Existe um ditado popular que diz que a pior censura é a própria autocensura. Na ditadura civil-militar que durou de 64 até 85, o estágio maior das censuras dentro das redações jornalísticas se deu no momento em que os próprios jornalistas obedeceram o regime para não terem o seu trabalho limado das publicações. Tudo feito com medo do fechamento de jornais e de revistas.
É levando isso em consideração que é assustador ler as diretrizes de redes sociais publicadas pelo Grupo Globo no dia 1º de julho de 2018.
Redigido por João Roberto Marinho com o abre “companheiros e companheiras”, a carta revela tudo, menos companheirismo. Primeiro, ela frisa que as redes sociais são um fenômeno do século 21 para depois dar uma definição fechada desses meios: para a Globo, tais redes são espaços públicos. Considerando isso, o perfil pessoal de um funcionário confunde-se com o próprio papel do funcionário na empresa.
O trecho mais absurdo de suas diretrizes é o seguinte: “em sua atuação nas redes sociais, o jornalista deve evitar tudo o que comprometa a percepção de que o Grupo Globo é isento. Por esse motivo, nas redes sociais, esses jornalistas devem se abster de expressar opiniões políticas, promover e apoiar partidos e candidaturas, defender ideologias e tomar partido em questões controversas e polêmicas que estão sendo cobertas jornalisticamente pelo Grupo Globo…
Em síntese, esses jornalistas não devem nunca se pôr como parte do debate político e ideológico, muito menos com o intuito de contribuir para a vitória ou a derrota de uma tese, uma medida que divida opiniões, um objetivo em disputa. Isso inclui endossar ou, na linguagem das redes sociais, “curtir” publicações ou eventos de terceiros que participem da luta político-partidária ou de ideias.
Quando acompanhar a atividade nas redes sociais de candidatos, partidos, entidades ou movimentos em torno da defesa de ideias ou projetos for fundamental para a cobertura jornalística, é permitido que o jornalista siga as suas páginas ou contas (mas não se deve curtir os seus posts).
Quando for assim, o jornalista deve seguir todos os candidatos a um cargo majoritário e, nos outros casos, partidos e movimentos que defendam ideias opostas ou essencialmente diferentes, para que fique claro ao público que a iniciativa de os seguir não se deve a preferências pessoais. Da mesma forma, esses jornalistas devem avaliar se sua imagem de isenção estará sendo comprometida ao compartilhar material de terceiros. Agir de modo diferente compromete de forma irremediável a isenção do jornalista e mancha a reputação do veículo para o qual trabalha, com a consequência já mencionada”.
O Grupo Globo só abre exceção para um tipo de profissional: o colunista opinativo. A empresa, que é o maior grupo de comunicação do Brasil e um dos maiores do mundo, desconsidera que o repórter, o “operário da notícia”, pode ter opiniões e deveria ter o seu direito a individualidade garantido nas redes. Para o Grupo Globo, o colunista de opinião age com transparência. Merval Pereira, Miriam Leitão e outros profissionais neste segmento estariam agindo dentro do jogo.
Nisso, o Grupo Globo está certo. Mas ele erra, grosseiramente, ao censurar funcionários de outras áreas, repórteres e jornalistas de “baixa patente”.
Para qualquer um que enxerga o jornalismo no Brasil e no resto do mundo, sabe o quanto as opiniões são valorizadas no jornalismo. Mais do que expressar a esquerda ou a direita políticas, as opiniões definem o foco editorial de um veículo e sintetizam a visão dos donos dos meios de comunicação.
Muitas vezes, os patrões terceirizam suas opiniões por meio dos colunistas, em nome de uma maior articulação. Muitas vezes, os patrões contratam colunistas de opinião que contrariam seus interesses, para espelhar uma imagem de pluralidade.
O Grupo Globo, para manter sua hegemonia técnica e comunicacional, tomou uma decisão bizarra e radical. Calou seus jornalistas fora do horário do trabalho. Ceifou sua capacidade intelectual de terem independência nas redes sociais que, sim, tem uma forte face pública.
Mas, como o escândalo do Facebook evidenciou, rede social também lida com dados privados que não podem e não deveriam ser vazados. Isso faz parte do direito à privacidade na internet. No Brasil, ele é previso no Marco Civil nacional.
Trabalhei por um bom período como freelancer da Globo. Tenho orgulho do que fiz pela empresa no meu curto período de tempo.
Dito isso: o posicionamento do Grupo Globo, ao se autocensurar, é vergonhoso para uma empresa que se pretende moderna em 2018. Não reflete modernização. Pelo contrário: lembra de maneira lamentável a autocensura de um regime como uma ditadura.
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