A primeira coisa que a supervisora do departamento de tradução e legendagem da empresa na qual só consegui entrar depois de três tentativas fazia — ou mandava seus auxiliares fazer — quando enviava um vídeo para traduzir era repetir as instruções de trabalho.
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Trabalho de Sísifo era o da chefa. Por mais que fosse informada de que, por exemplo, o limite de caracteres em cada linha da legenda deveria ser respeitado (só em casos excepcionais a legenda poderia ter mais do que duas linhas, todo texto que aparecesse na tela deveria ser traduzido e palavrões, evitados ou “suavizados”), a turma que não escrevia direito, como eu chamava os tradutores que mais davam trabalho para a revisão, não se cansava de entregar trabalhos com legendas para resumir, reescrever ou dividir.
Além disso, havia tradução incompleta, errada ou sem lista de elenco. Estes erros, se já fossem corrigidos antes de chegarem à mesa da revisão, evitariam que quem os cometeu não só tivesse menos dúvidas para resolver com os revisores, mas também não os fizesse correr mais risco do que eles já corriam de atrasar a entrega do trabalho.
Como a turma deveria escrever
Antes que alguém me pergunte, o limite de caracteres deveria ser respeitado porque, se o tradutor ultrapassasse o número informado, que, dependendo do cliente, variava, a legenda poderia não caber na tela; só em casos excepcionais, como quando o tempo das falas coincidia com o de um letreiro explicativo, a legenda poderia ter mais do que duas linhas para não “poluir” a tela; todo texto que aparecesse na tela – como abertura e fechamento, indicação de passagem de tempo, placas etc. – deveria ser traduzido para facilitar o entendimento do filme; palavrões deveriam ser evitados ou “suavizados” porque o cliente é que manda.
Mas o que mais fazia o filme da turma que não escrevia direito queimar, principalmente quando nossos vizinhos da masterização de vídeo cobravam a entrega do arquivo revisado, não eram os erros extras que, por preguiça ou falta de profissionalismo, ela deixava para os revisores corrigir, mas a má vontade com que às vezes ela atendia na hora de tirar dúvidas, dando respostas nem sempre convincentes.