Como se fosse a primeira vez – artigo de Tom Coelho

Lembro-me quando adolescente de acompanhar admirado pelos jornais que determinado espetáculo teatral completava cinco anos em cartaz. Então, questionava-me como poderiam aqueles atores literalmente suportar a mesma interpretação por duas ou três sessões seguidas, ao longo de três ou quatro dias consecutivos, ao cabo de tantos anos. Como tolerar os mesmos procedimentos de bastidores, a rotina de um mesmo script, piadas e cenas melancólicas igualmente dramatizadas, além de plateias similares, variando da animação à apatia nos mesmos momentos da apresentação?

Anos depois comecei a utilizar o transporte aéreo com certa regularidade. E aquela mesma pergunta tornou a me avizinhar o pensamento. Como podem pilotos, copilotos e equipe de comissários extraírem prazer de tarefas tão rotineiras? Da recepção dos passageiros à checagem das normas de segurança, passando pelo serviço de bordo, tudo transcorre religiosamente de igual maneira a cada decolagem e pouso…

A vida me reservou surpresas, mudando de forma radical o curso de minha história. De economista para publicitário, de empresário para consultor, de executivo para escritor. E palestrante. De repente, vi-me num palco, microfone na mão, olhos voltados à plateia, por vezes tão reduzida que torna possível saber o nome de cada um dos participantes, e por vezes tão ampla que os olhos não ousam alcançar o último dos presentes.

Neste ofício, descobri que não há rotina, que inexiste a mera repetição. Cada apresentação é singular, porque os participantes são diferentes, porque o ambiente conspira de forma diversificada, porque meu estado de espírito é incomparável. Lembro-me de Saint-Exupéry: “Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, pois cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas quando parte nunca vai só nem nos deixa a sós. Leva um pouco de nós, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada”.

Tenho amor verdadeiro pelo trabalho que desenvolvo. Tal qual o ator ama o palco e o piloto, sua aeronave. Cada peça apresentada é única; cada voo, ímpar. Porque as plateias de todos nós são invariavelmente distintas.

O tempo passa e a idade aplaca-se sobre nós. Amadurecemos, mas também perdemos coisas. E só nos damos conta de nossas perdas depois que elas ocorreram. A cada final de ano colocamo-nos a refletir sobre o que fizemos, o que conquistamos, o que faremos e para onde iremos.

A rigor, podemos qualificar nossas vidas como absolutamente rotineiras. Uma repetição constante de tarefas e experiências em favor da sobrevivência, da subsistência. Apenas passamos. Podemos nos imaginar humanamente medíocres, vivendo vidas previsíveis e medianas. Mas também podemos tornar esses eventos únicos, pois, de fato, são. Basta fazer tudo como se fosse pela primeira vez. E pela última vez.

A virada do ano, dizia Drummond, industrializa a esperança. Mas pouco adianta acreditar que esse fato isolado será suficiente para fazer você mudar de vida. Fazemos isso a cada dia, a cada momento, a cada atitude.

Que assim seja com um abraço terno, um beijo afetuoso, um olhar reluzente desferido a quem se despede. No despertar para ir ao trabalho, numa reunião de negócios, no almoço com os amigos ou no retorno ao lar a cada dia de seu ano.

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Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

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