Os brasileiros precisam reavaliar urgentemente seu real entendimento sobre o significado da palavra derrota. A Nação ainda guarda o prolongado luto, que lembra as viúvas ibéricas de antigamente, pela perda da Copa do Mundo em 1950 contra o Uruguai. O placar de 7 a 1, que nos foi imposto pela Alemanha na edição/2014 do mesmo torneio, continua sendo uma flecha da vergonha vibrando no ar. Porém, o País permanece imperturbável ante o nosso fracasso diante da OCDE no quesito educação.
Este sim mereceria o pranto derramado das melhores carpideiras. A sigla identifica a Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, sediado em Paris, que reúne 34 países e que defende as bandeiras da Democracia e da economia de livre mercado. Nasceu de uma iniciativa de nações europeias para colaborar da aplicação do Plano Marshall que o presidente Harry Truman (1884-1972) implantou para reerguer o continente sobre os escombros da II Guerra.
Lá, na sua classificação relativa ao pagamento dos professores da educação básica, o Brasil aparece em penúltimo lugar. Despendemos constrangedores 10 375 mil dólares anuais como salário inicial. Talvez fosse melhor que já ficássemos em último, pois a indigência seria de tal ordem que a posição receberia o benefício da comiseração. Mas não. Ganhamos da Tailândia, que paga pungentes 1 500 dólares. Os dados estão à disposição de todos na web.
A julgar pela reação observada junto à população, a classificação não lhe parece dizer respeito. Aliás, o novo piso salarial para a categoria em 2017, que totaliza 2 298,80 reais, anunciado dias atrás pelo ministro da Educação Mendonça Filho, foi recebido com idêntico descuido. Foi como se ouvíssemos a previsão do tempo sem chuvas e sem muito calor. Nem mesmo um dado positivo mexeu com os ânimos. Foi o fato de que, de 2009 para cá, houve um aumento gradativo dos vencimentos, cujo acumulado superou os índices de inflação. Trata-se de um sopro de esperança que supõe dias melhores e, como aprendemos, a esperança é a última que morre. Portanto, fé nos gizes, nos apagadores e pé na tábua!
Sabemos, inexoravelmente, que níveis salariais caminham junto com a qualidade do trabalho requerido e esperado. Tal princípio, nesse particular, é confirmado pelos países bem resolvidos no assunto, particularmente a Coréia do Sul, decantada planetariamente como modelo de desenvolvimento ágil e consistente. Os professores iniciantes levam anualmente para casa 28 591 dólares. A alfabetização contempla 97,9% da sua população. Quanto a nós, ficamos com 91%, segundo informa o IBGE.
A percentagem sugere algo em torno de 18 milhões de analfabetos. (Neste quadro o Nordeste é campeão absoluto. Em Alagoas são 19,66%; no Maranhão, 18,76%). Mas, atenção: não estamos falando apenas de algarismos, como se um operador da Bovespa estivesse comunicando as cotações do dia. Atrás deles encontra-se um contingente gigantesco de seres humanos que imprime o polegar direito nos documentos a título de assinatura. Ou que perplexos, vêem sopas de letras diante dos seus olhos do mesmo modo como os letrados olham os ladrilhos de argila com a escrita cuneiforme dos sumérios.
Convém ressaltar que a promoção sul-coreana embute uma intenção essencial e estratégica: a priorização da educação como alavanca de crescimento, atrelada à sua condição primordial de instrumento civilizatório. Trata-se de uma lição e de dever de casa que estamos realizando com atraso e às duras penas, como tudo aquilo que ganha ares de urgência. Por ironia, sempre tivemos um espelho próximo para nos refletir, que é a vizinha Argentina. E aqui emerge a figura do presidente Domingos Faustino Sarmiento, que governou o país de 1868 a 47.
A Argentina desfruta de invejável situação no capítulo da alfabetização, com apenas 1,9% de analfabetos no conjunto das 41,45 milhões de pessoas.
Domingos Sarmiento era um escritor de nomeada. Teria um status parecido com nosso José de Alencar. Mas abdicou da literatura durante seu período na Casa Rosada, conforme atestam duas proclamações que ficaram famosas. “Serei na presidência da República como sempre fui: antes de mais nada, mestre-escola”. “A escola é o centro da Democracia e o baluarte contra a barbárie”. Fez uma espécie de pacto tácito com os argentinos no sentido de privilegiar a educação. Importou 65 professores dos Estados Unidos para criar o curso normal. Tornou obrigatório o curso primário.
Criou 800 escolas e 100 bibliotecas. Os alunos saltaram de 30 mil para 100 mil. Por essa época a população hermana reunia 1 830.000 habitantes, dos quais 82% eram analfabetos. Sua atual taxa de alfabetização, 98,1%, se coloca entre as primeiras do planeta; não se esqueçam de que a nossa, citada linhas atrás, é de 91%. Não por acaso, a sua modesta casa de veraneio no delta do Rio Tigre (dois quartos) é protegida por um cubo blindado transparente para atestar o apreço que a Argentina lhe dedica.
Infelizmente, não tivemos a sorte dos nossos vizinhos. Sequer prestamos atenção em algo portenho que tanto veneramos, que é a letra do tango Mano a Mano (1923). Se precisar uma ayuda/se te hace falta um consejo/Acordate deste amigo/ p’ayudarte em lo que pueda…
Agora estamos com a batata quente nas mãos. A má remuneração dos professores não afeta somente uma categoria profissional. Atinge, sobretudo, a qualidade de vida e a boa formação dos futuros cidadãos brasileiros. O Censo Escolar/2015 informa que não serão poucos. A rede pública nacional de educação básica possui 38,6 milhões de alunos.
Essa perspectiva perturbadora leva a dois outros versos que abrem o poema No meio do Caminho (1928), de Carlos Drummond de Andrade:
No meio do caminho tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho.
Versejadores costumam ser proféticos.
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Luiz Gonzaga Bertelli. Presidente do Conselho de Administração do CIEE/SP e presidente do Conselho Diretor do CIEE Nacional.