A sentença foi proferida na segunda-feira, 13, pelo juiz Márcio Toledo Gonçalves. É a primeira vez no Brasil que se reconhece o vínculo de emprego entre o Uber e um motorista. Segundo o magistrado, embora o aplicativo se apresente como uma plataforma de tecnologia, fatos objetivos de sua relação com os motoristas e clientes fazem dela uma empresa de transportes. Ainda cabe recurso.
Rodrigo Leonardo Silva Ferreira trabalhou de fevereiro a dezembro de 2015 transportando passageiros em Belo Horizonte e, após ser dispensado, acionou o TRT-MG requerendo a declaração de vínculo trabalhista. Segundo Ferreira, o Uber lhe pagava um salário-produção, isto é, comissões que variavam entre R$ 4.000 e R$ 7.000 por mês.
Em sua defesa, a empresa contestou a existência dos requisitos para a formação do vínculo e disse ser apenas uma plataforma tecnológica que permite aos usuários buscar o serviço de motoristas independentes para transporte individual privado. O aplicativo apresentou a tese de que foi o motorista quem a contratou para uma prestação de serviço de captação de clientes. Ou seja, o motorista não teria recebido remuneração e, ao contrário, foi ele quem pagou o Uber pelo uso de sua tecnologia.
Outra argumentação apresentada pelo aplicativo foi inexistência de habitualidade na prestação de serviços. O Uber alega que não havia prefixação de dias e horários obrigatórios para que o motorista ficasse à disposição nas ruas.
Decisão
O juiz Márcio Toledo Gonçalves não se convenceu pela posição da defesa e usou como referência uma decisão judicial semelhante publicada pelo Tribunal de Trabalho de Londres. Para Gonçalves, o argumento do Uber não se sustenta, pois indícios apontam para uma obrigação de o motorista ficar à disposição nas ruas com frequência. Embora houvesse flexibilidade no horário, ele era pressionado pela realização sistêmica do trabalho. A sentença cita o depoimento de um motorista que depôs como testemunha, segundo o qual eram enviados e-mails com ameaças de desligamento da plataforma caso as corridas deixassem de ser feitas por muito tempo.
A decisão também registra que o aplicativo exige prévio cadastro pessoal de cada um de seus motoristas e o envio de diversos documentos pessoais, como certificado de habilitação, atestado de bons antecedentes e certidão de nada consta. A escolha minuciosa de quem poderia integrar seus quadros também reforçaria a existência de um processo de contratação.
O juiz também entendeu que o Uber oferecia remuneração, já que decidia de forma exclusiva toda a política de pagamento do serviço prestado, como o preço cobrado por quilômetro rodado e tempo de viagem e também as promoções e descontos para usuários. O motorista não geria o negócio, o que deveria ocorrer se de fato fosse ele que contratasse o aplicativo.
“A reclamada não somente remunerava os motoristas pelo transporte realizado, como também oferecia prêmios quando alcançadas condições previamente estipuladas”, acrescentou o juiz. Segundo ele, caso se tratasse de fato apenas de uma empresa de tecnologia, a tendência era a cobrança de uma quantia fixa pelo uso do aplicativo, deixando a cargo dos motoristas os ônus e os bônus do serviço, entre os quais o papel de negociar seus valores com os clientes.
De acordo com o juiz, também ficou caracterizada a subordinação, outro elemento do vínculo de emprego: o motorista estava submisso às ordens e aos controles contínuos, além de poder receber sanções disciplinares caso infringisse regras estipuladas pelo Uber.
O magistrado usou em sua sentença o termo “uberização” das relações de trabalho, que seria “um novo padrão de organização do trabalho a partir dos avanços da tecnologia”. Para Gonçalves, tal fenômeno, que “interfere e desnatura a tradicional relação capital-trabalho, tem potencial para se expandir a outros setores da atividade econômica, o que resultaria num retrocesso civilizatório”.
Ele afirma ainda que não se trata de ignorar a importância dos avanços tecnólogicos na evolução das relações trabalhistas, mas que a Justiça deve preservar um patamar civilizatório mínimo, com a aplicação de princípios, direitos fundamentais e estruturas normativas que visam manter a dignidade do trabalhador.
Recurso
Em nota, a Uber informou que irá recorrer da decisão e lembrou precedente judicial do próprio TRT-MG que, no dia 31 de janeiro, deu um sentença exatamente oposta, negando o vínculo de emprego solicitado por outro motorista.
“Os pontos levados em consideração são a atividade do Uber como empresa de tecnologia, a liberdade para que o parceiro escolha suas horas online sem qualquer imposição, o poder de não aceitar e cancelar viagens e a relação não-exclusiva, que permite que os motoristas prestem o serviço também por meio de outras plataformas”, argumentou a empresa.
Correspondente da Agência Brasil: Léo Rodrigues