“A primeira página que você não vê no jornal que você lê”. É com esta frase que o projeto A Capa apresenta ao público forma reflexiva e inquietante de encarar as notícias do dia a dia. Presente no Facebook e em outras redes sociais, a iniciativa nasceu da ideia de oito jornalistas, designers e ilustradores de fazer jornalismo de forma disruptiva. A reportagem do Portal Comunique-se conversou com Fabrício Cardoso, um dos responsáveis pelo projeto que tem ganhado a web. Confira:
Como e quando surgiu a ideia de publicar capas de jornais, sem um jornal propriamente dito?
A gente já tinha essa ideia há um tempinho. Somos um grupo de pessoas com passagens por diversos veículos impressos. Todos sempre tiveram prazer especial em pensar e fazer capas de jornais. Não estamos querendo fazer nenhuma ruptura com o jornalismo tradicional, que para nós tem sim sua importância. Mas percebemos que em muitos veículos a linguagem de capa é subaproveitada. Então, resolvemos lançar um “jornal sem jornal”, com mais liberdade de criação, pois entendemos que essa linguagem pode oferecer muito conteúdo, análises profundas e de mais impacto. É este exercício que nos move.
Quantos e quem são os jornalistas envolvidos na iniciativa? Todos trabalham em outros veículos?
Somos um núcleo de oito profissionais. O Edgar Gonçalves Jr. – ex-editor chefe do Diário Catarinense – tem histórico de linguagens de capas diferenciadas e foi o idealizador de A Capa. Ele me chamou, apresentou a ideia e eu topei participar. Com o tempo, fomos agregando pessoas da nossa vivencia ao projeto, como a designer editorial Renata Maneschy, que é responsável por transformar nossos devaneios em peças palpáveis. Também participam das criações o jornalista Nelson Nunes e os ilustradores André Hippertt, Claudio Duarte, Fábio Nienow e Evandro de Assis.
As críticas sociais e políticas são recorrentes na página. Como vocês escolhem as temáticas que serão abordadas?
Nossa redação é o Messenger do Facebook. Ali montamos um grupo, onde fazemos o brainstorming de cada produção. Geralmente, alguém semeia uma ideia onde começam as discussões sobre o que pode ser feito.
Quais são as etapas de desenvolvimento de uma capa?
Não queremos só o desenho, não temos a pretensão se fazer memes, mas sim jornalismo com o dever de informar e provocar inquietação no leitor. Toda capa deve transmitir mensagem, deve ter interpretação noticiosa. Então, é um processo muito parecido com a pauta de jornal. Às vezes nasce de uma inquietação pessoal. Em outros casos, vem de fora para dentro, com algo que a sociedade já esteja discutindo. Esse é um processo mais disruptivo em relação às redações tradicionais. Quando fazemos peça que emana da sociedade, notamos que temos aceitação melhor. Mas, sem demagogia, o nosso objetivo é desinquietar as pessoas, fazê-las pensar no assunto. Nossa contribuição para a sociedade é uma centelha de inquietação.
Por ter esse cunho crítico, principalmente com a política, a capa já teve problemas, enfrentou processos ou algo do gênero?
Não, não tivemos. Apesar da leveza de nossos trabalhos, o que buscamos fazer é jornalismo, da mesma forma que um veículo faz. Em cada ideia desenvolvida, cuidamos para não atacar a honra das pessoas, mesmo quando muito críticos. Cuidamos, como numa redação cuida-se para que o que é produzido não ofenda, nem calunie ninguém.
Vocês estão presentes em diversas redes sociais. Todas começaram de uma vez, ou A Capa foi ganhando mais espaço na web aos poucos?
Começamos no Facebook em abril de 2016, que ainda é o nosso carro chefe, com cerca de 13 mil seguidores. Com o tempo, entendemos que nosso conteúdo poderia ter vasão para outros canais, então fizemos perfis em redes como Instagram, Tumblr, Pinterest e Twitter. Neste último, gostaríamos de estar mais presentes, pois há um pessoal que consome muito nosso trabalho e está sempre discutindo assuntos que abordamos. A Renata Maneschy é quem cuida da maior parte desse trabalho.
A proposta de A Capa é mostrar “A primeira página que você não vê no jornal que você lê”. Como o público reage às publicações?
Buscamos mensurar muito a qualidade do engajamento, não apenas números. Às vezes, temos 100 compartilhamentos frios, que não contribuem para a discussão. Em outros casos, temos 15 compartilhamentos quentes, onde o seguidor aproveita o assunto para expor a sua opinião, embasada em uma série de argumentos.
Acompanho de perto estas discussões, tanto que a equipe me apelidou de “diretor de mediação com o público externo”. Eventualmente, entramos em discussão que vale a pena, inclusive respondendo alguns seguidores nos comentários.
Os leitores também contribuem para ideias de capas?
Nós recebemos sugestões via in box e nos comentários. Já aceitamos algumas, como a capa produzida para a semana de prevenção de doenças cardíacas. Em outro episódio, uma leitora publicou comentário dizendo que o sonho dela era trabalhar conosco. A colocamos no grupo durante uma semana para acompanhar o brainstorming e ajudar nas ideias.
Acredito que, como as coisas acontecem hoje, não há outro jeito de fazer jornalismo sem essa perspectiva de uma via de mão dupla. O negócio agora é o diálogo, por isso estamos sempre muito abertos às contribuições.
Qual foi a capa de maior repercussão até agora?
A que teve mais repercussão até agora foi a capa relacionada à menina que foi estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro, onde fizemos um desenho do símbolo feminino cercado por vários pequenos símbolos masculinos e o título “Diga 33”, o que representou que a sociedade está realmente doente e precisa de um médico. O trabalho foi bem recebido pelo momento de comoção, as pessoas estavam muito tocadas com a história.
Tivemos, também, série sobre o impeachment. Convidamos 19 designers para ilustrar a deposição de Dilma Rousseff, de acordo com a visão deles sobre o momento.
Vocês contribuíram com a capa do livro Beba Poesia, de Cláudio Schuster. Como criadores, vocês têm intenção de seguir fazendo trabalhos para o mercado editorial?
A capa é um projeto que, economicamente, ainda não se sustenta. Já que consolidamos linguagem e público, estamos num momento em que queremos achar alternativas econômicas para a nossa ideia, situações onde o que a gente faça tenha valor. O livro é uma delas.
Fomos convidados pelo Cláudio Schuster a desenvolver a capa da publicação. No início do trabalho, o autor imaginava algo com a atmosfera do vinho. Mas, quando nos deparamos com versos densos, sugerimos a bebida como anestésico para a dor, e não apenas um ato de prazer sensitivo. Após muito discutir, chegamos à ideia dos azulejos que remetem a um bar simples.
Haverá, ainda, outras formas de monetização de A Capa?
Já pensamos em oferecer o serviço a jornais, para sermos consultores de capas. Mas os impressos estão em momento de se reposicionar. Por isso, não sabemos se esta é a hora de oferecer serviço assim. Mas é uma possibilidade de ganho, é uma forma de estabelecer valor no que fazemos.
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