Quando o Brasil apresentava um quadro de profunda dor de cabeça, irritação, desidratação, boca seca e sede intensa, o capitão surgiu como uma espécie de copo d’água gelado capaz de amenizar o estado de ressaca colossal. Sacou, como nenhum outro concorrente, que as mídias digitais podiam conectá-lo aos cidadãos. Entendeu o que o público queria escutar e não perdeu tempo em dar sua mensagem.
Muitos ignoraram as reais possibilidades da sua projeção como presidenciável potencial em um ambiente acostumado com a comunicação de mão única e dependente das velhas táticas de marketing político. Mas as suas mensagens nas redes sociais, a despeito da qualidade e do tom, o tornaram muito mais influente que a clássica propaganda eleitoral. Sobretudo porque, além de ter percebido com sagacidade os efeitos de capilaridade das novas mídias, aproveitou amplamente a vantagem que lhe dava o advento da pré-campanha, recém autorizada pelo sistema eleitoral brasileiro. Começou sua cruzada dois anos antes, enquanto seu principal adversário no primeiro turno, o tucano Geraldo Alckmin, chegou a dizer que resolveria a parada em 35 dias de TV. O que se viu na prática foi algo parecido com o que aconteceu com a Blockbuster e a Netflix, ou seja, um modelo de negócio inovador que transformou um império na memória de um passado pré-histórico.
O capitão mostrou que os recursos competitivos de uma eleição agora não necessariamente se situam nas hegemonias partidárias ou na força do capital, mas sim na capacidade de construção de uma rede de relacionamento difusa, que se espalha largamente por todas as direções, disseminando a mensagem de um futuro desejável sob o ponto de vista do eleitor.
Pela teoria convencional, os eleitores eram considerados um agregado de receptores, ao qual se dirigia a propaganda no modelo um para muitos. Na era digital, avançamos para um mundo descrito pelas redes sociais. Nesse paradigma, os eleitores se conectam e interagem dinamicamente, influenciando-se reciprocamente e participando da construção da própria campanha. O uso de ferramentas digitais mudou a maneira como o eleitor descobre, avalia, decide em quem votar e, sobretudo, influencia os seus grupos sociais. O conteúdo é o grande combustível da rede. Muito conteúdo, já que ela bebe como um Chevrolet Opala 4.1 litros.
Em campanha eleitoral, sabe-se que o conteúdo pode trabalhar para o bem e para o mal. Afinal, mentira e política andam juntas desde os tempos da Grécia antiga. Mas o que o último pleito também apresentou ao Brasil foi uma espécie de versão 4.0 deste velho inimigo. As fake news, como se passou a chamar a mentira da era digital, ganharam um amplo poder de propagação com as mídias sociais e o uso de big data. Experiências eleitorais recentes mostraram que seus efeitos são avassaladores e podem influenciar sensivelmente os resultados.
Por aqui, as tentativas de combate a esse mal foram absolutamente incipientes, contrariando o que disse a Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministra Rosa Weber, em seu balanço das eleições. Este não deve ser, no entanto, um desafio exclusivo do poder judiciário. Por mais que seja possível reconhecer os esforços da instituição por transformação digital, ainda será preciso muito tempo para anular um estado de letargia que vem de séculos. Já a imprensa, com a propriedade natural de quem pode e deve checar a informação, apresentou um bom trabalho nesse sentido. Enfrentou dificuldades, porém, pela falta de capacidade de alcançar a mentira na mesma velocidade em que ela se propaga nas redes.
O desafio imposto pelas fake news ao sistema eleitoral ainda está longe de uma solução efetiva. Encontra combustão na miséria intelectual dos que não conseguem discernir absurdos. Mostrou-se imprescindível, entretanto, uma participação mais comprometida das plataformas sociais neste processo, principalmente Facebook e Whatsapp. Não é possível imaginar o combate a um vírus sem o acesso irrestrito ao corpo hospedeiro.
A transformação digital chegou para as eleições. Vimos a humanidade mudar o jeito de ver filmes, de ouvir músicas, de comprar, de se hospedar, de se transportar. Agora, em meio as disrupções que estão tirando da zona de conforto diversos setores da economia, também estamos vendo mudar o jeito como escolhemos os nossos representantes.
A partir de primeiro de janeiro, o presidente eleito Jair Bolsonaro, o capitão aqui mencionado, terá que encarar o desafio imediato de curar a ressaca do país. Ressacas decorrem da intoxicação que acontece quando se bebe álcool demais. Nesta condição, o fígado exerce o importante papel de estação de tratamento do sangue. O Brasil decidiu votar com o fígado. Rejeitou a opção de tomar mais uma dose de cana para curar o mal-estar. Agora resta saber se o que havia no outro copo era mesmo água.
O desafio de governar é infinitamente maior do que o de ganhar uma campanha eleitoral. A expectativa que fica é de que o presidente eleito possa usar, no pleno exercício de seu governo, as mesmas tecnologias digitais que favoreceram sua vitória nas urnas para melhorar a prestação dos serviços públicos em calamidade. Fica também a expectativa de que o Brasil tenha finalmente aprendido a beber.
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Por Alexandre Cerqueira. Especialista em marketing e sócio da Agência USINA3.
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