O livro traz o ensaio “Enigma dos folhetins”, de Wilton Marques, com a interpretação das crônicas. “Faço uma discussão para mostrar que foi o Alencar que pediu mesmo [a retirada]. Tem algumas marcas que é possível provar que o escritor não teria interesse daquele texto sair. Eu leio o folhetim, com olhar no ano que ele escreveu, que é entre 1854 e 1855, e o outro olhar em 1874, que é quando foi publicado. Tento mostrar que cada um desses folhetins tem alguma coisa que seria, digamos assim, reprovado publicamente, que traria problemas para ele”, explica o autor.
Em uma das crônicas, por exemplo, Alencar faz críticas à língua tupi. “Todo mundo sabe que o Alencar é o grande escritor do romance indianista: O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara(1874)”, relaciona Marques. Ele destaca que, considerando a data em que a coletânea foi publicada – em 1874 – ele já era reconhecido por essa obra e seria um contrassenso ter um texto publicado com esse tipo de ironia. “De certo modo criaria um certo constrangimento para o Alencar, porque são textos de juventude”, avalia.
Em outro texto, o cearense faz críticas ao mundo político. Ao fazer uma comparação entre o Rio de Janeiro antigo e moderno, Alencar resolve falar sobre “uma tal revolução tecnológica” que teria dado origem a uma “máquina-deputado” e segue uma descrição irônica desta figura. O texto original diz:
“Esta máquina serve para votar, levantando-se e sentando-se para dar apartes, fazer cauda aos ministros nas ocasiões necessárias, preencher o número de deputados que as constituições exigem, e finalmente para resistir aos deputados-homens, gente de consciência, que tem a balda de só apoiar os governos ilustrados. Bem se vê, que para semelhante fim era escusado nesses países empregar-se um homem livre e inteligente, e que basta uma máquina, a qual não possa opor tropeços à marcha da administração”.
Marques lembra que, em 1874, quando o livro organizado por Pinto Coelho seria lançado, José de Alencar já tinha sido ministro e era deputado. “Imagino que ele falou: ‘Não vou publicar isso, porque isso vai me causar um grande problema’. Ele fala que os ministros corrompem os deputados”, explica o pesquisador.
Folhetim
Wilton Marques explica que folhetim é um gênero que se assemelha à crônica. Como, atualmente, o primeiro termo adquiriu um caráter ligado ao romance, o segundo é mais esclarecedor para explicar a produção da época. O folhetim, portanto, era publicado sempre aos domingos, no rodapé da capa do jornal, “como uma espécie de resumo da semana”. “Era um lugar de destaque no jornal. Então basicamente tinham três grandes assuntos: a política; os bailes, o social; e a arte, podia ser uma peça de teatro, um livro”, diz o professor.
O folhetim tinha como característica tratar de assuntos diferentes em um mesmo texto. “Alencar fala que o folhetinista era uma espécie de beija-flor, que ele beijava várias flores, vários assuntos e tinha que dar um jeito de colocar dentro do mesmo espaço”, relatou. Além do autor de Iracema, passaram pelo Correio Mercantil grandes escritores do século 19, como Joaquim Manuel de Macedo, Gonçalves Dias, Manuel Antônio de Almeida e Machado de Assis.
Pesquisa
Marques destaca que o estudo da crônica permite uma compreensão do tempo histórico. “Primeiro você precisa estabelecer o texto, de quem ele está falando, que peça era aquele, qual baile, que nobre. Então você tem um trabalho de estabelecer o texto para depois interpretar. É um trabalho um pouco mais lento de interpretação, mas é isso que faz com que a gente se aproxime do tempo histórico, pela pontualidade”, explica.
Por ser um texto mais leve, de caráter informativo, mas com “certo traço literário”, Marques avalia que as crônicas escritas por Alencar antecipam a entrada do autor na ficção. “Porque o primeiro romance ele vai publicar em 1855, logo depois. Então é uma porta de entrada”, avalia.
O livro pode ser adquirido no site da Editora UFSCar.
Repórter da Agência Brasil: Camila Maciel
Edição: Fábio Massalli