Fernão Silveira é diretor de comunicação corporativa e de sustentabilidade na Fiat Chrysler (FCA) para a América Latina. Está na empresa desde 2018. Anteriormente, trabalhou em empresas não menos relevantes, como Ford, Dow Chemical, Catho e Terra. Neste momento, em que enxergamos uma luz no fim do túnel para finalmente nos livrarmos da pandemia, convém ouvir como uma empresa desse porte encarou uma crise de tamanha proporção.
Um insight interessante é que, mesmo em meio a tantas notícias negativas, ainda é possível fazer uma comunicação baseada nas ações proativas que a marca proporciona para a sociedade.
A entrevista tem tom de bate-papo informal. Só tem essa característica porque é resumo da edição #274 do Podcast-se, disponível em todos os agregadores, como Spotify, Apple Podcasts e outros. Vale a pena ouvir para extrair ainda mais detalhes da conversa.
Cassio Politi: Uma empresa como a Fiat Chrysler foi atropelada pela pandemia. Não só essa empresa, mas todo a indústria. Não preciso gastar nem um pouco de saliva para falar das dimensões da pandemia aqui. Como uma gigante como vocês se comportou e encarou uma crise como o Covid-19?
Fernão Silveira: Gosto sempre de falar que na FCA somos filhos de pai italiano e mãe americana — ou ao contrário, se preferir —, mas a gente tem uma metade italiana e uma metade americana. São duas marcas com uma história, com uma herança fantástica. A Fiat foi fundada em 1889 e a Chrysler vem do começo do século XX.
Você destacou na sua pergunta, Cassio, a questão do nosso tamanho. Nós realmente somos uma empresa global, bem grande. É como você tentar frear um transatlântico. Você não freia. Foi no dia 21 de março [de 2020] que nós tomamos a decisão de parar as nossas operações.
Você não pára uma operação de manufatura de carros. Não é como apagar a luz e parar tudo. A cadeia de valor e a cadeia produtiva da indústria automotiva são muito longas, complexas e cheias de elos. Então, não é simples parar esse transatlântico.
Mas, evidentemente, tivemos de parar. Posso falar sem nenhuma modéstia que temos uma engenharia de classe mundial. Migramos muito rapidamente, do ponto de vista de dinâmica de trabalho, quase da noite para o dia, de uma dinâmica tanto para pessoas em escritórios quanto para aquelas em fábricas.
É claro que, por um lado, a gente assistia ao que se pode chamar de um derretimento da indústria, a ponto de, em abril e maio de 2020, termos vendido um número de carros no Brasil que você conta nos dedos de uma mão. Porque parou tudo. Eram concessionárias e fábricas fechadas. Voltando àquela analogia anterior: o transatlântico congelou no meio do oceano.
Ao mesmo tempo em que a gente assistiu a esse derretimento do mercado, a emergência sanitária crescia de uma forma igualmente exponencial, rápida e preocupante. Então, nós começamos um movimento interno envolvendo a alta direção. Todos nós começamos a pensar: ‘ok, o que nós devemos e o que nós podemos fazer para proteger as nossas pessoas, os nossos funcionários, suas famílias, nossos fornecedores e a cadeia como um todo?’.
Fizemos uma série de ações. Para isso, usamos a nossa estrutura e os nossos técnicos e engenheiros que estavam inativos. Instituímos três hospitais de campanha para pacientes da Covid-19: um aqui, em Betim, Minas Gerais, onde fica a fábrica da Fiat; um em Goiana, em Pernambuco, onde fica a fábrica da Jeep; e um em Córdoba, na Argentina, onde a gente tem outra fábrica da Fiat.
Até que retomamos a nossa produção em meados de maio. Foram quase 50 dias parados. E aí começamos a acompanhar como estava sendo essa recuperação, sem nunca descuidar da saúde, da segurança dos nossos funcionários, de todos os membros da cadeia, mas retomando paulatinamente a partir de maio essa produção.
Cassio Politi: É curioso, Fernão, porque uma das áreas que você cuida é Comunicação Corporativa. Nesse período, vocês pararam completamente por 50 dias. Em tempos normais, você faz uma reunião internamente ou com uma agência, cria um fato positivo, um fato novo. Na pandemia, foi a total seca de fato novo para todo o mundo. Então, como é que você trabalha a comunicação nessa hora? Porque, ok, você não vai esconder o que é ruim, até porque vocês não são os culpados por um vírus que aparece no mundo e sai fazendo o estrago que fez. Mas o que eu fico pensando é isso: há uma nuvem negra pairando a cabeça de todo o mundo. Como é que você se comunica nessa hora com o mercado?
Fernão Silveira: Cassio, é uma excelente pergunta, e a resposta ou, pelo menos, como foi para nós é um pouco paradoxal, no sentido de que você tem toda a razão ao dizer que existe uma escassez de boas notícias — pelo menos do ponto de vista de mercado. Mas não era, como você colocou também, uma crise isolada da FCA, mas uma crise mundial. Todo o mundo estava, em maior ou menor grau, em pontos diferentes da curva, experimentando praticamente a mesma coisa. Naquele momento, a gente viu a necessidade — que também se mostrou como uma oportunidade — de comunicar ainda mais. Era preciso ser ainda mais presente, ainda mais proativo, conversar ainda mais com os diversos stakeholders.
Vou dar um exemplo. Em Goiana, existe uma certa carência. É uma comunidade que até pouco tempo sobrevivia da monocultura da cana. Uma das nossas ações foi alugar um carro de som e sair pelas ruas da cidade para ajudar a conscientizar a população de que o mais seguro era ficar em casa. Além disso, fizemos a distribuição de álcool gel e máscaras descartáveis em praça pública. Então, isso levou a uma aceleração muito grande do nosso fluxo e de todas as atividades em conjunto com governos, parceiros, fornecedores, universidade e outras montadoras.
Houve outras iniciativas muito bonitas nessa cadeia. Por exemplo, uma delas nasceu num acordo entre montadoras, incluindo General Motors, Toyota, Ford e nós mesmos. Trabalhamos com o Senai para o conserto dos respiradores em cinco estados.
Então, essas coisas andaram em paralelo. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e a gente procura manter esse fluxo de comunicação. Portanto, é assim: você pode falar que é só boa notícia? Não. Isso é muito questionável numa pandemia. Realmente, é muito difícil você falar em boas notícias, mas o fato é que nós fizemos muitas coisas e comunicamos muitas coisas. Afinal, estávamos realmente contribuindo, trabalhando muito, com empenho, nesse plano de auxílio às comunidades e à sociedade como um todo.
Cassio Politi: A gente tem vários dados que falam da comunicação digital. Uma pesquisa feita aqui mesmo, no Comunique-se, mostrou que os impactos do Covid-19 nas agências e nas empresas levaram a um modo de atuação um pouco diferente do que era antes. Por exemplo, mídias sociais, e-mail marketing, publicidade online e outras atividades online foram mais demandados do que eram antes da pandemia. Esse foi o comportamento geral do mercado. Não vale necessariamente para todos. Mas a gente ouve dizer muito que o jovem está meio desligado do carro hoje, que as montadoras estão muito mais voltadas para o público mais maduro. Então, daqui saem duas perguntas para você: afinal, como está a relação das montadoras com o marketing digital? E mudou alguma coisa na pandemia?
Fernão Silveira: Mudou muito, sim. Eu estou falando em nome do nosso Departamento de Comunicação de Marketing, do qual eu não sou responsável, mas que acompanho bem de perto. E te digo que na indústria, Cassio, nós somos se não a montadora mais prolífica, uma das mais prolíficas, mais presentes e mais estratégicas no uso do ambiente digital. A gente tem como missão, quase uma fixação, não apenas acompanhar de um jeito ‘seamless’, sem interrupção, a jornada digital do cliente.
No passado, no mundo pré-digital, a jornada do cliente era muito clara: ele se informava a respeito do produto normalmente na imprensa especializada, que lá atrás eram basicamente jornais e revistas, e aí saía pesquisando sobre os carros na visita à concessionária. Hoje, o fluxo de informações em 99,9% dos casos começa num ambiente digital, e mais ainda no ambiente mobile. Ele vai ter diversos pontos de contato, seja com os sites, seja com a imprensa especializada, que continua tendo um papel muito importante para ajudar a formar opinião. Ele tem diversos sites, ferramentas, apps etc. que o ajudam a entender o produto.
Então, é uma jornada que começa essencialmente no digital e é muito incerta também. Não existe mais uma linha reta, se é que um dia existiu.
Hoje a FCA tem, inclusive, concessionárias digitais. Somos a primeira montadora no Brasil a ter esse conceito. É de uma concessionária da Fiat, em São Paulo, do Grupo Amazonas, perto do estádio do Pacaembu. Tudo o que você montar ao longo da sua jornada digital, ao visitar essa concessionária, o seu carro virtual, que você pesquisou, estará lá quando você visitar a loja física.
Cassio Politi: A minha cabeça está girando aqui, Fernão, pelo seguinte: acho que a gente aparentemente é mais ou menos a mesma geração. E eu fico aqui com a cabeça girando e um pouco inconformado pela importância que essa jornada digital vai ganhando em detrimento do significado da marca. Eu conheço a história da Fiat em especial. É uma empresa de mais de 120 anos — e uma marca que gera um envolvimento emocional com a minha geração. No Brasil, deve estar, sei lá, há uns 50 anos.
Fernão Silveira: A nossa fábrica de Betim comemora 45 anos em julho de 2021. Então você chegou bem perto, Cassio.
Cassio Politi: O que eu queria dizer é que a nossa geração e as anteriores sempre tiveram aquela admiração pela Fiat. E não estou falando da Fiat só porque você está aqui. Vale para muitas marcas de outros mercados também. Mas tem realmente a conexão porque a gente sabe que a Fiat nasceu em Turim. Aliás, o ‘T’ do final de ‘Fiat’ se refere a Turim, pois a Fiat é uma empresa familiar. Não sei nem se ainda está, mas até outro dia a família ainda estava no comando da empresa.
Fernão Silveira: Está, sim. O comando está na terceira geração, que é o bisneto do fundador.
Cassio Politi: Isso é próprio de empresa italiana. Na Ferrari, é quase a mesma coisa. Muda às vezes o acionista, mas se a família não está mais lá, a alma ainda continua. Esse é o ponto: são empresas com alma. Você vê isso. A Fiat é uma empresa que tem alma. No entanto, hoje, no fim do dia, você cai na vala comum de uma jornada de cookies, de um Ad bem feito no Instagram. E é isso que leva a venda. Recentemente, saiu um livro do Kotler falando do ativismo de marca, que me dá outro nó no miolo. Eu li o livro já, que chama, numa tradução livre, ‘Ativismo de Marca, do Propósito à Ação’. Eu recomendo a leitura para ficar atualizado, mas me dá um tilt. Eu não concordo com boa parte do livro. Nunca imaginei na minha vida que fosse ousar discordar do Kotler, mas eu discordo, porque ele diz o seguinte: as marcas, para se comunicarem com esse público mais jovem, têm que levantar uma bandeira, senão o público não vai se identificar com ela. Isso me dá um tilt, Fernão. Por que a Fiat deveria levantar uma bandeira qualquer? Se tiver, e se ela for verdadeira, ok, vai lá e levanta; se ela não tiver essa bandeira, ela vai ficar caçando uma bandeira para levantar? Logo uma marca de 120 anos? Precisa disso?
Fernão Silveira: Vamos lá, Cassio. Eu confesso que eu não li o livro do Kotler, embora eu esteja razoavelmente familiarizado com o tema, até porque a gente tem discutido muito isso, seja dentro da nossa companhia, seja conversando com outros comunicadores no ambiente acadêmico.
Eu acho que é sempre perigoso a gente fazer generalizações. Eu acho que essa sentenças peremptórias de ‘ah, quem não fizer está condenado a tal coisa’ são perigosas. A gente tem que tomar isso com um certo grão de sal.
Mas concordo plenamente com Kotler que isso é uma tendência e que a gente enxerga isso. Para as novas gerações, essa questão das causas, essas questões do posicionamento, não só o que a empresa faz e o que vende, mas como ela faz, em que ela acredita, os valores que estão por trás — tudo isso importa. Então, isso, hoje, está se tornando cada vez mais forte. Certamente é uma tendência. Concordo com o Kotler nesse sentido.
Mas aí a colocação que você fez sobre a Fiat como uma marca de 121 anos buscar uma bandeira, mas qual bandeira? Cassio, aqui na FCA a gente tem muita sorte — eu me considero muito privilegiado por uma série de motivos — de poder trabalhar com marcas que são tão apaixonantes, que trazem essa história e esse comprometimento, como você falou. Então, no nosso caso, muitas dessas bandeiras ou dessas identificações, de certa forma, já existem e a gente tem muito orgulho delas.
Por exemplo, se você olhar a história da Fiat na Itália, na Europa e mesmo aqui no Brasil, há uma marca identificada com a democratização da mobilidade. E a Fiat sempre foi uma marca posicionada assim, muito conectada com tecnologias de ponta que muitos julgavam inacessíveis e que a Fiat, dentro dos seus produtos e da sua proposta, tornou acessíveis e próximas das pessoas.
LIPHOOK, Reino Unido, Dec. 22, 2024 (GLOBE NEWSWIRE) -- A Lumi Global, líder global em…
O Brasil lidera em inovação na América Latina. Apesar de desafios, investimentos públicos e políticas…
Psicóloga ressalta a urgência de políticas públicas para apoiar as vítimas de abuso emocional
O hotel, localizado no Sul de Minas Gerais, contará com atrações dedicadas a adultos e…
Uma das maiores programações gratuitas de Natal já está acontecendo na cidade e a expectativa…
O animal desorientado entra em desarmonia com o ambiente