O número de ataques a jornalistas brasileiros atingiu um novo recorde histórico em 2021, de acordo com o mais recente Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa, publicado anualmente pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Foram contabilizados 430 casos, dois a mais do que em 2020. O número absoluto se mantém num patamar elevado após o crescimento de 105% no levantamento anterior. A coleta dos dados se dá por meio de denúncias à Fenaj ou a um dos sindicatos de jornalistas e pela compilação de notícias publicadas em veículos de comunicação.
Pelo segundo ano consecutivo, o presidente Jair Bolsonaro é o maior agressor. Sozinho, ele foi responsável por 147 casos (34,19% do total): 129 episódios de descredibilização da imprensa e 18 agressões verbais.
O presidente usou adjetivos como “canalha”, “quadrúpede”, “picaretas” e “idiota” para mandar se dirigir aos profissionais de imprensa. Em uma ocasião, mandou uma jornalista calar a boca.
De 2013 a 2017, os principais autores de agressões contra jornalistas haviam sido membros das forças de segurança, como policiais e guardas municipais.
Em 2018, ano da eleição de Bolsonaro, isso mudou: os maiores agressores foram cidadãos comuns, eleitores de um ou outro candidato, que em manifestações públicas partiram para a violência contra os profissionais da imprensa.
Já em 2019, a categoria “políticos,” que inclui o presidente, assumiu a liderança dos ataques. Bolsonaro se tornou uma categoria à parte em 2020, quando foi responsável sozinho por 175 ataques a jornalistas.
A tendência de agravamento da violência contra jornalistas a partir de políticos como o presidente Bolsonaro preocupa a Fenaj em 2022. Isso porque se trata de um ano eleitoral, com disputas para a presidência e os governos estaduais das 27 unidades da federação, além da renovação da Câmara dos Deputados, das assembleias estaduais e de um terço do Senado Federal.
“Para a Fenaj, os números da violência contra jornalistas dos últimos 3 anos são suficientes para dizermos que temos, no Brasil, um quadro de insegurança para o exercício da profissão. Essa insegurança pode, sim, ser agravada neste ano, em razão das eleições gerais,” disse a presidente da Fenaj, Maria José Braga, à Latam Journalism Review (LJR).
“O risco é real, porque os principais agressores de jornalistas são os políticos, com destaque para o próprio presidente da República. Então, num ano eleitoral, quando os candidatos ficam mais expostos na mídia, especialmente por meio de denúncias envolvendo suas ações como pessoas públicas, as reações violentas podem ocorrer,” completou Braga.
O levantamento da Fenaj registrou quatro atentados contra jornalistas, contra um no ano anterior. Foram duas tentativas de assassinato a tiros, um incêndio e um atropelamento. Houve ainda dois assassinatos (queda de 50% em relação aos quatro registrados em 2020).
Em 6 de setembro, o jornalista Eranildo Ribeiro da Cruz, de 54 anos, foi encontrado em sua casa, amarrado, nu, com sinais de tortura e um ferimento na cabeça. Cruz vinha apurando possíveis fraudes na eleição municipal de Almeirim, no Pará, segundo a Fenaj.
Ele também havia denunciado a morte de um bebê por suposta negligência da prefeitura, diz o relatório. A polícia prendeu o assassino, que indicou a existência de um mandante, mas o caso não foi esclarecido.
Já o radialista Weverton Rabelo Fróes, de 32 anos, foi morto a tiros em frente à casa onde morava, no interior da Bahia. O assassino pediu ajuda para consertar a sua moto e atirou seis vezes quando o jornalista saiu de casa, informou a Fenaj.
Fróes havia denunciado que estava recebendo ameaças de fechamento da rádio comunitária que dirigia, informa o relatório. O crime ainda não foi esclarecido.
Embora o número de agressões físicas tenha caído (de 32 para 26), o número de ameaças e intimidações se manteve estável (33 em 2021 contra 34 em 2020). Agressões verbais e ataques virtuais somaram 58 casos, contra 76 no ano anterior.
“Consideramos a queda no número de agressões físicas e de agressões verbais/ataques virtuais como muito pequena, mantendo essas duas formas de violência com elevado número de casos em 2021. Mas acreditamos que a ligeira queda é resultado da denúncia pública feita pela Fenaj e Sindicatos e, principalmente, pela reação de parte das vítimas, que não se intimidou e buscou a responsabilização e a punição de seus agressores,” disse Braga.
A presidente da Fenaj lembrou a condenação por dano moral do presidente Bolsonaro por uma agressão verbal contra uma jornalista. Em março de 2021, a justiça de São Paulo condenou o presidente a indenizar em R$ 20 mil (USD 5 mil) a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S. Paulo.
O caso se refere a um insulto de cunho sexual proferido pelo presidente no ano anterior. Campos Mello conseguiu ainda a condenação de um deputado estadual do Ceará, alinhado a Bolsonaro, também por ofensas de cunho sexual. A repórter, vencedora do Prêmio Maria Moors Cabot em 2020, se tornou alvo de Bolsonaro e seus aliados após revelar que empresários financiaram a disseminação de propaganda negativa nas eleições de 2018 tendo como alvo o principal adversário de Bolsonaro na ocasião.
De modo similar a Campos Mello, a jornalista Juliana Dal Piva, colunista do UOL, está movendo um processo contra o advogado do presidente Bolsonaro, Frederick Wassef. Após publicar em podcast a série “A vida secreta de Jair”, Dal Piva recebeu uma mensagem de texto de Wassef com ataques pessoais, em que ele afirmou que se estivesse trabalhando na China, “você desapareceria e não iriam nem encontrar o seu corpo”.
“Formalizei a ameaça perante ao Ministério Público para que investigue o caso e também estou movendo um processo por danos morais contra o advogado. Ameaça é crime e deve ser tratada no foro competente,” disse Dal Piva à LJR em janeiro. “Qualquer jornalista que passa por essa situação precisa formalizar o caso no Judiciário por mais duro que seja e é bastante difícil passar por esse processo. A medida serve a longo prazo. É improvável pensar que alguém que fez uma ameaça não voltará a repetir o modus operandi se permanecer impune.”
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