Curitiba, PR 19/11/2020 –
Embora muitos ainda tentem ignorar, a desigualdade racial e o racismo ainda estão enraizados na sociedade e também nas escolas brasileiras. A proximidade do Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, convida à reflexão do tema, embora seja importante deixar claro que o racismo no Brasil não se restringe apenas à população negra. Apesar de inúmeros esforços no sentido de fazer da Educação um caminho para eliminar essa desigualdade entre brancos e negros (ou pessoas de qualquer outra etnia), a realidade mostra que isso ainda está longe de ser alcançado. “A Educação é um pilar essencial na formação de crianças e jovens que não discriminam pessoas pela cor da pele e, por isso, as escolas precisam entrar nesse debate e trabalhar para criar em seus ambientes uma cultura antirracista”, afirma a assessora de História do Sistema Positivo de Ensino, Marcella Albaine Farias da Costa.
De acordo com ela, para avaliar o papel das escolas nesse debate e como elas estão desempenhando esse papel, é preciso, antes de mais nada, entender que o currículo escolar é um espaço de disputa e seleção. “Os livros didáticos, incluindo os de História, respondem às demandas de um tempo e, portanto, apresentam mudanças e transformações que são gradativas, parte de um processo. Falar da luta antirracista hoje demanda de nós fazermos uma crítica à perspectiva eurocêntrica, a valorização da Europa no centro dos processos de ensino e aprendizagem em História. E é preciso trabalhar outras narrativas, outras histórias que, por muito tempo, estiveram silenciadas”, explica Marcella.
Para a especialista, existem inúmeras formas de se trabalhar o combate ao racismo. Entre elas, discutir a inserção do negro na sociedade e como essa mesma sociedade o acolhe. Para isso, podem ser analisados e trabalhados diversos dados como, por exemplo, a relação entre raça e indicadores socioeconômicos, e também sobre violência. Os números mostram que, no Brasil, a população negra é a principal vítima de homicídio, com os negros tendo 2,7 mais chances de serem mortos do que os brancos, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Podemos também trabalhar com abordagens que ofereçam pontos positivos a esse processo educativo, como, por exemplo, a valorização da música, da produção científica, dos negros e negras que contribuíram – e muito – para a História do nosso país. É importante por exemplo, destacar a literatura infantojuvenil como uma valiosa ferramenta, por meio de contos africanos, que vão nos ajudando a dar sentido à produção desse conhecimento”, descreve.
Estudiosos do assunto defendem que as crianças precisam aprender História por meio de lentes antirracistas. Não basta apresentar a elas o papel da supremacia branca ou a simples existência do racismo. É preciso que esse conhecimento seja abordado e trabalhado de forma a desenvolver nos alunos o senso crítico, a capacidade de reflexão e o ímpeto de buscar a justiça social. O aprendizado socioemocional, que oferece às crianças as ferramentas para gerenciar e expressar seus sentimentos, é fundamental nesse trabalho. Psicólogos que estudam o desenvolvimento infantil alertam para o fato de que crianças entre dois e quatro anos já podem começar a apresentar preconceitos raciais. “Ainda na Educação Infantil é possível identificar comportamentos que repetem algumas das mesmas atitudes racistas dos adultos”, revela Marcella.
E esse aprendizado deve ser iniciado o quanto antes. A educadora explica que, com crianças pequenas, é preciso apenas tomar o cuidado de não utilizar literaturas que apresentem situações de racismo, mesmo que de forma subliminar. Diferente da abordagem no Ensino Fundamental e Ensino Médio, onde tais obras com conteúdos racistas podem incentivar o senso crítico. “É na infância que temos uma introdução ao universo dos conceitos. A luta antirracista precisa ser ensinada de forma correta para que as crianças aprendam desde cedo”, reforça.
Nos Estados Unidos, a morte de George Floyd por um policial branco em Minneapolis, no final de maio, deu início ao que pode ser o maior movimento social da história americana. Não faltam exemplos de casos brasileiros que, assim como o episódio americano, suscitam indignação e mobilização da sociedade, ocupando as primeiras páginas dos noticiários e viralizando na internet. Em 2013, o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza desapareceu após ser detido por policiais militares na porta de sua casa, em uma favela no Rio de Janeiro. De acordo com a Justiça, ele foi torturado e morto por policiais e seu corpo nunca foi encontrado. Em julho deste ano, um policial pisou no pescoço de uma mulher negra de 51 anos, durante uma confusão de rua, em São Paulo. Também neste ano, um motoboy foi vítima de racismo, ao tentar realizar uma entrega num condomínio de luxo.
“Episódios tristes e trágicos de nosso cotidiano costumam dar voz para a indignação de uma parcela da população. E essas vozes precisam ser ouvidas e compreendidas nas suas demandas e amplificadas. As faculdades têm realizado eventos para o desenvolvimento profissional de educadores; vários professores nas escolas Brasil afora têm feito trabalhos que apontam no sentido de permitir esse tipo de reflexão. Precisamos somar esforços que demonstrem que esse debate é presente, é contemporâneo e diz respeito a todos nós”, completa.
A educadora reforça que somente por meio da Educação será possível ajudar crianças e jovens a desenvolverem a consciência de si mesmos e se somarem aos esforços da luta antirracista. “Para ajudar professores nessa tarefa, podemos nos apropriar também das mídias digitais. Existem hoje aplicativos, como por exemplo Passados Presentes, que são excelentes recursos que podem e devem atuar a favor do trabalho realizado em sala de aula. E esse é um esforço para os professores de todas a áreas de conhecimento, não apenas do professor de História. É algo que deve ser trabalhado em todas as áreas de conhecimento”, finaliza.
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