Crônica da morte que falhou – por Carlos Brickmann

“Tenho duas histórias para contar, a respeito da liberação de armas para jornalistas: nas duas, se estivesse armado, não teria como sair vivo”. Portal Comunique-se publica mais um artigo de Carlos Brickmann, que não gosta de armas

Não gosto de armas: balas aleijam e matam. Mas não entro na discussão sobre porte de armas na segurança pública. Na Suíça e em Israel, onde cada cidadão tem em casa armas poderosas, e no Japão, onde civis raramente podem ter qualquer tipo de arma, o índice de criminalidade é baixo.

Mas tenho duas histórias para contar, a respeito da liberação de armas para jornalistas: nas duas, se estivesse armado, não teria como sair vivo.

Uma ocorreu no Brasil, uma no Uruguai. No Brasil, por sorte de repórter, fui à casa onde tinha ficado prisioneiro o embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado por militantes da luta armada. Cheguei instantes antes do fechamento da rua e entrei na casa. Cada serviço de informações (lá havia vários) achava que eu pertencia a outro. Eu achava que as notícias estavam liberadas, já que tudo o que perguntava me respondiam. A folhas tantas, liguei para o Jornal da Tarde, no Rio, e pedi um fotógrafo. Não havia ninguém disponível. Explodi: “que cazzo de jornal que nem tem fotógrafo?”.

Segundos depois, estava diante do cano de uma pistola. Um senhor de farda queria saber de que jornal se tratava – e, enfim, quem era eu? Ali mesmo me revistaram, apreenderam minhas anotações e meus documentos, me puseram entre dois soldados com metralhadoras. “Se tiver arma, é um deles”. Não tinha armas, fui liberado e avisado de que não poderia publicar nada. Publiquei tudo, mudei de hotel. E, creio, esqueceram de mim.

“Não tinha armas, fui liberado e avisado de que não poderia publicar nada. Publiquei tudo, mudei de hotel” (Carlos Brickmann)

El coche de la policía

No Uruguai, os tupamaros enfrentavam o regime (a caminho de uma ditadura militar). Tinha contatos com os dois lados. Aluguei um Maverick, que seria lançado aqui (outra matéria!) Convidaram-me para uma reunião de tupamaros e segui para lá de Maverick. Fui bem recebido, até que alguém cochichou algo ao líder do grupo. Fui cercado por jovens armados que queriam saber por que eu guiava um Maverick – e como saberia que era o carro favorito da polícia, como o Falcon na Argentina?

Instrução: “viu demais. Se tiver arma, deem um jeito”. Não tinha arma, meu contato teve tempo de garantir que eu era repórter mesmo. A falta de armas me salvou.

Leia mais – ‘Opinião’:

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Por Carlos Brickmann. Jornalista. Editor do site Chumbo Gordo. Texto reproduzido em diversos jornais brasileiros.

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