A preposição “por”, conectivo que estabelece diversas relações – como a de causa – entre as palavras que ele liga, só deveria ser escrita separada do também conectivo “que”, como se vê nas frases em que ambos os conectivos SÃO ANTECEDIDOS POR VERBO (ou OUTRO TERMO) QUE EXIGE COMPLEMENTO, preposicionado ou não:
“IMAGINE por que fui convidado”,
“ADIVINHE por que não curto esta música”,
“DESCOBRI por que a luz estava apagada”,
“Você ENTENDE por que fui dormir cedo?”,
“Ninguém DISSE por que ela perdeu o controle”,
“A jornalista PERGUNTOU por que as obras ainda não haviam começado”,
“VEJA por que a maioria dos brasileiros não gosta de ler”,
“O aluno SABE por que não aprendeu”,
“O cantor EXPLICOU por que a gente somos inútil”,
“Isso MOSTRA por que aprender uma língua é tão difícil”,
“TORÇO POR que melhore”,
“Os alunos ANSEIAM POR que cheguem as férias”,
“Ele estava ANSIOSO POR que o ônibus não demorasse”,
“Ela estava AFLITA POR que a lua de mel terminasse logo”,
ou por SUBSTANTIVO, caso em que a partícula “que” funciona como pronome relativo (equivalente a “o qual”, “a qual” e seus respectivos plurais) e a preposição “por” se encontra deslocada do verbo que a exige:
“Este é o DINHEIRO por QUE vendo a casa”,
“(…) os DIREITOS por QUE estamos lutando”,
“(…) o MOTIVO por QUE eles brigaram”,
“(…) o TÚNEL por QUE passamos existe há muitos anos”,
“(…) o AVIÃO por QUE fui ao rio”,
“(…) a RAZÃO por QUE mudanças foram discutidas”.
Mas, como se quisessem dificultar a vida de quem escreve, principalmente de quem apanha na hora de escrever de acordo com a norma culta, os gramáticos inventaram mais três formas de escrever o encontro destes dois conectivos:
“porque”, junto e sem acento, quando ambos os conectivos ENCABEÇAM ORAÇÕES SUBORDINADAS ADVERBIAIS, as quais ficam isoladas pela vírgula quando são explicativas, isto é, não são respostas de perguntas:
“Os alunos obtiveram um mau resultado PORQUE NÃO ESTUDARAM”,
“Dorme muito pouco PORQUE TRABALHA DEMAIS”,
“Acho que choveu ontem PORQUE O CHÃO ESTÁ MOLHADO”,
“Não irei ao cinema PORQUE ESTOU SEM DINHEIRO”,
“Não suba aí PORQUE VOCÊ VAI CAIR”,
“Os alunos obtiveram um mau resultado, PORQUE NÃO ESTUDARAM”,
“Dorme muito pouco, PORQUE TRABALHA DEMAIS”,
“Acho que choveu ontem, PORQUE O CHÃO ESTÁ MOLHADO”,
“Não irei ao cinema, PORQUE ESTOU SEM DINHEIRO”,
“Não suba aí, PORQUE VOCÊ VAI CAIR”;
“porquê”, junto e acentuado, quando ambos os conectivos SÃO SUBSTANTIVADOS, SENDO ANTECEDIDOS POR ARTIGO, PRONOME ADJETIVO, PREPOSIÇÃO ETC.:
“Ninguém entende O PORQUÊ de tanta confusão”,
“Existem MUITOS PORQUÊS para justificar esta atitude”,
“MEUS PORQUÊS só eu entendo”,
“ESTE PORQUÊ tem de ser grifado”,
“Ela sempre vem COM PORQUÊS”;
e “por quê”, separado e com acento, quando ambos os conectivos APARECEM DESACOMPANHADOS OU NO FIM DA FRASE:
“POR QUÊ?”,
“Imagine POR QUÊ”,
“Adivinhe POR QUÊ”,
“Descobri POR QUÊ”,
“Ninguém disse POR QUÊ”,
“A jornalista perguntou POR QUÊ”,
“Veja POR QUÊ”,
“Você entende POR QUÊ?”,
“Parou POR QUÊ?”.
O problema é que, ao inventar estas outras absurdas formas, o incorrigível pessoal que manda e desmanda na caótica ortografia da língua portuguesa não só juntou duas palavras que, independentemente de se encontrarem no começo, no meio ou no fim da frase, deveriam ficar eternamente separadas e sem acento, mas assassinou a lógica, como, caso a caso, analiso a seguir.
Na fusão das partículas conectivas em “porque”, desobedecendo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que manda acentuar as oxítonas terminadas em “e”, como “você”, os gramáticos criaram uma oxítona com cara de paroxítona, como “corte”, “forte”, “morte”, “norte”, “porte”, “sorte”, “torne” etc.
Só mesmo desrespeitando a regra criada por eles próprios para os gramáticos deixarem sem acento a forma “porque”, conjunção em que estão escondidos os conectivos vizinhos “por” e “que”, e com acento a forma “porquê”, substantivo em que estão escondidos os mesmos já mencionados vizinhos, como se, foneticamente falando, “porque” não soasse igual a “porquê”.
Por último, mas não menos incoerente, a forma “por quê” me faz querer saber desde quando uma palavra, pertença à classe que pertencer ou tenha a função que tiver, depende do lugar em que se encontra na frase para ser acentuada.
Se o aborto ortográfico, como os portugueses chamaram o último e – inútil – acordo ortográfico da língua que, bem ou mal, eles e suas ex-colônias falam, tivesse acabado com toda esta lambança, deixando a polivalente palavra “que”, a qual, independentemente da função que tem na frase, introduz o verbo no modo finito, do jeito como nasceu – separada e sem acento –, não veríamos quem tem dúvida na hora de escrever o causador encontro destes dois conectivos precisando de frases-modelo, participantes de concursos fazendo exercício de adivinhação, professores inventando paródias para tentar fazer seus alunos decorarem, como a professora que vi no programa de bate-papos de uma ex-apresentadora do “Jornal Nacional”, o professor Pasquale Cipro Neto valendo-se do inglês e o saudoso Napoleão Mendes de Almeida, de outras línguas para falar sobre o assunto, o primeiro, ao comentar em sua coluna semanal na “Folha de S.Paulo” a frase que estava no cartaz de uma senhora que havia participado de uma manifestação (“Porquê não mataram todos em 1964”), escrevendo: “Para quem sabe inglês, uma boa dica é ver se entra ‘why’ ou ‘because’. Se entra ‘why’, entra ‘por que’; se entra ‘because’, entra ‘porque’.” e o segundo, em seu “Dicionário de Questões Vernáculas”: “O ‘cur’, e principalmente o ‘quare’ do latim, palavra esta composta mas sempre escrita como se uma só, o ‘why’ do inglês (o Webster discrimina as três diferentes funções desse advérbio, entre as quais as de interrogativo), o ‘perché’ do italiano, o ‘porquoi’ do francês, o ‘warum’ do alemão são em dicionários e gramáticos consignados como advérbios, sem mais dificuldades de análise nem de ortografia.”.
Só não dando 10 para a dica inglesa porque ela não diz se a oração introduzida pela conjunção é explicativa – isolada pela vírgula – ou não e vendo que, se a oração subordinada for levada para o infinitivo, a partícula “que” evapora-se, reproduzo abaixo alguns exemplos, todos com o verbo no subjuntivo, em que a incongruente e causadora forma “porque” indica finalidade (para que):
“A modelo faz de tudo porque a notem”,
“Enfiou o braço na jaula porque o pai o notasse”,
“Fez tudo porque eu não obtivesse bons resultados”,
“Não faça mal a ninguém porque não façam a você”,
“É a honra que nos compele a zelar porque o Brasil sobreviva”,
“Logo se emboscaram porque nos pudessem mandar ao reino escuro”,
“Temos de prosseguir porque todos cheguem bem ou sem muitos ferimentos”,
“Agiu daquela maneira porque o inimigo o visse e se assustasse com sua fúria”.
*Edson de Oliveira. Revisor de textos há mais de 20 anos, corrigindo principalmente legendas de vídeo, transcrição de áudio e textos jornalísticos, é editor dos blogues EFMérides e Blogue da Revisão.
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