Opinião

Após calote em funcionários, irmãos Civita vendem o Grupo Abril

Empresa de comunicação está atolada em dívidas e em processo de recuperação judicial. Demitidos em agosto não receberam direitos trabalhistas e aguardam deliberações da Justiça e do mais novo proprietário

Os irmãos Giancarlo e Victor Civita Neto não terão de honrar os compromissos com centenas de funcionários demitidos pelo Grupo Abril em agosto. Eles também não precisam mais se preocupar com a dívida de R$ 1,6 bilhão da companhia que está em processo de recuperação judicial. Em meio ao calote com profissionais, bancos e fornecedores, os dois sacramentaram a venda da empresa para Fábio Carvalho, da Legion Holdings.

Segundo informações da Infomoney, a compra de 100% das ações do Grupo Abril custou R$ 100 mil a Fábio Carvalho. O valor foi em decorrência da atual situação da empresa de mídia fundada pelo ítalo-brasileiro Victor Civita em 1950. Depois de décadas ostentando o status de maior editora de revistas do país, a companhia entrou em declínio nos últimos anos. Gestões desastrosas, como a de Fábio Colletti Barbosa, fizeram com que publicações fossem encerradas ou vendidas a outros grupos — além de recorrentes demissões em massa. Gastando mais do que era faturado, a Abril entrou com processo de recuperação em decorrência do acúmulo de dívidas.

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O processo de recuperação judicial, que segue com seus trâmites apesar do acerto de venda ao empresário Fábio Carvalho, prejudicou diretamente os mais de 800 demitidos no início de agosto. Profissionais CLT e freelancers entraram para a lista de credores do Grupo Abril. Uma proposta apresentada pela empresa prevê o pagamento a ex-colaboradores em suaves prestações ao longo de 18 anos. E com desconto. No caso do premiado jornalista Lourival Sant’Anna, por exemplo, os R$ 70 mil que deveria receber por trabalhos prestados se tornaria apenas R$ 20 mil. Assim, o comunicador corre o risco de ter calote de R$ 50 mil.

Caloteiros bilionários

Enquanto jornalistas e outras pessoas que foram por anos contratadas do Grupo Abril sofrem com o calote, dinheiro não parece ser problema para a família Civita. Nesta semana, o “Mestre do Jornalismo” Juca Kfouri resgatou informação publicada em setembro de 2016 pela Exame, uma das poucas marcas que sobreviveram à crise enfrentada pela editora. Na ocasião, a fortuna de Giancarlo, Victor e da irmã deles, Roberta, era avaliada em 3,3 bilhões de dólares. Em seu blog no UOL, Juca afirma que a dívida com os ex-colaboradores é de aproximadamente R$ 110 milhões. O montante representa 0,8% da fortuna controlada pelos filhos de Roberto Civita.

Os irmãos Victor e Giancarlo herdaram a Abril do pai, Roberto Civita (Imagem: reprodução)

Próximos passos da Abril

A venda do Grupo Abril da família Civita para Fábio Carvalho precisa ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em nota divulgada pelo site da revista Veja, outro título mantido pela corporação em recuperação judicial, as partes esperam que o negócio seja concretizado em fevereiro. Sob autorização do órgão competente, o mais novo controlador da companhia deve liderar a “injeção de novos recursos na companhia para o financiamento dos esforços de reestruturação”. Se tudo for aprovado, Fábio Carvalho assumirá o posto de presidente-executivo (ou “CEO”, sigla em inglês cada vez mais presente no mercado corporativo brasileiro).

Fábio Carvalho: empresário é o novo dono do Grupo Abril (Imagem: divulgação)

E os funcionários demitidos?

Num primeiro momento, a aquisição por parte de Fábio Carvalho não muda em nada a situação dos profissionais que sofrem com o calote do Grupo Abril. Os ex-colaboradores da editora terão de aguardar pareceres jurídicos e o real plano de sanar as dívidas por parte do novo proprietário. Neste mês, a Justiça do Trabalho de São Paulo obrigou a empresa de mídia a recontratar todos os demitidos desde julho de 2017. Enquanto a reintegração e o recebimento dos direitos trabalhistas não ocorrem, parte dos ex-funcionários usa a internet para evidenciar seu problemas financeiros em decorrência do calote. No YouTube, o canal “Vítimas da Abril” se propõe a relatar os dramas enfrentados por profissionais. Uma das histórias destacadas é a de Bruno Favoretto. Paraplégico, o jornalista perdeu convênio médico e não consta na lista de credores da Abril.

Com a situação, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo indica que seguirá cobrando atitude por parte dos irmãos Giancarlo e Victor Civita Neto. “Prosseguimos nos dirigindo à família Civita para que sub-rogue a dívida trabalhista, pois tem uma dívida moral com todos os que construíram sua fortuna com um trabalho abnegado e diário por anos, e, no caso da venda, esperamos que sua concretização inclua o pagamento imediato e integral de tudo o que é devido a demitidos e freelancers (valor equivalente a menos de 6% do total da dívida da empresa)”, reforça a entidade em comunicado.

Nota oficial do Grupo Abril

Para informar à imprensa e ao mercado o acerto da negociação de sua operação por completa, o Grupo Abril divulgou nota oficial. O conteúdo ressalta a especialidade de Fábio Carvalho em recuperar empresas em dificuldades financeiras e valoriza a história da própria companhia. Dividido em cinco parágrafos, o texto sequer faz menção às centenas de pessoas que foram demitidas e que aguardam as novidades para receber o dinheiro que lhes é de direito. Confira, abaixo, a nota:

O empresário Fábio Carvalho e os atuais acionistas do Grupo Abril assinaram, nesta data, contrato prevendo a aquisição de 100% das ações do Grupo Abril. Este contrato também prevê condições que devem ser cumpridas previamente à efetivação do negócio, dentre elas a aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e a injeção de novos recursos na companhia para o financiamento dos esforços de reestruturação. Após a concretização da transação, Fábio Carvalho assumirá o controle societário e ocupará a posição de CEO do Grupo.

Carvalho, que foca suas atividades empresariais na aquisição de companhias em crise financeira com o objetivo de conduzir amplas reestruturações e trazê-las novamente ao estado de estabilidade e crescimento, contará com a estrutura da Legion Holdings, sociedade de investimentos que fundou, composta por um time de especialistas em renegociações de dívidas e transformações operacionais. Uma vez concretizada a transação, a nova equipe se juntará a executivos do Grupo Abril, bem como aos profissionais da Alvarez & Marsal, hoje responsáveis pela coordenação dos esforços de superação da crise pela qual passam as companhias do Grupo.

Em crise financeira, escritório e redações do Grupo Abril foram transferidos para pequenos prédios na desconhecida Vila Tramontano, na zona sudoeste de São Paulo. Empresa prefere divulgar que a sede fica no bairro do Morumbi (Imagem: Germano Lüders/divulgação)

“A história do Grupo Abril está intimamente relacionada com os grandes eventos políticos e econômicos que marcaram a história do Brasil nas últimas décadas. A capacidade e importância jornalística do Grupo é inegável. Não temos dúvida dos méritos e qualidades que permeiam as companhias do Grupo e que serão os pilares sobre os quais nos apoiaremos para superar os grandes desafios que se apresentam” afirma Carvalho, que hoje reúne entre seus investimentos participações em empresas em variados setores que, em conjunto, possuem faturamento anual superior a R$ 4 bilhões e empregam mais de 46 mil pessoas.

“Com a venda do Grupo Abril para Fábio Carvalho, a família Civita delega a ele a tarefa de administrar os desafios e as oportunidades que estão no horizonte da nova mídia. Fábio reúne as características de empreendedor e a visão de negócio que os novos tempos exigem. Desejamos a ele muito sucesso”, declara Giancarlo Civita.

As partes estimam que o negócio seja inteiramente concluído no mês de fevereiro.

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Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

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