A imprensa livre precisa de nós

A ação liderada por centenas de jornais dos Estados Unidos é analisada por Verónica Goyzueta em artigo para o Portal Comunique-se. Veículos publicaram editoriais críticos ao presidente Donald Trump. Eles pedem imprensa livre

“A Free Press Needs You” o título imperativo de 350 jornais dos Estados Unidos, liderados por dois jornais respeitados no mundo, The Boston Globe e The New York Times (NYT), é uma convocatória aos cidadãos por uma imprensa livre, feita com a contribuição dos leitores. O título destacado em caixa alta, parafraseia o velho cartaz do Tio Sam, o personagem que representa aos norte-americanos, e seu “America needs you”, que convocava soldados para a guerra.

Neste caso, a imprensa norte-americana usa um símbolo forte, imperativo, mais de acordo com o slogan “Make America Great Again” da campanha presidencial de Donald Trump, para propor um combate pela liberdade de imprensa, em que o mandatário se tornou o principal inimigo, e o leitor pode ser o melhor soldado.

A resposta enérgica dos jornais dos EUA, quase uma convocatória de guerra, responde a uma série de ataques em discursos e em redes sociais, especialmente no Twitter, que começaram durante a campanha eleitoral e que têm atingido importantes grupos como o NYT, CBS e CNN, acusados de promover fake news, de serem “inimigos do povo americano” e de agir como um partido de oposição ao seu governo.

“A resposta enérgica dos jornais dos EUA, quase uma convocatória de guerra, responde a uma série de ataques em discursos e em redes sociais, especialmente no Twitter”

A gota d’água pode ter sido um tweet do passado 5 de agosto, em que Trump acusa os jornais de causar uma forte divisão e desconfiança ao ponto de poder levar a “uma guerra”. “São muito perigosos e doentes!”, acusa Trump, incitando aos seus seguidores contra os jornais, que reagem com ameaças e violência.

Os ataques de Trump à imprensa têm gerado respostas e a atenção de organizações internacionais, como a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que em uma declaração advertiram para o perigo da ofensiva presidencial contra a liberdade de expressão. Jornais como o Kansas City Star, de Missouri, e defensores da liberdade de imprensa têm comparado às atitudes do presidente aos procedimentos opressivos do stalinismo soviético.

Apelo ao velho Thomas Jefferson

O movimento liderado pelo Boston Globe teve o apoio, além do NYT, de outros veículos importantes como o Chicago Tribune, The Houston Chronicle e o Miami Herald, e a ausência do capitalino Washington Post, de Jeff Bezos, e do Wall Street Journal, do magnata da mídia Rupert Murdoch, velho amigo de Trump. Unidos ao protesto, mais de três centenas de jornais regionais espalhados pelo país, com exceções em alguns estados de forte presença dos republicanos.

No seu editorial com o título “Jornalistas não são o inimigo” e apoiado pela hashtag #EnemyOfNone (Inimigos de Ninguém) o Boston Globe, questiona o mantra presidencial de “inimigos do povo” contra os meios que criticam abertamente as políticas do seu governo. “Essa é uma das muitas mentiras que têm sido proclamadas por esse presidente”, diz o editorial, alertando que o movimento, encorajado por Trump, encontra eco em outros líderes autoritários como o russo Vladimir Putin, e o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

“O movimento liderado pelo Boston Globe, teve o apoio, além do NYT, de outros veículos importantes como o Chicago Tribune, The Houston Chronicle e o Miami Herald”

Os jornais de Nova York e Boston, epicentros ideológicos da fundação dos Estados Unidos, apelam em seus textos aos princípios da Primeira Emenda da sua Constituição de 1789, que impede a infração de seis direitos fundamentais, que garantem a liberdade de expressão e de imprensa. O NYT abre seu texto de sete parágrafos citando a Thomas Jefferson, defensor dessa Carta de Direitos do século XVIII, e compara esse avanço histórico com um escuro 2018, em que autoridades criticam a mídia. “Afirmar que a imprensa é ‘inimiga do povo’ é não-americano e é perigoso para o pacto cívico que compartilhamos por mais de dois séculos,” escreve o Boston Globe.

Nesse sentido, o NYT, que tem fortalecido seus balanços como resposta dos seus leitores aos ataques do governo – um efeito contrário ao desejo de Trump – recomenda a leitura dos editoriais e estimula as assinaturas de jornais locais em apoio a uma imprensa livre. “Faça elogios quando achar que eles fizeram um bom trabalho e faça críticas quando achar que eles podiam ter feito melhor. Estamos todos juntos nisso”.

O NYT, aliás, é um dos bons exemplos de que investir em pesquisa, correspondentes, boas reportagens e em um jornalismo responsável, podem ser o antídoto para convencer aos leitores a pagar por assinaturas. O até há pouco deficitário Times comemorou recentemente os resultados positivos de sua estratégia de assinaturas digitais e suas quase 3 milhões de assinaturas online, a caminho dos 4 milhões. Uma excelente notícia em tempos que parecem escuros e mais um sinal de que a imprensa livre precisa de NÓS.

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Por Verónica Goyzueta. Jornalista e empreendedora peruana que há anos mora no Brasil. Correspondente do Diario ABC, da Espanha. Vencedora como correspondente internacional do Prêmio Comunique-se de 2005. É fundadora do Fórum Brasil-China e do Tubaína Bar.

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