O cenário macroeconômico atual, com juros altos e inflação acumulada acima dos 10% em 12 meses, tem imposto desafios ao varejo brasileiro. As ações de empresas do setor lideram as perdas na Bolsa neste ano, com o Índice de Consumo (ICON) da B3, que mede o desempenho dos principais papéis dos setores de consumo e saúde, acumulando queda de 12,45% até agosto – contra alta acumulada de 4,48% do Ibovespa.
“Há muitos fatores influenciando esse mau desempenho. Os primeiros são os mais óbvios: a alta da Selic, hoje a 13,75%, desestimula o consumo e, portanto, reduz as vendas. Este movimento é acompanhado de uma escalada de preços, que encarece os insumos e produtos para o varejista que, por sua vez, tem menos margem para repassar esse aumento ao consumidor”, explica Eduardo Luque, sócio-diretor do Grupo IRKO.
Além disso, de acordo com ele, os juros altos reduzem a tomada de crédito pelos consumidores, que poderia dar um alento às compras, e aumentam a inadimplência entre os clientes. Também prejudicam a captação de recursos pelas companhias, em um setor que tem grande necessidade de capital de giro.
Hoje, a média dos juros para empréstimo pessoal é de 4,1% ao mês – era 3,4% há um ano – e o rotativo do cartão de crédito, de 14,16% ao mês – era 12,3% em 2021 –, conforme pesquisa de julho da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade). O mesmo relatório indica que, para as empresas, os juros do crédito para capital de giro subiram de 1,26% para 1,92% ao mês no período, enquanto a taxa do cheque especial passou de 6,95% para 7,88% ao mês.
“Ao mesmo tempo, enxergamos dois outros fatores de impacto nas operações dos varejistas. O primeiro é o crescimento dos grandes marketplaces estrangeiros, que vêm fazendo frente às empresas nacionais. O segundo, a retomada das atividades presenciais, que também eleva a concorrência para o comércio eletrônico, já que as lojas físicas voltam a ser opção”, afirma Luque.
De acordo com ele, ambos os movimentos podem levar as companhias a terem de reduzir ainda mais as suas margens como forma de atrair os consumidores.
Como sobreviver neste cenário?
Embora o horizonte de curto prazo seja de muitos desafios, o sócio do Grupo IRKO lembra que há oportunidades de mudança. “Se houver uma melhora das perspectivas inflacionárias para 2023, com uma alteração na curva de juros, os investidores deverão voltar a considerar as empresas do varejo como boa opção – especialmente dado o preço tão baixo das ações atualmente”, diz.
A pesquisa Focus, do Banco Central, prevê que a Selic deve fechar este ano nos atuais 13,75%, terminando 2023 a 11% ao ano. Já a inflação prevista para 2022 é de 6,70% – para 2023, a projeção é de 5,30%.
As varejistas também devem se beneficiar da injeção de recursos esperada com o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600, iniciado neste mês. A estimativa é que o aumento no benefício, somada ao auxílio que será pago a caminhoneiros e taxistas, injete R$ 16,3 bilhões no comércio, conforme a CNC (Confederação Nacional do Comércio). “Esse estímulo pode ajudar o setor a partir de agora, mas é preciso entender seus efeitos sobre a inflação e a curva de juros no longo prazo”, afirma Luque.
A aposta em fortalecer seus marketplaces, desenvolvendo soluções para os parceiros, como novas tecnologias no segmento financeiro, também pode gerar aumento de receitas no futuro. “Hoje, algumas marcas estão oferecendo linhas de crédito, meios de pagamento e de logística com taxas mais baratas para ajudar os vendedores parceiros, e isso também se reflete em benefícios para o cliente, elevando as vendas”, diz o especialista.
Por fim, a volta do convívio social pode estimular o consumo de itens como roupas e calçados, produtos de beleza e bebidas (para restaurantes e bares) e, assim, sustentar o crescimento de parte das companhias do setor.
“Há muitos fatores que podem influenciar o desempenho do varejo nos próximos meses. De maneira geral, devemos ver ainda um cenário de cautela por parte das empresas e dos investidores – ao menos até o fim do ano de 2022”, afirma.
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