Cerca de 30 blocos de carnaval de rua de Belo Horizonte se uniram a vendedores ambulantes e publicaram hoje (17) um manifesto contra a obrigação de se comercializar apenas bebidas da Ambev durante o carnaval. A empresa fechou um patrocínio com a prefeitura de Belo Horizonte e definiu os produtos que poderão ser vendidos nos blocos: três tipos de cerveja, três de refrigerante e um energético.
Os cerca de 9,4 mil ambulantes que poderão trabalhar no carnaval de rua da capital mineira foram cadastrados pela Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur) e tiveram que assinar um termo concordando com a exclusividade da patrocinadora. Em caso de descumprimento das regras, o edital prevê a perda da credencial de venda e até a apreensão dos produtos não-autorizados.
No carnaval do ano passado, polêmica parecida ocorreu em Salvador, quando ambulantes também foram obrigados a vender apenas marcas de bebida de um dos patrocinadores da festa.
No manifesto, os blocos mineiros destacam que o “carnaval é uma festa de resistência” e que têm uma “relação de parceria” com os vendedores ambulantes que trabalham nos dias da folia. O manifesto questiona a restrição da venda de bebidas, alegando que a Ambev não vai contratar os vendedores e por isso não pode decidir que produtos os ambulantes comercializarão.
“O carnaval de Belo Horizonte é feito de amor, mas também é feito de luta! Não permitiremos que a prefeitura tome qualquer decisão sobre uma festa que é do povo sem consultá-lo. Muito menos que a entregue livremente à exploração de qualquer marca ou empresa. A rua é nossa! O carnaval é nosso! E juntos resistiremos!”, diz o texto.
A Belotur informou que recebeu o manifesto e que o presidente da autarquia, Aluizer Malab, encaminhou o documento ao departamento jurídico, que deverá analisar a demanda apresentada e responder na próxima semana. A Ambev não está se pronunciando sobre o assunto.
Debate
Rafa Barros, integrante do Filhos de Tcha Tcha, cobra mais participação dos blocos na decisão da prefeitura de Belo Horizonte sobre o carnaval de rua da cidade, que ressurgiu nos últimos anos. “Pode ser compreensível que ela [prefeitura] precise de recursos privados dada a dimensão que a coisa tomou. O que queremos é que isso seja debatido com a cidade e que os termos também sejam discutidos, porque eles são muito mais benéficos para a patrocinadora do que para a cidade e a festa.”
Segundo Barros, uma equipe jurídica que assessora dos blocos de carnaval de rua de Belo Horizonte está analisando se há dispositivos legais que legitimem a proibição de venda e consumo de determinadas marcas na rua, em uma festa pública.
A ambulante Renata Maciel diz que em uma festa privada é compreensível vender as bebidas apenas do patrocinador, mas questiona a restrição no espaço público. “Nossa credencial não serve para nada. Só para nos identificar. Mas ela não nos dá o direito de comercializar nosso produto. E se eu não vender, o folião vai no bar ao lado e compra. Essa proibição só afeta o ambulante. Estamos sendo prejudicados. Não somos garçonetes deles, somos trabalhadores. É a nossa fonte de renda”, argumenta.
Se a restrição for mantida, segundo Renata, muitos comerciantes vão preferir correr o risco de multa por não abrir mão de vender outras marcas de bebida nos blocos. “Muitos empresários cadastraram ambulantes e vão vender as mercadorias através deles. Não sei o que eles pensam. Mas para os comerciantes mais antigos, que estão nas ruas todos os dias e que trabalharam nos últimos carnavais, vai ser difícil cumprir essa exigência.”
Catuaba liberada
A limitação da patrocinadora atingiu até a catuaba, bebida que se tornou um símbolo do carnaval de Belo Horizonte nos últimos anos. A proibição repercutiu tanto nas redes sociais que levou a Belotur a negociar um acordo com a Ambev para liberar a venda da bebida, feita à base de vinho tinto doce, catuaba, marapuama, guaraná e outras plantas. O produto não poderá ser vendido em garrafas de vidro.
Edição: Luana Lourenço