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Bolsonaro pode bloquear jornalistas no Twitter?

Por Carolina de Assis. Reportagem publicada originalmente no site do LatAm Journalism Review

Pelo menos seis mandados de segurança referentes ao bloqueio de Jair Bolsonaro a jornalistas e cidadãos brasileiros em suas redes sociais aguardam julgamento no Supremo Tribunal Federal, segundo apurou a LatAm Journalism Review (LJR). As ações foram apresentadas entre 2019 e 2021 e, até o momento, não há previsão de quando serão julgados.

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Enquanto isso, o presidente do Brasil segue bloqueando cidadãos, jornalistas e meios de comunicação em suas redes sociais, sendo inclusive a autoridade brasileira que mais bloqueia profissionais de imprensa no Twitter, segundo levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgado no dia 12 de janeiro.

O mandado de segurança é um dispositivo voltado a “proteger direito líquido e certo, […] sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade”, segundo estabelece a lei 12.016/2009.

A Abraji é proponente de um dos mandados que aguardam serem julgados pelo STF, apresentado em julho de 2021. A entidade pede que o Supremo proíba que Bolsonaro bloqueie jornalistas, comunicadores e colunistas em sua conta no Twitter e que cancele os bloqueios já realizados.

A favor dos bloqueios

Em outubro, Augusto Aras, procurador-geral da República, se manifestou sobre o mandado a pedido do STF, defendendo o direito do presidente de bloquear seguidores nas redes sociais. Segundo Aras, os perfis de Bolsonaro nas redes não se configuram como meios oficiais de comunicação. O procurador considera que os perfis do presidente são ferramentas de uso privado, cuja gestão não está vinculada à Administração Pública.

“Essa possibilidade de bloqueio contribui para apaziguar ânimos mais acirrados, evitando a propagação de comentários desqualificadores e de discurso de ódio e a nociva polarização que atenta contra a democracia, especialmente nos ambientes político e religioso”, afirmou Aras.

O procurador-geral da República apresentou argumentos similares em resposta a outros quatro mandados de segurança sobre este tema. Em agosto de 2019, a deputada Natalia Bonavides (PT-RN) pediu ao STF que determinasse que Bolsonaro a desbloqueasse no Twitter; em setembro de 2019, foi a vez do jornalista William de Lucca, e em dezembro de 2020, da antropóloga Débora Diniz. Em maio de 2020, o advogado Leonardo Medeiros também pediu ao STF que determine que Bolsonaro o desbloqueie no Instagram. Embora estes mandados já contem com a manifestação da PGR, eles seguem sem previsão de julgamento.

O mandado mais recente dentre os encontrados pela LJR e que ainda aguarda manifestação de Aras foi protocolado em dezembro de 2021 pelo advogado Ronan Botelho. Ele disse à Folha de Londrina ter sido motivado pelo bloqueio de Bolsonaro no Twitter ao site Congresso em Foco, especializado na cobertura do Legislativo federal. Botelho pede que o STF impeça que Bolsonaro bloqueie seguidores em suas redes sociais e estenda essa proibição a outras autoridades brasileiras.

Pelo desbloqueio

Dois ministros do STF já se manifestaram a favor da determinação de que o presidente desbloqueie seguidores em suas redes sociais. Em novembro de 2020, o então ministro Marco Aurélio Mello, relator do mandado apresentado por Leonardo Medeiros, afirmou em seu voto que os posts na conta de Bolsonaro no Instagram “não se limitam a temas de índole pessoal, íntima ou particular”, mas “dizem respeito a assuntos relevantes para toda a coletividade, utilizado o perfil como meio de comunicação de atos oficiais do Chefe do Poder Executivo Federal”.

“Não cabe, ao Presidente da República, avocar o papel de censor de declarações em mídia social, bloqueando o perfil do impetrante, no que revela precedente perigoso”, escreveu Mello, que se aposentou em julho de 2021.

No mesmo mês, a ministra Cármem Lúcia, relatora do mandado impetrado por William de Lucca, afirmou em seu voto que “a aparente informalidade, suposta precariedade ou privatividade da plataforma digital não desnatura a oficialidade das manifestações”, e que “o bloqueio de um cidadão e seu afastamento do debate público decorrente de exercício de crítica, ainda que impertinente ou caricata, constitui ato de autoridade pública, adquirindo, nesse contexto, viés censório, inadmissível no ordenamento constitucional vigente”.

“O argumento de não se tratar de ato de autoridade, mas de mero ato pessoal, no uso regular de uma rede social privada, não resiste à análise circunstanciada dos fatos e do direito aplicável ao caso, cedendo ao respeito inafastável que se impõe aos direitos fundamentais”, escreveu a ministra.

Estes dois mandados começaram a ser julgados, mas o julgamento de ambos foi interrompido em novembro de 2020 por um pedido de destaque do ministro Nunes Marques, dias depois de ingressar no STF por indicação de Bolsonaro.

A assessoria de imprensa do STF informou à LJR que não há prazo para o julgamento de mandados de segurança, nem previsão de quando os mandados citados serão julgados.

Bolsonaro é principal bloqueador no Twitter

Segundo levantamento da Abraji, Jair Bolsonaro é a autoridade brasileira que mais bloqueia jornalistas e meios de comunicação no Twitter. Até o dia 11 de janeiro, a entidade registrou 291 bloqueios de profissionais e veículos de imprensa realizados pelo presidente, seus filhos Flávio (senador), Eduardo (deputado federal) e Carlos Bolsonaro (vereador), ministros e secretários especiais de Estado, e parlamentares governistas. Destes, 82 foram perpetrados pelo presidente da República.

A jornalista Nayara Felizardo, repórter do The Intercept Brasil, é uma das profissionais de imprensa bloqueadas por Bolsonaro. “Eu fui bloqueada logo no início do governo dele, junto com vários outros jornalistas do Intercept”, disse ela à LJR. “Não faço ideia do motivo do bloqueio. Embora eu seja uma crítica do seu governo, quando aconteceu eu não tinha me manifestado sobre nada que o envolvesse.”

Para seguir acompanhando os posts do presidente no Twitter, Felizardo disse seguir o perfil “Desbloqueando Jair Bolsonaro“, que é atualizado por um bot e replica todos os tuítes do mandatário. Com quase 9 mil seguidores, o perfil foi criado em dezembro de 2018, antes mesmo da posse do atual presidente, pelo jornalista Marlos Ápyus. Ele disse à LJR que já na campanha eleitoral de 2018 percebeu um movimento de bloqueios de Bolsonaro no Twitter a perfis que publicavam desmentidos aos seus posts na rede.

“Com vários jornalistas tendo dificuldade para acompanhar o conteúdo compartilhado pelo presidente, criei o Desbloqueando JB, que replica com um atraso de no máximo 15 minutos tudo aquilo que o perfil do presidente publica ou compartilha”, disse Ápyus. “Inclusive, mantém o registro de conteúdo que ele venha a apagar depois de publicado.”

Bolsonaro x veículos de comunicação

Além dos jornalistas, sete meios de comunicação se encontram bloqueados pelo perfil de Bolsonaro no Twitter, segundo a Abraji: The Intercept Brasil, Diário do Centro do Mundo (DCM), Aos Fatos, Congresso em Foco, Repórter Brasil, O Antagonista e Brasil de Fato.

Tai Nalon, diretora e cofundadora de Aos Fatos, disse à LJR que ela e sua equipe tomaram conhecimento do bloqueio do presidente no Twitter em janeiro de 2021. “Acreditamos que seja uma reação ao contador de declarações falsas e distorcidas dele, que a gente mantém no ar desde 2019.”

O bloqueio “aparece como um recado”, disse Nalon. “Na verdade, isso não afeta nosso trabalho diretamente. Temos formas alternativas de monitorar o que ele faz e fala no Twitter, seja através do monitoramento de cada um dos repórteres de Aos Fatos ou mesmo meu, porque eu não sou bloqueada, e até onde sei, nenhum repórter de Aos Fatos é. Mas certamente isso é uma forma dele e da assessoria de comunicação dele demonstrarem, de uma maneira mais sutil, que repudiam e não acreditam ser legítimo o trabalho jornalístico que a gente faz.”

Posts de interesse público

Embora a defesa de Bolsonaro nos mandados de segurança apresentados ao STF sustente que o presidente usa suas redes sociais para assuntos pessoais, pesquisa da Abraji divulgada em setembro concluiu que 98% dos tuítes de Bolsonaro são de interesse público. Estes posts divulgam ações do governo e pronunciamentos, buscam mobilizar seus apoiadores e promover outros canais de comunicação com o presidente.

“Não se pode atribuir aos tuítes do Presidente da República um caráter privado quando, em sua conta oficial, há uma série de postagens sobre a agenda profissional de um Chefe de Estado”, disse Taís Gasparian, advogada da Abraji, à LJR. Além disso, segundo ela, “a esfera de intimidade do Presidente da República não pode ser equiparada à de qualquer pessoa, basicamente porque ao assumir candidaturas e cargos públicos, os políticos se expõem, voluntária e conscientemente, a maior escrutínio da população.”

“Não se pode bloquear um, nem dois, nem mil jornalistas”, enfatizou Gasparian. “A pluralidade de fontes e a liberdade de comunicação e de acesso à informação não somente são salutares ao bom jornalismo, como também são constitucionalmente asseguradas. Não se pode admitir que o presidente restrinja o acesso a informações a determinadas pessoas simplesmente porque estes discordam do seu pensamento.”

Natalia Mazotte, presidenta da Abraji, disse à LJR que a entidade “entende que os perfis de mandatários e funcionários públicos do alto escalão são fontes de informação de interesse público e, consequentemente, bloquear jornalistas ou outros cidadãos viola direitos fundamentais”.

“Nossa expectativa é que o STF reconheça o risco para o direito à informação nesses bloqueios e determine que ocupantes de cargos eletivos nos diferentes níveis de governo permitam a todos os cidadãos acompanharem suas publicações em redes sociais”, afirmou.

Mazotte destacou que a Abraji segue monitorando os bloqueios de autoridades a jornalistas e veículos de comunicação nas redes sociais, e pede que os profissionais de imprensa bloqueados notifiquem a entidade por meio deste formulário.

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LatAm Journalism Review

Revista trilíngue digital publicada pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, na Moody College of Communication da Universidade do Texas em Austin. O Centro Knight é um programa de extensão criado em 2002 pelo professor Rosental Calmon Alves, titular da Cátedra Unesco em Comunicação e da Cátedra Knight de Jornalismo na Escola de Jornalismo da Moody College of Communication. O objetivo original do Centro Knight era ajudar jornalistas da América Latina e do Caribe com treinamento e capacitação profissional, mas nos últimos anos se transformou em uma operação global, graças cursos online massivos que atingiram estudantes em 200 países e territórios.

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