Jornalista com mais de 20 anos de carreira, sendo seis deles dedicados à GloboNews, Filipe Barini resolveu deixar o trabalho em redação um pouco de lado em março de 2017. Após sair da emissora hard news, onde era coordenador da editoria internacional, o comunicador se aproximou do meio acadêmico e de assuntos relacionados ao país que sediará a próxima Copa do Mundo. Dessa forma, tem se dedicado a temas ligados ao esporte, à política e aos meios de comunicação da Rússia. A meses do mundial de futebol, o profissional passou por duas universidades e tem convivido com o frio russo.
A saga de Filipe Barini para entender a Rússia começou nos Estados Unidos. Em agosto de 2017, ele foi aceito como profissional visitante na Universidade de Columbia, em Nova York. A linha de estudos escolhida foi o país transcontinental. E uma pergunta central: as mídias ligadas ao governo russo com atuação no exterior servem como ferramentas para Moscou? Depois de seis meses em solo norte-americano, o jornalista teve a oportunidade de seguir com o trabalho na Rússia. Há dois meses, ele foi aceito pela Universidade de São Petersburgo.
Desde fevereiro morando, estudando e trabalhando na nação comandada por Vladimir Putin, o jornalista já tem histórias para contar. Além de se voltar à questão dos órgãos de comunicação, ele tem acompanhado outros temas da Rússia. A preparação do país para a Copa do Mundo, a eleição presidencial realizada no último mês e conflitos políticos estão no radar do profissional brasileiro. Todas essas e outras impressões, Filipe Barini conta com exclusividade à reportagem do Portal Comunique-se.
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista com Filipe Barini:
A Copa do Mundo será sediada na parte “europeia” da Rússia. Como a população “asiática” tem reagido a essa organização? Há reclamações públicas?
Em geral, a população na Rússia está um pouco cética em relação à Copa do Mundo, com reclamações bem parecidas com as que vimos no Brasil há 4 anos. As principais são o preço dos ingressos, caros para os padrões do cidadão russo médio, e – especialmente – o valor dos estádios. A Arena São Petersburgo é um tema constante em conversas sobre o Mundial, especialmente porque ninguém sabe exatamente quanto custou. Estima-se que o valor seja algo como US$ 1,1 bilhão.
Sobre a parte da Ásia, sim, há algum ressentimento. Porém, as pessoas entendem que as distâncias são muito grandes – e que há outras prioridades para o momento.
Na sua visão de jornalista brasileiro que, há quatro anos, viu o mundial ser realizado no Brasil com direito a construções de arenas como Amazônia, Dunas e Pantanal. Para a Copa deste ano, teremos novos “elefantes brancos”?
Sim. Temos alguns exemplos de estádios em cidades com pouca tradição no futebol, como Kaliningrado ou Samara, que hoje não possuem times nas primeiras divisões do Campeonato Russo. Depois do mundial, alguns estádios vão ser reduzidos, como a própria Arena São Petersburgo (ou Arena Zenit, como é mais conhecida pela torcida local). Mas nas cidades menores há muito questionamento sobre o que será feito com os estádios.
Com períodos de altos e baixos, clubes russos têm sido destino de jogadores badalados internacionalmente. Por parte dos donos dos times e dos torcedores, há a perspectiva de que o mundial pode impulsionar esse mercado de transferências?
Sempre. Até pelo retrospecto e pela expectativa de que os clubes russos possam repetir façanhas como a do Zenit em 2007-2008, que foi campeão da Copa da Uefa. Mesmo para os padrões dos clubes russos, que geralmente têm um caixa bem abastado, o mercado internacional está bem inflacionado.
Sobre o desempenho dos donos de casa na Copa do Mundo, qual a expectativa em torno da campanha?
Bem baixa. A torcida tem consciência de que a seleção russa não é das melhores e se passar da primeira fase já será lucro. Aliás, desde que a Rússia começou a jogar Copa do Mundo como Federação Russa, depois da URSS, jamais passou de fase. Com o Uruguai e com o Egito no grupo, especialmente agora com o futebol que está jogando o Salah, acho complicado seguir em frente. Uma coisa interessante: a torcida aqui gosta de ver os grandes craques do futebol mundial. Há algumas semana,s fui ver Rússia e França aqui em São Petersburgo. A torcida vibrou com os gols de Mbappé e Pogba, aplaudiu os franceses mesmo com a derrota por 3 a 1. É interessante para nós, brasileiros, vermos isso.
Para você, qual jogador tende a ser o destaque positivo da Rússia na Copa? E para torcida? Quais são os possíveis protagonistas da seleção anfitriã?
Aposto muito no Neymar, como torcedor, mas acho que o grande destaque vai ser o Salah, do Egito. Por aqui, a expectativa é pelos gols do Smolov e, acho que mais ainda, é a torcida por um bom desempenho do goleiro Akinfeev.
Qual a relação dos órgãos governamentais ligados a Vladimir Putin com o comando da confederação russa de futebol e, consequentemente, dos times do país?
A relação é a melhor possível. Mas vale explicar um pouco como é a política de clubes aqui. A maior parte dos clubes é gerida pelas regiões ou cidades onde eles estão baseados. É o caso, por exemplo, do Terek (agora Akhmat) Grozny, que é baseado na Chechênia e comandado por Ramzan Kadyrov, um dos maiores aliados de Putin. Também há os clubes “privados”, como é o caso do Spartak Moscou ou do Zenit São Petersburgo, este gerido pela Gazprom, a maior empresa do setor de energia do país. Coincidência ou não, os clubes que possuem administrações privadas são os mais ricos e dominam a parte superior da tabela.
No Brasil, há as divisões por estados, sendo que muitos quiseram contar com uma das sedes da Copa de 2014. Na Rússia, como funcionou a divisão para a escolha das cidades que receberão os jogos?
O processo de escolha é pouco transparente. Você envolve questões políticas, desejos regionais e, em certo grau, logística. Inicialmente, o plano era ter 16 estádios em 13 cidades diferentes, mas algumas propostas foram eliminadas. Ao fim, temos 12 estádios em 11 cidades (dois estádios em Moscou).
O país foi “dividido” em quatro regiões, mas a maior parte dos jogos será realizada no chamado “Corredor do Volga”, na parte Ocidental da Rússia. Teremos jogos em Ecaterinburgo, os mais orientais, mas também em Kaliningrado, que é um exclave russo entre a Lituânia e a Polônia. Neste caso, dizem as fontes não-oficiais, tem a ver com uma questão de promover o destino entre os europeus e marcar posição na Europa Oriental além-Rússia.
Oblats, Repúblicas, Distritos Autonômos, Krais… Há partes da Rússia, com status políticos especiais, que têm histórico de brigar por independência, como a Chechênia. O fato de sediar a Copa uniu os diferentes povos de toda a Rússia?
A questão da independência foi muito forte durante o processo de quebra da União Soviética, com dezenas de repúblicas querendo ao menos uma autonomia maior em relação a Moscou. Depois do caos dos anos 90, com a chegada de Putin ao poder, esse processo foi sendo controlado, com líderes ideologicamente alinhados ao governo central. Lembre-se que não há eleição para governador na Rússia. Todos os chefes de governos locais são escolhidos pelo governo federal.
Há por parte das autoridades medo de que rebeldes possam tramar algum atentado em meio aos jogos da Copa do Mundo? Publicamente, quais ações preventivas estão sendo tomadas?
Terrorismo não é uma coisa nova na Rússia e, infelizmente, é relativamente comum. A preocupação com um possível ataque é real e as medidas de segurança prometem ser bem rigorosas. A começar pela identificação dos torcedores. Você sabe exatamente quem está no estádio e em qual lugar esta pessoa está. Mas risco sempre existe, embora muito, mas muito baixo.
Com veículos de comunicação reportando suposta relação da Rússia com as eleições norte-americanas e, mais recentemente, envenenamento de ex-espião no Reino Unido. Acredita que seleções podem boicotar a Copa?
Risco zero. Nenhum político no mundo teria coragem para anunciar um boicote esportivo a uma Copa do Mundo. O que podemos ver é a ausência de representantes governamentais. Mas aí é, como dizemos no Brasil, do jogo.
Em março, Putin venceu uma eleição marcada pela impossibilidade judicial de disputa de seu maior opositor, Alexei Navalny, e por denúncias de fraude. Agora, um mês passado o pleito, como estão os ânimos políticos do país?
Antes da eleição o clima era de uma resignação misturada a ceticismo. O país não está tão bem economicamente, sofrendo com sanções e pouca sinalização de mudança política em frente. Além disso, a falta de uma oposição forte mina um pouco o interesse da população. Ouvi de muita gente a pergunta “pra quê votar se sabemos quem vai ganhar?”. No dia da eleição, eu estava em Sebastopol, na Crimeia, onde achava que a população iria em peso às urnas. Putin ganhou, 90%, mas com um comparecimento em torno de 75%. Na prática, a eleição passou a ideia de que foi apenas um processo normal. Nada mudou depois disso.
O histórico da União Soviética e o comunismo fazem da Rússia um país forte no, digamos, turismo político?
Quem se interessa em história precisa vir à Rússia. É um destino fascinante em termos históricos. E não apenas em museus. Você consegue ver ruas com nomes de líderes soviéticos famosos, estátuas de Lenin, Marx, imperadores. O turista que quiser ir além do futebol vai ter dias cheios. São Petersburgo e Moscou são cidades em que é impossível caminhar e não pensar que uma parte importante da história moderna se fez presente ali. Com o poderio soviético na Guerra Fria, no Kremlin em Moscou, ou com as histórias de horror do cerco nazista a Leningrado e Stalingrado (hoje São Peterburgo e Volgogrado).
Na parte da comunicação, como funcionam as campanhas políticas na Rússia? A exemplo daqui, há mercado para o chamado marketing eleitoral?
A campanha é bem diferente, bem mais discreta. Há alguns outdoors, algumas propagandas na TV, mas nada ostensivo. Na campanha deste ano, o forte foi a propaganda do governo para que as pessoas fossem votar. Isso tem um motivo: o voto aqui na Rússia é facultativo, mas para o governo era essencial garantir um comparecimento alto para se legitimar a vitória de Putin. Então se cunhou o objetivo eleitoral: 70-70. 70% de comparecimento e 70% dos votos para Putin. No final foi quase isso, 76 (Putin) e 67 (comparecimento).
O ex-presidente Lula foi preso pela Polícia Federal no último fim de semana. A notícia repercutiu na Rússia? Putin e outras autoridades se manifestaram? Qual foi o teor da mensagem?
Foi pequena a repercussão aqui, mas alguns comentaristas críticos aos Estados Unidos deram um pouco de voz às teorias de que Moro estaria a serviço da CIA. O noticiário por aqui está bem pesado com os casos do envenenamento do ex-espião no Reino Unido e a crise na Síria.
Como funciona a imprensa na Rússia? Há redes de emissoras de TV e rádio? Jornais independentes? O governo controla os meios de comunicação?
O formato é bem parecido com o do Brasil, com grande concentração dos meios em torno de algumas empresas e pouca imprensa independente. O governo não controla oficialmente, mas os gestores dos meios estão bem alinhados. Você também tem um modelo extensivo de imprensa pública, empresas que não são estatais mas contam com financiamento público. Vale ressaltar que a promoção da visão de mundo russa está prevista nas diretrizes de política externa do governo russo.
Em geral, qual a linha editorial adotada pelos maiores veículos de comunicação? Há apoio explícito às iniciativas de Putin e revolta contra o “imperialismo americano”?
Em tom geral, a cobertura é quase que totalmente pró-Putin. Mídia independente, como disse antes, é bem pequena e jornalistas de oposição não têm uma vida muito fácil. Ano passado, o país ficou na posição 148 no ranking de liberdade de imprensa montado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (o Brasil está em 103º). Sobre o discurso, ele reproduz bem o que pensa o Kremlin e setores mais conservadores da elite política russa. Em alguns casos, como o da RT, existe espaço para comentaristas que atacam o chamado “imperialismo” do ocidente, o que acaba encontrando audiência nos escopos mais radicalizados do espectro político.
Fora a questão envolvendo a prisão de Lula, o que acontece no Brasil costuma ter destaque na imprensa russa? Qual a visão dos jornalistas locais com o nosso país?
O Brasil tem pouco espaço na imprensa local. Geralmente se cobre o factual de internacional, sem muito destaque. Poucos jornalistas aqui foram ao Brasil, então a visão mais comum é aquela dos estereótipos. Mesmo assim, todos sabem, mesmo que basicamente, do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e da situação de segurança (ou da falta dela).
Para os jornalistas brasileiros, quais os maiores desafios de se trabalhar na Rússia? Nesses dois meses em solo russo, você já enfrentou algum “perrengue”? O que fez para superá-lo?
Como meu trabalho aqui é mais acadêmico, não enfrentei problemas por ser jornalista, mas para quem vem trabalhar aqui com esse objetivo, tenho dois conselhos: siga as regras e aprenda um pouco de russo. A nossa vantagem é justamente ser brasileiro. Geralmente, somos vistos de forma positiva aqui. É uma vantagem nossa é o passaporte azul. Mas imprensa é imprensa, não é um lugar, digamos, para testar os limites do que pode e do que não pode ser feito.
Além da experiência em redação, sendo por seis anos coordenador da editoria internacional da GloboNews, você tem relação com o meio acadêmico. Antes de ir para a Rússia, por meio da Universidade de São Petersburgo, você foi profissional visitante na Universidade de Columbia (EUA), onde se propôs a estudar as mídias russas que atuam no exterior. Há alguma análise a respeito?
A maior questão que encontrei nesses últimos meses foi qualificar a imprensa russa para o público externo, como a RT ou a Sputnik, como sendo imprensa legítima ou apenas uma ferramenta de propaganda do governo russo. A teoria mais fácil é a de que sim, é propaganda. Mas nesse meio termo vamos nos deparar com uma zona cinzenta, onde começa a propaganda e onde termina o viés editorial de um veículo? O que passa a ser propaganda? A propaganda é legítima?
Muito se fala, especialmente nos Estados Unidos, de que a mídia estatal de países como Rússia e China é uma forma de propaganda, uma vez que promove interesses estatais. Mas uma imprensa privada que conta com financiamento privado não estaria sujeita a ser uma ferramenta de propaganda? É essa a questão que tento responder. Parece simples, mas está bem longe de ser.
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