Breves considerações sobre a imprensa alternativa de esquerda e seus veículos. E como a
direita se concentra majoritariamente no discurso de ódio contra o PT. E breves considerações
sobre fake news e fatos sem fundamento.
O pesquisador da USP Pablo Ortellado deu uma entrevista que publiquei no Diário do Centro do Mundo (DCM). Ele tem 43 anos, fez mestrado e doutorado em Filosofia pela FFLCH da Universidade de São Paulo, além de ministrar o curso de Gestão de Políticas Públicas na EACH desde 2005. Também é colunista no jornal Folha de S.Paulo. A conversa pode ser vista aqui.
Ortellado criou o “Monitor do Debate Político no Meio Digital” no Facebook em 2016, com apoio da própria USP e da UNIFESP. A fanpage surgiu depois de uma pesquisa de campo nos protestos antipetistas que ganharam força em 2015, no segundo mandato de Dilma Rousseff, e resultaram no impeachment. Naquele processo de golpe parlamentar travestido de democracia, o Monitor detectou que a grande mídia embalou os verde-amarelos com pato amarelo na Avenida Paulista, bem como os milhões que lotaram as ruas.
O pesquisador enquadrou 120 veículos de mídia no levantamento. Folha de S. Paulo, G1, O Globo, Estadão e UOL aparecem no topo de compartilhamentos nas discussões do Facebook. Logo abaixo aparece a imprensa alternativa de esquerda e de direita.
E ele diz:
“No Monitor, a gente chama de antipetista o que, no nosso entendimento, está na esfera de discussão. A esquerda está mais estruturada e o que está em oposição a este campo não é o que se define exatamente como direita. A maior parte das organizações que lideram o campo antipetista são de direita (…). Resumindo, a esquerda está constituída, enquanto o antipetismo é pouco politizado mesmo”.
Por que a esquerda tem estrutura segundo a pesquisa de Ortellado? As pessoas que se identificam como esquerda nas manifestações, que pegaram as ruas desde a repressão da Polícia Militar em 2013, sabem o que defendem. Defendem socialismo, comunismo, alguns são anarquistas e há os social-democratas. São críticos do capitalismo e céticos sobre o Estado mínimo.
A direita não. Boa parte dos supostos partidários dela na verdade são antipetistas. A maioria deles não sabe o que é liberalismo ou o real funcionamento do capitalismo. Vomitam Hayek e Ludwig Von Mises, ultraliberais, sem conhecer Adam Smith e os fundamentos liberais. Não sabem que o nazismo de Adolf Hitler era um regime autoritário de direita.
E quem é o culpado por tanta desinformação?
A mídia.
Como funciona a grande mídia?
Os grandes grupos de comunicação e de jornalismo são profundamente conservadores e liberais. O centenário jornal O Estado de S. Paulo era republicano na monarquia brasileira e se conservou na direita em todo o seu tempo de vida, apoiando a insurreição de São Paulo contra o governo de bem-estar social de Getúlio Vargas – que se tornou uma ditadura. A Editora Abril e o Grupo Globo trouxeram o método norte-americano de mídia com a integração da TV aberta e a multiplicidade de revistas, das semanais até femininas e técnicas, importando o modelo TIME-LIFE. Todos estes veículos apoiaram a ditadura militar de 1964-1985 contra o nacionalismo varguista e a Folha de S. Paulo surgiu como o maior jornal brasileiro propondo uma pauta pluralista e aberta aos antagonismos, imitando o New York Times.
Embora sejam empresas com grande longevidade e com o monopólio da notícia, estocado em redações de centenas de repórteres, os modelos destes negócios se tornou velho diante da internet. Obrigados a competir com blogs, vlogs e redes sociais, companhias que se sustentam com menos de 10 funcionários, a grande mídia entrou em crise real a partir dos anos 2000, depois de um período de bonança nos governos tucanos da década de 90.
E aí que surge a esquerda.
De onde saiu tanta mídia esquerdista?
A vanguarda da esquerda eram jornais e publicações de pequena circulação como o Pasquim, das décadas de 1970 e 80. Com a perseguição da ditadura militar aos políticos que propunham causas sociais e criticavam o imperialismo norte-americano, a mídia esquerdista floresceu na clandestinidade. Ao surgirem os movimentos sindicais que fortaleceram Luiz Inácio Lula da Silva do PT em oposição ao neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso do PSDB, a esquerda se profissionalizou com a revista ISTOÉ, semanal de informação criada em 1976 por Domingo Alzugaray da Editora Três e chefiada por Mino Carta, um dos fundadores da Veja na Editora Abril.
A ISTOÉ por muito tempo fez importantes contrapontos. No entanto, divergências levaram Mino a fundar sua própria editora. Foi desta forma que, em pleno governo FHC, surgiu a Carta Capital, uma das pioneiras do esquerdismo na imprensa.
A esquerda política então se ampliou na internet e com a pulverização da verba de publicidade do governo federal sob Lula e Dilma. Paulo Henrique Amorim, ex-jornalista da Rede Globo, transformou seu programa ‘Conversa Afiada’ num blog. Luis Nassif, que fez parte do board administrativo da Folha de S. Paulo, criou o GGN. Paulo Nogueira, que foi diretor editorial da Abril e da Globo, desenvolveu o site Diário do Centro do Mundo. E Leonardo Attuch, da ISTOÉ, criou o Brasil247.
Opera Mundi de Breno Altman trouxe a perspectiva esquerdista para pautas internacionais, assim como o site Carta Maior, enquanto revistas tradicionais como a Caros Amigos, criada em 97, se mantém na rede. Nos anos 2010, a TVT surgiu como uma televisão de sindicalistas em São Bernardo do Campo, bem como veículos parceiros como Brasil de Fato e Rede Brasil Atual. Socialista Morena, blog da jornalista Cynara Menezes, saiu da Carta Capital para fazer voo solo. E o jornalista Luiz Carlos Azenha mantém emprego de repórter na TV Record junto com o blog esquerdista Vi O Mundo. Colunistas como Leonardo Sakamoto mantém um espaço em portais como o UOL, do grupo Folha. E Sakamoto também sustenta a ONG Repórter Brasil, que denuncia trabalho escravo no Brasil.
Os coletivos Mídia Ninja e Jornalistas Livres cobrem protestos de rua com a explosão das manifestações de 2013 até hoje. Há também o Centro de Mídia Independente (CMI), mantido por usuários na internet, com viés mais anarquista. E do lado da esquerda mais petista, o Centro de Estudos Barão de Itararé aglutina os blogs que defendem as políticas sociais que vigoraram entre 2003 e 2016, como Bolsa Família, Mais Médicos e as bolsas do ProUni e do Ciências Sem Fronteiras.
As centrais sindicais CUT e CTB, as maiores do Brasil, também ampliaram seus trabalhos de comunicação na internet, seja convocando protestos, seja atuando como braços complementares de conteúdos destas mídias. E, para quem pensa que eles se sustentam apenas com dinheiro público, toda essa mídia recebeu financiamento privado de bancos (sim, acredite se quiser) e de plataformas mais inovadoras, como o crowdfunding – o financiamento coletivo feito em conjunto com leitores.
Como funciona o método de trabalho da mídia de esquerda? Formada por redações menores, eles republicam conteúdos da grande mídia e oferecem análises opinativas e contrapontos aos ataques que os liberais clássicos fazem no noticiário. É neste espaço que se abre um nicho de negócio para a direita.
A direita do ódio
Com a perda de financiamento público, a grande mídia se uniu numa pauta de ataques aos governos do PT para deslegitimarem suas gestões através de um crime real: A corrupção sistêmica dos partidos políticos. Transformaram os petistas nos articuladores dos “maiores crimes da história” e Lula como o maior “chefe de quadrilha criminosa”.
A crise da grande mídia, no entanto, abriu um novo nicho de negócios. Colunistas como Diogo Mainardi, que faturaram falando mal de Luiz Inácio Lula da Silva na Veja, conseguiram capital o suficiente para criar um blog alternativo de direita como O Antagonista. Com o avanço do Mensalão e da Operação Lava Jato como reação aos crimes de corrupção, eles encontraram seu nicho factual.
No entanto, movimentos oportunistas e sem qualquer comprometimento jornalístico com os fatos, também surgiram na discussão. O Movimento Contra Corrupção (MCC) e o Movimento Brasil Livre (MBL) surgiram como gigantes capazes de gerarem seus veículos de comunicação. Foi assim que surgiu Folha Política, Jornalivre, Ficha Social, Imprensa Viva e diversos sites que copiam e colam notícias da grande imprensa, além de inventarem e distorcerem fatos para incriminar o PT e angariar público com a torcida do ódio à esquerda.
Em alcance, a direita avança mais do que a esquerda na imprensa alternativa dentro das redes sociais, como o Facebook. Já no campo do jornalismo, os esquerdistas ainda dão uma surra na direita que não é direita na verdade. Trata-se do campo antipetista que tem curiosidade apenas na pauta da corrupção.
Possível conclusão
O antipetismo faz mais barulho na internet. Mas a esquerda, com formação acadêmica forte na USP durante a ditadura militar, ainda concentra a sabedoria de mídia no debate político. Com a tendência de diminuição da grande mídia no debate público, a polarização ainda vai se estender ao longo de anos e vai mudar com alterações de atores políticos como o PT e o PSDB.
Do futuro pouco se sabe. Mas a direita, se quiser ter sobrevida, terá que combater os fake news para ter alguma credibilidade do ponto de vista do conteúdo que vende.
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Texto publicado originalmente no TopBuzz.