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Mais de 70 ataques virtuais contra mulheres jornalistas

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) vem realizando, ao longo de 2021, um monitoramento de ataques com viés de gênero que revela um quadro de afronta à liberdade de imprensa, tendo como principal arma a violência de gênero. De janeiro de 2021 até o início de dezembro de 2021, mulheres jornalistas foram agredidas, ofendidas, intimidadas e ameaçadas no exercício da profissão em 75 episódios diferentes, o que dá mais de 6 ataques por mês. Foram 59 vítimas ao todo e 34,6% dos ataques usaram o gênero, a sexualidade ou a orientação sexual como ferramenta de ataque.

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Em 60% dos casos identificados pela Abraji, mulheres jornalistas foram alvos dos chamados discursos estigmatizantes, agressões verbais com o intuito de hostilizar e descredibilizar as vítimas. Nesse contexto, termos como “militante”, “jornazista”, “lixo” e “comunista” foram empregados para desacreditá-las como profissionais. Expressões misóginas também fizeram parte da dinâmica de agressões e estiveram presentes em 29,3% dos discursos voltados a jornalistas e comunicadoras. Elas foram chamadas de “vagabundas”, “putas”, “biscates”, “feias”, “velhas”, “burras” e “loucas”, entre outras palavras sexistas que instrumentalizam aparência e sexualidade na tentativa de calar suas vozes.

Daniela Lima, apresentadora na CNN Brasil, é uma vítima recorrente desses ataques. Ela foi alvo de sete casos de agressão entre janeiro e novembro de 2021, todos envolvendo discursos estigmatizantes originados ou com repercussão nas redes sociais. Em quatro episódios, seus agressores foram atores estatais como o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ); os deputados federais Carlos Jordy (PSL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP); o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo; o assessor especial de Jair Bolsonaro (PL-RJ), Tercio Arnaud Tomaz, e o próprio presidente que, em 1º de junho de 2021, chamou Lima de “quadrúpede”, durante entrevista dada em frente ao Palácio do Planalto.

Em 14 de julho de 2021, Tercio Tomaz desencadeou uma série de ataques contra a profissional após publicar um tweet chamando de “ato falho” um erro que ela cometeu ao noticiar a transferência de Bolsonaro, então internado por obstrução intestinal, para o Hospital das Forças Armadas. Muitos dos comentários subsequentes assumiram traços de violência de gênero e, entre outras ofensas, a jornalista foi chamada de “vaca”, “louca” e “desprezível”. Em sua resposta à publicação do assessor, Daniela Lima pediu respeito, descrevendo a situação como desumana.

Recentemente, em 8 de novembro 2021, a jornalista foi mais uma vez agredida ao cobrir temas políticos quando noticiou a soltura do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), preso por apologia ao AI-5 e por atacar em redes sociais ministros do Supremo Tribunal Federal. Bolsonaristas tomaram o Twitter com mensagens que tachavam Lima de “lixo”, “louca” e “militante”.

O estigma que acompanha as agressões ligadas a gênero leva à subnotificação desses episódios.

Do total de agressões contra comunicadoras em 2021, 61,3% ocorreram enquanto as profissionais cobriam questões políticas. Carla Vilhena, também apresentadora na CNN Brasil, foi alvo dessas situações. Em 16 de agosto, o nome da jornalista esteve entre os assuntos mais comentados do Twitter por ter falado sobre a falta de máscaras entre afegãos que tentavam fugir de Cabul após o retorno do Talibã. Seus comentários foram descontextualizados, receberam uma falsa carga crítica e se tornaram material para uma campanha desinformativa.

Na semana do ataque, foram publicados mais de 12,7 mil tweets mencionando a profissional. Entre aqueles que a agrediram, foi comum o uso de termos como “militante”, “esquerdista”, “burra” e “pandeminion” – zombaria com o fato de a jornalista defender medidas de controle da pandemia de Covid-19. Políticos como os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF) participaram dos ataques usando suas redes sociais.

Ainda que casos como os de Daniela Lima e Carla Vilhena tenham ganhado projeção, escancarando a violência que as jornalistas sofrem no atual cenário político brasileiro, muitos outros permanecem nas sombras. Em novembro deste ano, a Abraji noticiou o caso da jornalista Alana Rocha, que atua em Riachão do Jacuípe, a cerca de 200 km de Salvador, e que tem sofrido perseguições de funcionários da prefeitura da cidade. No caso de Rocha, a violência transbordou o ambiente online, chegando a ameaças e ofensas diretas. Por ser uma mulher trans, os ataques foram acompanhados de xingamentos transfóbicos, que não aceitam uma pessoa trans em uma posição de destaque.

O estigma que acompanha as agressões ligadas a gênero leva à subnotificação desses episódios. Por isso, a Abraji lançou um canal para denúncias de ataques de gênero a profissionais de imprensa. Por meio dele, é possível registrar situações vividas ou presenciadas ao longo de 2021.

Dados do monitoramento

As agressões foram registradas no âmbito do projeto Violência de gênero contra jornalistas, iniciativa da Abraji realizada com financiamento da UNESCO e parceria de Mulheres Jornalistas, Instituto Patrícia Galvão, Fenaj, Gênero e Número, CPJ e Repórteres sem Fronteiras. Em 1º de dezembro de 2021, foi lançada a plataforma do projeto para reunir informações sobre os ataques com viés de gênero que vitimaram comunicadoras e comunicadores no país.

O monitoramento é a extensão de um trabalho focado em violações da liberdade de imprensa, realizado pela Abraji em parceria com a rede Voces del Sur desde 2019.

*Texto originalmente publicado pela Abraji.

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Abraji

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Criada em 2002 por um grupo de jornalistas brasileiros interessados em trocar experiências, informações e dicas sobre reportagem, principalmente sobre reportagens investigativas. É mantida pelos próprios jornalistas e não tem fins lucrativos.

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