A história que eu vou contar tem a ver com a pandemia e impressiona pelo timing.
Volte alguns meses no tempo e pense em como estava o mundo na virada de 2019 para 2020. Naquele momento, não se falava em coronavírus. É só dar uma olhada no Google Trends. Nós, brasileiros, só começamos a buscar por esse termo lá pelo dia 12 de janeiro.
Pois bem, na virada do ano, o McDonald’s trabalhava no lançamento de sua novidade: o app de comunicação interna MyMc, cujo desenvolvimento tinha sido acelerado no ano passado para facilitar a comunicação com seus 50 mil colaboradores.
Muitos deles são jovens em sua primeira experiência profissional. Em geral, vivem com um celular na mão. Usam muito mais WhatsApp, Instagram, TikTok e outros aplicativos do que email. Tipicamente, se informam muito mais por redes sociais do que por jornal impresso ou televisão.
De surpresa, veio a pandemia do Covid-19. Com ela, surgiu a necessidade de se comunicar em caráter de urgência com a massa de funcionários espalhados por todo o País.
Embora não tivesse sido concebido para a crise, o aplicativo era o instrumento de comunicação interna certo para falar com aquele público.
Acontece que se o app tivesse sido projetado para sair seis meses depois, a comunicação com os colaboradores teria sido muito mais difícil.
E aí vem a pergunta provocativa do título deste post: estratégia ou sorte?
Se você preferir responder que foi sorte, eu replicaria com esta frase: “a inspiração e a sorte existem, mas precisam encontrar você trabalhando”.
Ela foi dita por Rozália del Gaudio, diretora de Comunicação Corporativa do McDonald’s Brasil, numa conversa que tivemos a respeito do app. A conversa na íntegra, aliás, está disponível em áudio no final do texto.
Ainda assim, eu fico com a outra opção: não foi mera sorte. O fato é que a pandemia apenas lançou luz sobre o fato de que muitas empresas tratam a comunicação como parte importante da estratégia da empresa, e não como uma mera ferramenta de disparo de mensagens para os diversos públicos.
É, no fundo, uma questão de mentalidade. Se o time de Comunicação do McDonald’s visse a sua atividade como algo mais instrumental, o app talvez tivesse sido criado apenas como uma ferramenta sabe-se lá para quê.
Você provavelmente já participou de uma apresentação de site, app ou qualquer geringonça digital cheia de funcionalidades, mas sem entender qual necessidade satisfaz.
O caso do app foi diferente. Havia uma premissa. Se o público é jovem, tem um comportamento mobile, é ativo em redes sociais e gosta de cocriar, não vai adiantar sair com soluções ultrapassadas, de comunicação em mão única, por exemplo. Vai precisar seguir a lógica de uma rede social.
Em outras palavras, tem de estar no celular do colaborador, de forma interativa, falando com ele, mas ouvindo ao mesmo tempo o que ele tem a dizer — e convidando-o a cocriar, inclusive. Porque assim é o mundo digital dele.
É uma lógica de redes sociais, com algumas adaptações para as necessidades da empresa, é claro. Repositório de documento, por exemplo, e outras coisas mais. O app foi criado, portanto, para levar a comunicação interna a esse perfil de usuário. E isso não pode demorar séculos para sair porque, você sabe, projetos digitais precisam de agilidade.
Agora responda novamente: foi sorte ou estratégia?
Quando a pandemia chegou, a comunicação interna do McDonald’s precisou agir, como aconteceu em toda grande empresa. Com grande parte dos colaboradores baseados em restaurantes físicos espalhados pelo País, a saída imediata foi usar intensamente o app recém-nascido para falar de prevenção, de novos protocolos de higiene, segurança das pessoas e do que mais fosse necessário.
Mas a quantidade de temas foi crescendo mais e mais porque as perguntas partiam dos colaboradores — e isso meio que não tem limite. O time de Comunicação do McDonald’s, entrou na conversa, o que é, em última análise, uma forma de dar voz ao colaborador. “Eu acredito que, nesta era das redes sociais, a comunicação tem precisado se reinventar porque ela não é mais a única narrativa que existe sobre a empresa”, expende a Rozália del Gaudio.
Uma das ideias mais moldadas ao perfil do público, a possibilidade de cocriação, se provou válida. “Nós continuamos produzindo os nossos conteúdos, mas muitas reproduzimos o conteúdo criado por funcionários. Por exemplo, às vezes um colaborador cria um conteúdo sobre o uso correto de máscara ou de como um determinado restaurante se preparou para uma operação ainda mais segura, a gente dá ainda mais visibilidade àquele conteúdo.”
No momento em que você dá voz às pessoas da empresa, você as empodera. E, se as empodera, precisa dar liberdade a elas. Em outras palavras, precisa praticar a difícil arte de delegar.
Um round-table pela McKinsey em março de 2020 — portanto, já na pandemia — com consultores estrangeiros fala da importância de delegar em momentos de crise. O artigo (em inglês) coloca na conversa exemplos não apenas da crise atual, mas remonta a casos do Ebola e da SARS para análise dos convidados. Em suma, a conclusão deles é a de que bons líderes delegam.
A afirmação vai ao encontro da recomendação de muitos livros, MBAs, TED Talks, artigos, vídeos e outros materiais: delegar é preciso.
Mas até que ponto isso é possível num momento de crise?
Este tema talvez mereça um artigo (ou um livro) inteiro, mas
Talvez você possa trabalhar com três Cs em mente:
Estes seriam os pilares da arte de delegar. Mas é claro que há toda uma disciplina — quiçá uma ciência — a partir desta pílula no campo da gestão de pessoas.
“Apenas um cuidado adicional: delegar e delargar”. Para bom entendedor, o trocadilho da Rozália del Gaudio é autoexplicativo.
A conversa que serviu de base para este post foi publicada na 224ª edição do Podcast-se, o podcast que há três anos o Comunique-se publica e que figura entre os 20 mais ouvidos na categoria ‘Marketing’ no País segundo o Chartable.
Você pode ouvir o episódio com a gestora do McDonald’s em agregadores como Spotify, Apple Podcasts e Google Podcasts — ou simplesmente clicando no botão “play” abaixo.
A comunicação interna não pode se comportar como uma mera ferramenta. Se ela se posicionar como uma parte integrante da estratégia da empresa, assume um papel importante em momentos críticos — como uma crise provocada por uma pandemia, por exemplo.
A empresa não tem mais controle sobre as narrativas a seu respeito. São muitas vozes que fazem esse papel: do cliente, do advogado da marca, do hater e, sim, do colaborador — entre outros perfis, é claro.
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