Aos 91 anos, o corpo de Carlos Heitor Cony não resistiu à “imortalidade” propagada pela ABL
Há algumas décadas, um jornalista da revista Manchete recebe a missão de ir a São Paulo para entrevistar Valmir Vieira de Azevedo, estelionatário que estava detido por aplicar golpes financeiros usando diferentes identidades. Ao se deparar com aquele que seria seu entrevistador, o criminoso não tentou enganar ninguém. Recusou-se a falar. O jornalista, então, não teve dúvidas. Voltou à redação e produziu a “Entrevista de mentira com um falsário de verdade”.
O repórter em questão era o carioca Carlos Heitor Cony. A criatividade para a definição do título da fantasiosa conversa com o estelionatário não se perdeu com o tempo. Nos últimos tempos, dois jornalistas citaram o caso como um clássico da arte de se conseguir definir boas chamadas. A falsa entrevista foi relembrada por Ruy Castro em coluna publicada na Folha de S. Paulo em outubro de 2009. Celso Arnaldo Araújo mencionou o episódio em comentário no blog de Augusto Nunes em janeiro de 2010 – e durante almoço com este redator do Comunique-se em 2015.
A menção à “Entrevista de mentira com um falsário de verdade” serve para sintetizar a obra Carlos Heitor Cony, que morreu na última sexta-feira, 5. Ele conseguia praticar o bom jornalismo em momentos e situações que ninguém imaginava. Férteis para a imprensa, com produções de entrevistas, reportagens, crônicas e análises, a imaginação e o talento dele também brilharam no mercado editorial. Foram dezenas de livros publicados, sendo 17 romances e três volumes em que se propôs a contar a vida do presidente Juscelino Kubitschek. Como escritor, foram quatro prêmios Jabutis. Desde 2000, integrava a lista “imortais” da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Aos 91 anos, o corpo de Carlos Heitor Cony não resistiu à “imortalidade” propagada pela ABL. O premiado jornalista e escritor estava internado no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, desde 26 de dezembro. Não resistiu a uma cirurgia no intestino, que teve complicações e provocou falência múltipla de órgãos. As informações são do G1. O integrante da Academia Brasileira de Letras era casado há 40 anos com Beatriz Lajta e deixa três filhos, Regina, Verônica e André. Os familiares, porém, não serão os únicos a se sentirem órfãos. Leitores da Folha de S. Paulo e ouvintes da CBN, veículos em que ele atuava, perdem com a ausência.
Para colegas da imprensa, Carlos Heitor Cony também fará falta. Quem diz isso são os próprios jornalistas. Contemporâneo do escritor na revista Manchete, o já citado Celso Arnaldo Araújo usou o perfil que mantém no Facebook para descrever o que aprendeu com o colega. “Em seu período na Bloch, que incluiu o ghost writing de textos e livros assinados por Adolpho, foi deslocado para cobrir casos policiais rumorosos – como o assassinato de Claudia Lessin Rodrigues e o célebre caso Lu, suburbana carioca com toques shakespearianos. Saía à rua sem nada nas mãos – nem um pedaço de papel ou um minigravador, como os que surgiam na época. Nada, só Cony. E era o suficiente, com aquela verve”.
Confira a postagem de Celso Arnaldo Araújo:
Cony marcou positivamente a carreira de uma moça que conseguiu o primeiro emprego no jornalismo graças ao uso correto da língua portuguesa. Oportunidade concedida por ele durante teste para a Bloch Editores. O tempo passou e a então estudante do primeiro ano de faculdade – que conseguiu o frila por chamar a atenção do renomado jornalista pelo bom português – construiu carreira na comunicação e se tornou diretora de jornalismo da CBN. Assim, Mariza Tavares se reencontrou com o responsável por sua primeira oportunidade na mídia. Ela também usou a rede social para relembrar essa história.
Mariza Tavares escreve sobre Carlos Heitor Cony:
Os relatos de Celso Arnaldo Araújo e Mariza Tavares reforçam que Carlos Heitor Cony foi um jornalista de verdade. Apesar de a cremação de seu corpo estar prevista para terça-feira, 9, uma coisa é fato: este obituário é de mentira, pois a obra construída por ele é “imortal”.
Cony deixa lacuna em jornal:
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