Diga-me seu meme preferido e lhe direi quem és

Como o fenômeno da web vem sendo usado para além do propósito humorístico.

Abrir o computador, entrar na internet e se deparar com diversas imagens ou frases de conteúdo cômico já é rotina na vida da maioria dos jovens. Esses “memes” – como são chamados – permeiam os mais diversos sites e redes sociais, como Facebook, Buzzfeed e 9gag.

Mas você sabe o que significa meme? O termo foi cunhado em 1976 pelo Biólogo Richard Dawkins em sua obra “O Gene Egoísta”. Segundo o autor, a palavra refere-se a uma unidade de informação replicada de cérebro em cérebro. Os memes podem ser ideias, sons, linguagens, valores estéticos e morais.

De alguns anos para cá, toda a vida online tem sido baseada neles. Nas rodas de conversa, no que é compartilhado nos perfis nas redes e, principalmente, nas piadas. Isso faz com que quase todos os acontecimentos da esfera pública e social venham a ter uma enorme capacidade de serem “memeficados”.

Até mesmo a Política – assunto considerado chato e de difícil entendimento – vem se tornado campo amplamente explorado pelos criadores desses conteúdos satíricos, inclusive os mais jovens.

(Imagem: Reprodução/Internet)

Um desses criadores é o Lucas Cristofolini Arpino, 21, estudante de Direito. Ele é um dos administradores da página “Corrupção Brasileira Memes” e conta de onde vem a inspiração para gerar os conteúdos. “O intuito da existência da página se dá pelo fato de existir uma polarização no Brasil. De um lado, há as páginas de direita usando imagens do Bolsonaro, e do outro as de esquerda, como “Dilma Bolada”. De acordo com ele, não existia uma página que fizesse piada com ambos os lados.

Para Lucas, esses conteúdos também ajudam na divulgação de informação sobre o que acontece no âmbito político. “Muitas vezes, os memes se tornam a única maneira que alguns têm de entender o que está acontecendo. O público prefere rir de uma piada sobre o Aécio, por exemplo, do que ler matéria longa e séria do Estadão”, afirma.

O estudante diz que a página mantém a neutralidade.  A motivação é ver pessoas que apoiam Dilma ou Bolsonaro curtindo a mesma foto e rindo. “Não são discussões profundas sobre a notícia, apenas um impacto dela. A pessoa que não souber sobre o assunto que estamos nos referindo vai se informar para entender do que se trata.”

Luiz Filipe Paz, 21 anos, cursa Estudos de Mídia na UFF e também é um admirador da criação de conteúdo humorístico na web. Para ele, o meme surge como nova forma de se comunicar. “A rápida transformação da sociedade e a demanda pela criação de memes têm o poder de remodelar a cultura, e a subjetividade de cada um tende a acompanhar esse ritmo de mudanças”, explica.

Ele observa que o público se atenta aos detalhes – até mesmo físicos – das personalidades da política que têm potencial para se tornarem virais na rede, como é o caso do ex-presidente Lula, que até hoje serve de inspiração para piadas devido à falta de um dos seus dedos.

(Imagem: Reprodução/Twitter)

Os memes se tornaram tão abrangentes que têm sido usados por alguns políticos como forma de aproximação do público. Um exemplo recente disso veio do ex-candidato à prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL). Em seu twitter, o Deputado fez brincadeira com o não comparecimento de Marcelo Crivella (PRB) às entrevistas na corrida pela prefeitura. O post fez sucesso e chegou a atingir mais de 1,9 compartilhamentos nas redes sociais.

Já para João Pedro Magalhães, 21 anos, estudante de Economia, a questão do meme reverbera também no quesito empresarial. “Uma empresa pode se tornar motivo de escárnio da internet e virar meme, mas de uma forma ruim, por isso essa forma de comunicação precisa ser levada a sério também nesse contexto”. Ele aponta que as empresas podem ganhar ou perder clientes dependendo de como são observadas online por seus consumidores.

O assunto, que pode parecer superficial, se tornou até tema de estudo. A Jornalista e pós-graduanda em Comunicação da UERJ Fernanda Freire é integrante do Museu de Memes da UFF e analisa o fenômeno dentro do contexto político. Em entrevista, ela explica melhor como essa forma de linguagem pode influenciar diversos aspectos sociais.

De acordo com a sua concepção, o que faz um meme se tornar viral?
Na realidade, não há uma receita de sucesso para a viralização de um meme. Se tivéssemos essa resposta estaríamos ricas, mas estudando sobre o assunto para a minha dissertação e também para o Museu de Memes, é possível notar que há alguns componentes que facilitam essa viralização. Um deles é o que eu e outros autores da área, como a Limor Shifman, chamam de incongruência. Essa definição consiste na ideia de que a ruptura em uma situação leva as pessoas a se interessarem por determinado assunto e a compartilharem mais.

Outro fator seria o humor. Eu não gosto de colocá-lo logo de cara, pois muitas pessoas enxergam memes apenas como conteúdos humorísticos e eu, particularmente, não compactuo dessa perspectiva. Mas, sem dúvidas, o humor é um dos elementos com grande poder de difusão, pois ele atrai as pessoas. O humor tem um alto poder persuasivo e faz com que as pessoas queiram replicar aquilo, passar a piada para frente.

Por fim, mas não menos importante, é preciso observar o poder das próprias redes, que se caracterizam pela existência de laços firmados a partir de interesses comuns. Sendo assim é normal que as pessoas queiram se engajar, fazer parte de um grupo e por isso compartilhem determinados assuntos em detrimento de outros.

Autores como Berger e Milkman enumeram alguns fatores para o compartilhamento de conteúdos nas redes, são eles: a positividade inspirada (positivity); o teor emocional (provocation); a simplificação e clareza narrativa (packaging); a participação ou interação com o receptor (participation); o prestígio do autor original (prestige); e o tempo e o espaço legados a ele (positioning).

Acho bacanas as características levantadas e entendo que o humor, por si só, responde a pelo menos três destes aspectos (positivity, provocation e packaging). Mas esses são apenas alguns fatores que se circunscrevem nos padrões observados. É preciso ressaltar, no entanto, que não há uma fórmula para isso.

Você acredita que o uso do conteúdo humorístico pode tornar rasa a discussão sobre assuntos de interesse público?
É preciso ter cuidado em relação a uma afirmação premente sobre o assunto, pois os memes são produzidos e compartilhados por pessoas e as pessoas não são uma gama indistinta e acéfala, elas pensam e tem níveis e graus diferentes de instrução, estudo.

Ademais, como eu já disse anteriormente, não entendo os memes como apenas de humor. Por outro lado, reconheço que esses conteúdos são dotados de capacidade sintética, e isso pode contribuir para o pouco aprofundamento de algumas questões, mas entendo que é muito mais o uso que as pessoas fazem desse tipo de conteúdo que vai dizer como a discussão vai se desenvolver.

Na era em que vivemos, com a sociedade cada vez mais polarizada, admito que os memes podem ser utilizados para perpetuar mentiras, preconceitos e tornar a discussão mais rasa, mas é preciso ter cautela para não colocar a responsabilidade sobre os memes. Em minha dissertação, fiz estudo um pouco mais aprofundado sobre a questão do humor na política e esse fenômeno não é algo recente.

Humor e política caminham juntos e o gênero sempre foi utilizado, de forma ambígua. Para além de outras funções que possui – positivas ou negativas no contexto social –, pode ser usado tanto para fazer críticas inteligentes e bem-humoradas, como para reproduzir preconceitos. Fato é que entendo os memes como ferramentas para a interação e defendo que eles ajudam a produzir a formação de opiniões e ideias, fomentando ainda debates, mesmo que essas discussões tenham certa limitação de espaço naquele contexto específico, o que não impede um maior aprofundamento em outras esferas.

Nesse sentido, os memes, como expressão construída coletivamente, representam um mecanismo a mais para que os cidadãos se manifestem, sem passar pelos enquadramentos discursivos fornecidos pela mídia ou apresentados pelo comando de campanha dos candidatos.

Como você analisa a relação dos jovens brasileiros com a criação desses conteúdos?
Esse é um problema e um desafio que me faz querer continuar a pesquisa com relação aos memes, inclusive buscando integração com algum estudo pedagógico para tentar entender. Mas enfim, assim como diversos autores e estudiosos tinham visão extremamente otimista em relação ao uso da internet para a democracia quando ela surgiu, e posteriormente ter sido colocada no extremo oposto, os memes ainda são fenômeno recente e, apesar de apresentarem potencialidade bacana por se configurarem como instrumento de comunicação um pouco mais “livre”, vejo que a utilização desses conteúdos pode estar muito centrado numa lógica da polarização.

Dessa forma, os memes, assim como o humor, se configuram como elemento em disputa, tanto em campanhas quanto em contra campanhas e em outras instâncias. Não é sem razão também que os candidatos, comandos de campanha e militantes se apropriam cada vez mais do gênero para fazer propaganda, especialmente negativas. Isso eu estou falando em relação à política, mas se pensarmos num panorama mais geral, compreendo que os memes são formas de construção coletiva e criativa e os brasileiros são muito criativos.

Como os memes influenciam o debate sobre política e movimentos sociais?
Durante a dissertação, busquei compreender mais sobre essa relação entre memes, humor e política. Na minha visão e de outros pesquisadores da área esses conteúdos podem ser entendidos como novo gênero midiático e por isso influenciam sim o debate sobre política, como um todo. Eles contribuem para o compartilhamento e espraiamento de ideias e opiniões que nascem de uma expressão individual ou isolada, mas se tornam, ou melhor, podem se tornar um acontecimento coletivo, reverberando e dando relevância a determinados temas.

A partir do momento que ganham ampla repercussão, dinamizam não só as redes, como também a própria opinião pública. Nesse sentido, o fenômeno pode ser entendido como algo inovador e atua como termômetros, sendo ainda capazes de mensurar o que está em voga ou não, além de poder dar uma maior repercussão a certos fatos.

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Thainara Carvalho. Integrante do projeto ‘Correspondente Universitário’ do Portal Comuniques-se e estudante de jornalismo da Universidade Veiga de Almeida.

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