Esse clima, que fazia parte do cotidiano, está mudando de forma tão rápida, ficando cada vez mais fora de sintonia, a ponto de muitos sequer perceberem que o quadro é outro. Estes se surpreendem ou considerarem-se injustiçados quando repreendidos nesses comportamentos que caminham para o inaceitável.
A situação ainda é pior se a profissional da arte ou integrante da equipe técnica e de produção for mulher, num mundo ainda dominado por chefes e diretores homens. No entanto, esse panorama não é exclusivo do mundo artístico. Não é como se fosse um esquete encenado num estúdio. Esse cenário é real e também está presente em empresas de todos os ramos da economia.
Os ensebados Códigos de Ética e Conduta, praticamente nunca retirados dos fundos das gavetas empresariais, estão sendo retirados desses espaços empoeirados e ganham protagonismo no mundo corporativo atual. Isso por conta das implantações de Compliance (ao pé da letra, setor que cuida das conformidades) e da exigência no cotidiano corporativo de incorporação das boas práticas da Agenda ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança).
Assim como o nosso audiovisual se inspira em Hollywood, inclusive com a incorporação de muitos desses “cacoetes profissionais”, agora vem lá de fora também a implantação de uma política de “tolerância zero” para práticas até então toleradas e normatizadas nas organizações. Foi decretada uma espécie de caça às bruxas aos infratores das regras de “boas práticas”.
Não é coincidência as denúncias, escândalos, cancelamentos e demissões que abalam o silêncio de Hollywood ecoarem por aqui. O medo dos processos milionários, a rejeição do público e anunciantes obriga as emissoras a levantarem seus tapetes para recolher o lixo, por décadas escondidos em baixo.
O acolhimento e o apoio popular estão empoderando essas pessoas oprimidas que nem imaginavam que, um dia, poderiam levantar a voz contra um sistema que parecia inflexível e com regras autoritárias já consolidadas. Ao contrário de outros setores em que as análises de Compliance ficam em sigilo, a popularidade dos envolvidos no audiovisual quebram a cláusula do anonimato e ganham visibilidade.
Numa linha cronológica, o primeiro caso emblemático que marca essa mudança dos ventos envolveu o ator José Mayer e uma figurinista. No auge de sua carreira, o veterano galã virou protagonista de um drama da vida real. E ao invés de encerrar essa história beijando a mocinha, foi surpreendido com uma carta de demissão e um editorial explicativo lido em pleno Jornal Nacional.
O folclórico teste envolvendo favores sexuais usados como moeda de troca para escalações ou papéis melhores, também passaram a render dor de cabeça para as empresas e punição para funcionários denunciados. E novamente o Brasil segue na esteira do que acontece nos Estados Unidos e na Europa, num movimento que aniquilou medalhões do cinema e jogou na lama um dos principais troféus, o Globo de Ouro.
Isso sem falar na agressão física ocorrida na premiação do Oscar em que o ator Will Smith deu um soco no rosto do comediante Chris Rock após uma piada politicamente incorreta com a doença sofrida pela atriz Jada Pinkett Smith. A falta de habilidade para lidar com esse tipo de ação é tamanha que o evento continuou e só mais de 1 semana depois foi anunciada uma punição por parte dos organizadores.
Por aqui, o maior destaque caiu como uma piada de mal gosto atingindo em cheio o humor da Rede Globo. O escândalo fez com que o departamento perdesse a graça: programas retirados do ar, projetos sem continuidade engavetados, ou mesmo, cancelados.
Isso sem contar que dividiu literalmente o setor após a denúncia envolvendo a comediante Dani Calabresa e o diretor do núcleo, Marcius Melhem. O embate rachou o departamento entre os que reforçam a posição da humorista e os que defenderam o diretor.
Como esperando dentro dessa “nova ordem corporativa mundial”, Melhem não teve um Final Feliz. Acabou sendo afastado e, posteriormente, o contrato descontinuado. Mas isso não aconteceu sem que antes tentasse apelar para um mal pelo qual a comédia padeceu nos momentos mais tenebrosos do país: a censura.
Apelando para a justiça, uma série de reportagens sobre o caso, produzida pela Revista Piauí, teve que ser retirada do ar e impedida por um período de dar continuidade aos desdobramentos, o que chamamos no jargão jornalístico de suíte.
Mas as denúncias de assédios não ficam restritas aos morais e sexuais. As raciais também movimentam os bastidores da emissora líder. O diretor Vinicius Coimbra foi o mais recente investigado pelo Compliance. Foi acusado de dar tratamento diferenciado e promover a segregação entre os chamados ” elenco branco e o elenco negro” da novela de época “Nos tempos do Imperador”, que ironicamente tratava a temática escravagista em seu enredo principal.
Mas se engana quem pensa que os casos ficam restritos ao setor de dramaturgia. A Compliance da Globo também foi acionada para apagar incêndios no jornalismo. Assim como no setor artístico, os denunciados acabaram chamuscados e demitidos.
Vazou um áudio com um comentário inapropriado considerado racista enquanto aguardava para entrar no ar. Isso afastou da bancada do “Jornal da Globo” o âncora William Waack. Por motivo diferente, outro que também feriu as regras do Compliance foi o companheiro Dony de Nuccio. Ele teve que deixar os estúdios do “Jornal Hoje” por ter feito paralelamente um trabalho para um banco.
É que o conflito de interesse, assim como a corrupção, também são temas incluídos no Código de Ética e Conduta e que estão no radar do setor de Compliance das empresas. Vale ressaltar que esses casos citados não aconteceriam se não houvesse um cenário fértil e historicamente permissivo.
A dramaturgia que hoje dispensa o diretor é a mesma que não escala personagens negros para protagonismo de suas histórias. O mesmo jornalismo que puniu, o veterano Waack, tem contados nos dedos os profissionais negros em funções de destaque. A quantidade é bem aquém da porcentagem de afrodescendentes presentes em nossa sociedade.
O mesmo mau humor que puniu Melhem há bem pouco tempo ainda usava de piadas machistas, homofóbicas, gordofóbicas e mulheres em trajes mínimos e erotizados como forma de atrair a audiência. A empresa que tenta implantar a igualdade ainda não conseguiu a equidade de mulheres em cargos de chefia e direção.
Embora cada vez mais exigido pelo público, mercado e investidores, a implantação de Compliance ainda é uma novidade no mercado corporativo brasileiro. E ressaltando que: de maneira alguma esses problemas ocorrem só na Rede Globo. Eles viralizam por lá devido a sua maior visibilidade, natural por conta da liderança. E também por ser a primeira em seu segmento a implantar no Brasil um setor de Compliance.
É legítima a sua preocupação em se adequar a essas práticas, por conta da pressão do público, patrocinadores e do mercado externo já que suas obras são constantemente exportadas. Primeiramente precisamos entender o que quer dizer essa palavra em inglês que, de repente, passou a fazer parte dos discursos corporativos e invadiu a imprensa como se todos a dominassem, mas que na verdade não é devidamente explicada.
A origem vem do verbo “to comply” – significa “agir de acordo”. Ou seja, passou a ser aplicado pelas empresas em referência às suas adequações às normas de órgãos reguladores, ganhando uma interpretação mais ampla, aproximando seu significado para “conformidade”.
O ideal do trabalho de Compliance é de que seja educativo e preventivo. Ou seja, impedir transgressões antes que sejam cometidas. Assim, evitar que tenha que agir de forma punitiva ou que as organizações tenham que responder por atos inadequados junto a outras instituições, como:
A expressão original foi se dilatando e passando a incorporar outras vertentes. Além das conformidades legais e mercadológicas, também visa impedir comportamentos irregulares, inconvenientes ou em desacordo. A agenda de Compliance não foi somente ampliada em sua utilização. Foi incorporando ações e práticas a seu cotidiano de forma a garantir o conhecimento e a aplicabilidade. Entre elas:
Adoção de medidas de Compliance é recomendada para organizações independente do ramo de atuação, aplicadas a todas as esferas (pública, privada, Terceiro Setor…), todos os portes (holdings, grandes, médias, pequenas e micros), assim como independe das questões geográficas (locais, regionais, transnacionais ou da internet).
A implantação das medidas de Compliance valorizam a cultura, a imagem, o capital humano além de estreitar as relações da organização com todos os seus públicos
*Luiz André Ferreira é mestre em Bens Culturais e mestre em Projetos Socioambientais. Professor da Fundação Getúlio Vargas e Facha. Passagens pela Reuters e grupos Folha, Estadão, Globo, Bandeirantes e Jornal do Brasil e TV Educativa. Diretor por 8 anos da Rádio pública-educativa do RJ Roquette-Pinto.
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