São Paulo 6/5/2020 –
Os governos e os bancos centrais encontram-se mais do que nunca sob a obrigação de intervir para apoiar a atividade econômica
Os investidores já se acostumaram há muito aos paradoxos. Por exemplo: embora a última década de atividade econômica não tenha conseguido regressar às taxas de crescimento anteriores a 2008, mesmo com a intervenção sem precedentes dos bancos centrais e das baixas taxas de juro, ainda assim os mercados de ações estavam desfrutando de seus máximos históricos há menos de três meses. Uma estranha desconexão entre a realidade econômica e a realidade das bolsas. Mas, afinal, por que motivo a continuação desta tendência, uma vez que havia outro paradoxo acontecendo e se alimentando de si próprio: quanto menos a economia reagia ao apoio monetário, mais o apoio tinha de ser duplicado, o que, por sua vez, impulsionava os mercados de ações para patamares ainda mais elevados.
Este ano registra-se um choque externo sem precedentes: em nome do seu dever de proteger as suas populações contra o risco de contaminação por um vírus perigoso, os governos de metade do mundo estão infringindo abruptamente a paragem quase total das suas próprias atividades econômicas. Inicialmente, os mercados de ações temeram esta catástrofe econômica e registraram correções brutais. Globalmente, os mercados de ações em todo o mundo perderam entre 30% a 40% em um mês.
Mas, desde então, o que aconteceu? Os governos e os bancos centrais encontram-se mais do que nunca sob a obrigação de intervir para apoiar a atividade econômica, ou pelo menos para tentar evitar danos irreversíveis nas empresas e no poder de compra dos consumidores. Levantam-se sérias dúvidas que todo esse apoio possa intensificar a sua amplitude quando a crise tiver terminado para impulsionar verdadeiramente o crescimento. E, por outro lado, ninguém sabe quando a epidemia passará e se tornará apenas uma recordação do passado. Parece que será necessário se habituar a viver com ela durante algum tempo, o que significa que será preciso mais cuidado nos deslocamentos, viagens, atividades de lazer e muito mais.
As próprias empresas vão pensar duas vezes antes de reiniciar seus investimentos e as suas contratações: primeiramente, terão de sanear os balanços sobrecarregados com empréstimos de sobrevivência contraídos durante a pandemia. Os trabalhadores tenderão, provavelmente, a ser mais moderados em seus gastos, principalmente enquanto a continuidade de seus empregos ainda possa parecer precária.
Porém, sabendo que o crescimento econômico entrou em colapso e a recuperação será lenta, por que motivo os mercados mundiais de ações acabaram de recuperar mais de 20%? Porque os paradoxos têm a vida dificultada. Os governos e os bancos centrais não têm outra escolha senão a fuga para a frente: os bancos centrais devem agora alargar suas compras a muitas outras classes de ativos além dos títulos de dívida pública, devem garantir taxas baixas em absoluto aos agentes, a quem mais do que nunca encorajam a assumir dívidas tanto quanto necessário, e os governos devem esquecer todas as ortodoxias de equilíbrio orçamental.
Nestas circunstâncias, como não concluir que todo este apoio justifica uma avaliação mais elevada das empresas?
Se a dívida deixou de ser perigosa porque os bancos centrais a garantem direta ou indiretamente, se as falências serão raras porque os governos estão vigilantes e se o emprego se torna fortemente subsidiado, o custo do risco desaparece. Se é suficiente contrair dívida para pagar salários, e o valor de uma empresa já não depende de sua rentabilidade, então os mercados de ações podem muito bem desafiar as leis da gravidade. Ivan Karamazov teria afirmado que, se já não existem regras, vale tudo.
Os limites deste exercício de pensamento residem, por definição, nas restrições da realidade: a riqueza real produzida por uma economia reflete-se mais cedo ou mais tarde no valor intrínseco de sua divisa. É provavelmente nesta direção que será preciso despertar no futuro os sonhos de gravidade zero.
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