta pública de alteração da estrutura de governança da internet apresentada pela secretaria cujo secretário é coordenador do CGI, por que isso não foi discutido no CGI?”, questionou.
Também conselheira da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Flávia Lefèvre manifestou preocupações com a possível alteração do órgão e ampliação da participação empresarial nele. Conforme explica, o comitê tem frequentemente firmado posição em defesa da neutralidade de rede e defendido a necessidade de os usuários darem consentimento para que seus dados sejam utilizados, por exemplo, para fins mercadológicos.
“A gente não pode esquecer que, em 2009, o CGI editou resolução com os princípios de governança da internet e que se manifestou, a partir deles, no processo de regulamentação do Marco Civil. Com a configuração que o CGI tem hoje, certamente esses princípios serão mantidos em outras discussões”, afirma, citando como exemplo o desenvolvimento comercial da chamada internet das coisas. Ainda segundo Flávia, pressões para alteração da composição do CGI.br e inclusão de provedores e outros agentes já foram citadas nas reuniões do órgão e registradas em atas que estão disponíveis no site do comitê.
Além da consulta sobre a governança da Internet, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações também está recebendo contribuições até o fim deste mês, para a elaboração da Estratégia Brasileira para a Transformação Digital, que tem como objetivo a ampliação da digitalização da economia.
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência Tecnologia, Inovações e Comunicações do MCTIC afirmou em nota, envidada pela assessoria do Ministério, que a consulta visa atualizar o Comitê, para corresponder aos avanços da internet.
“Em 1995, por exemplo, o número de usuários da Internet era muito baixo, não havia empresas na área de tecnologia com o impacto social e econômico dos grandes players de hoje, e nem existiam ainda avanços tecnológicos como a Internet das Coisas”, aponta a nota. “O objetivo da consulta é colher subsídios da sociedade sobre possíveis atualizações da estrutura brasileira de governança da Internet, sempre com base na premissa de manutenção de sua natureza multissetorial”, acrescenta.
Leia mais…
Maioria dos consumidores com acesso à internet já usou app para comprar online
Brasil tem mais de 200 milhões de celulares com acesso à internet
Estudo propõe prioridades para desenvolvimento da internet das coisas no país
Questionado sobre a falta de diálogo prévio com os integrantes do Comitê, o ministério opinou que “entendemos que a consulta pública é a melhor maneira de colher contribuições da sociedade como um todo acerca de um tema de fundamental importância. Tais contribuições permitirão subsidiar a discussão dentro do próprio CGI”.
Em nota, a Coalizão Direitos na Rede informou que pedirá a revogação da consulta. Além de repudiar a falta de diálogo, o grupo, formado por pesquisadores, acadêmicos, profissionais ligados ao setor e organizações que defendem a internet como direito, manifestou preocupação com a possibilidade de aumento da participação do segmento empresarial. “A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu, principalmente por parte das operadoras de telecomunicações, apoiadoras do governo”, diz o texto, que alerta sobre o processo de enfraquecimento do comitê, que teve suas atividades paralisadas no primeiro semestre deste ano em função de cortes de recursos.
*Helena Martins – Repórter da Agência Brasil
*Edição: Nádia Franco