Quanto custa escrever um livrorreportagem? Mais do que detalhes sobre o processo de produção, o tema financeiro foi o que chamou a atenção durante o painel “Livrorreportagem: Alternativa para grandes reportagens”, realizado na última semana durante o 11° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo. Mediado pelo presidente da Abraji, Thiago Herdy, o debate reuniu dois grandes jornalistas que, recentemente, se aventuraram no mundo editorial: Rubens Valente (Folha de S. Paulo) e Vladimir Netto (TV Globo).
Ao abrir a discussão, Herdy falou sobre as dificuldades do mercado e afirmou que jornalistas buscam no livrorreportagem uma nova maneira de trabalhar. Diante disso, Valente e Netto foram convidados para falarem sobre seus recentes lançamentos no mundo editorial. Ambos concordam que o trabalho com os livros é fruto de amadurecimento da carreira e que a mídia é utilizada, principalmente, quando o repórter sentir que não teve a oportunidade de “esgotar” o assunto em outras publicações, como no próprio jornal ou na TV. “Não acredito no livro como ação pontual. Você escreve uma obra na impossibilidade de narrar aquela história de maneira completa. No meu caso, a decisão de investir no mercado editorial veio de inquietações e é resultado da minha trajetória de vida. O livro é uma reportagem ampliada, um desdobramento do jornal”, revelou Valente.
É assim que pensa Netto, repórter da TV Globo e filho de dois outros jornalistas: Marcelo Netto e Miriam Leitão. O primeiro livro do profissional foi lançado neste mês e trata dos bastidores da Operação Lava Jato. Diferentemente de Valente, ele foi convidado pela editora Primeira Pessoa para escrever a obra, intitulada Lava Jato – O juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil. “É outra maneira de fazer jornalismo. Como repórter, tive que me preparar para escrever esse livro e precisei me despir do profissional de TV”. Netto comenta que para colocar a obra no mercado contou com a ajuda de outros dois repórteres – um em Brasília e outro em Curitiba -, que colaboraram com documentos e apurações.
“Faça uma boa poupança para o livro”. Esse é o conselho de Valente, que já tem publicada a obra Operação Banqueiro, da Geração Editora. Em 464 páginas, o jornalista conta como o banqueiro Daniel Dantas foi preso pelo delegado federal Protógenes Queiroz, por ordem do juiz Fausto De Sanctis, e conduzido algemado para uma cela comum, acusado de vários crimes, mas logo depois foi libertado por ordem do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. “Consegui recuperar o que investi com as vendas desse livro. Sobrou um pouco de dinheiro para pagar o advogado em processo de Gilmar Mendes”, conta.
Ainda em 2016, outro livro escrito por Valente e intitulado Os fuzis e as Flechas deve ser lançado, dessa vez para falar sobre o índio durante a ditadura militar. Sobre esta obra, ele conta que ficou, aproximadamente, um ano sem trabalhar em redação e que mais de 85 fontes foram entrevistadas. Entre viagens e investimentos para a obra, o jornalista afirma que teria “falido” se não tivesse poupança para pagar a produção. “O livro não é um meio de vida. Poucos escritores conseguem viver disso no Brasil”, comenta.
Para o relato ampliado sobre a Lava Jato, Netto conta que os gastos ficaram entre R$ 30 e R$ 40 mil – aproximadamente o valor investido por Valente em suas obras – e que ele também precisou investir dinheiro próprio para que o impresso fosse lançado. “Recebi dinheiro da editora, mas preferi não mexer nele até que o livro fosse finalizado. Ainda vou fazer a contabilidade, mas certamente investi alguma quantia na publicação”, diz o repórter da TV Globo. Netto acredita que o livrorreportagem é um gênero crescente no país e que é possível investir no modelo mesmo diante da crise. Ele ainda avalia que a cobertura da Lava Jato fez com que as redações montassem suas equipes especiais de investigação. “As empresas estão abrindo espaço para que os jornalistas fiquem dedicados às reportagens”.
O relacionamento com as editoras, de acordo com os profissionais, foi tranquilo. Eles contam que tiveram total liberdade nas obras, de modo que o conteúdo não foi “censurado” ou pautado pelas empresas que publicaram os livros.
No ano passado, a 17ª edição da Bienal do Livro no Rio de Janeiro teve o livro de uma youtuber como o mais vendido. Escrito pela jovem Kéfera Buchmann, a obra Muito mais que 5inco minutos, da editora Paralela, selo do Grupo Companhia das Letras, teve tiragem inicial de 125 mil cópias. O best-seller precisou de outras 50 mil cópias dois dias após o início da Bienal.
O debate sobre o mercado também chegou ao painel e os jornalistas avaliaram o boom de vendas de obras feitas por youtubers como positivo. “Ler é como andar de bicicleta: um dia precisa começar. Você começa andando um quarteirão e depois quer uma maratona. Acho incrível que uma pessoa natural do online, como são os youtubers, conseguirem levar o internauta para o impresso, para o mundo dos livros”, comenta Valente. Netto também vê o momento da mesma maneira e acredita que a leitura precisa começar de alguma forma.
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