A publicação dos livros A Ditadura Envergonhada e A Ditadura Escancarada, em 2002, elevou a pesquisa histórica no jornalismo a um novo patamar. Elio Gaspari mostrou, como poucos, que a reportagem sobre o passado brasileiro não era, necessariamente, um conjunto de esboços da “verdadeira” história ou impressões. Ele aproximou, de forma decisiva, o jornalismo, a sistematização de dados e a análise exaustiva de depoimentos.
Uma das revelações de Gaspari foi uma conversa ocorrida em fevereiro de 1974 entre o então chefe do Gabinete Militar, João Batista Figueiredo, e o general Ernesto Geisel, que logo seria presidente, sobre a morte da guerrilheira Sônia na selva. Dois oficiais que ocupariam a cadeira presidencial discutiram detalhes dos últimos momentos de uma jovem que estava longe de ser um dos nomes influentes da luta armada. O elo entre o Araguaia e o Planalto passou despercebido pelos “donos” da história.
Ao lançar o livro A Ditadura Derrotada, em 2003, Gaspari despertou um visível clima de mágoas. Um setor da imprensa, num aparente acerto de contas com um homem que ocupou postos importantes em redações no período militar, criticou a “demora” na publicação de diálogo em que Geisel defendeu o extermínio.
Sem demérito ao debate da dicotomia tempo de pesquisa e interesse público, uma geração de repórteres gostou da ideia de que não havia prazo para um profissional trabalhar dados obtidos legalmente. O uso do tempo indeterminado, um dos pilares da investigação, não era exclusivo da literatura ou das ciências sociais.
Há 15 anos, quando Gaspari divulgou a frase em que Geisel afirmou que “esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”, uma linha de investigação saía das amarras do off para ganhar vida na imprensa e fora dela. Com base em revelações do jornalista, os estudos que vieram na sequência trouxeram que o extermínio era política de Estado.
O jornalismo e a academia apresentaram organogramas da repressão, descrições de diálogos e documentos do CIE, órgão de inteligência do Exército que centralizou a eliminação das guerrilhas rural e urbana.
Na semana passada, o pesquisador da FGV Matias Spektor mostrou que memorandos da CIA sobre a política de extermínio da ditadura estavam desclassificados – os documentos americanos poderão ser úteis, por exemplo, nos estudos sobre as relações entre o Brasil dos generais e os Estados Unidos.
Ao informar sobre o achado no acervo do departamento de Estado, os jornais não priorizaram no lide a notícia que o governo americano foi informado da política de extermínio do Planalto ou, sem medo de imprecisão, que houve a desclassificação de documentos sobre esse assunto em 2015. No calor da hora, preferiram informar que Geisel soube da matança. Era uma abertura questionável de matéria.
De forma imediata, Gaspari foi bombardeado nas redes sociais. Na última sexta-feira, o nome do jornalista entrou para os trending topics do Twitter. Adversários questionaram, como na polêmica de 2003, o perfil de Geisel apresentado nos livros do jornalista. A maioria das críticas omitiu o capítulo em que o autor mostra o ditador e o Planalto no centro da máquina da morte. A propósito, não se viu fúria parecida quando a Comissão Nacional da Verdade apresentou seu relatório sobre o caso da Guerrilha do Araguaia, por exemplo, um vexame sem precedentes na historiografia brasileira.
Assim como não houve críticas a procuradores e juízes que aproveitaram divulgações de documentos para ludibriar famílias com promessas de processos e sentenças. Também nunca se questionou a decisão dos governos do período democrático de manter os arquivos das Forças Armadas fechados.
O debate sobre lide jornalístico parece menor num contexto em que o discurso de barbárie recrudesce no nosso dia a dia. O problema é o efeito colateral do recuo na pesquisa histórica. Os últimos anos de estudos indicam que Geisel não liberou o extermínio apenas dos “subversivos mais perigosos”. A divulgação de relatórios chocantes do CIE não foi, aparentemente, uma miragem.
Os próximos congressos de jornalismo têm, na nossa dificuldade de construir um lide, a oportunidade de discutir a resistência da investigação histórica dentro das redações. Assim, os fóruns contribuirão, inclusive, para a cobertura política, infestada de relatórios inconsistentes do Ministério Público e da Polícia Federal, que divulgamos às pressas, sem confrontos com dados de apurações próprias.
Talvez, o que era para ser uma notícia da desclassificação de documentos revelou-se, de certa forma, uma tentativa de desclassificação do que nos resta de jornalismo de excelência.
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Por Leonencio Nossa. Jornalista e escritor. Premiado repórter, atua na sucursal do Estadão em Brasília. No mercado editorial, é autor dos livros Homens Invisíveis, O Rio e Mata!.
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