Novo susto fez com que muitos jornalistas caíssem da cadeira: circula a notícia de que um robô já consegue fazer 30 mil matérias por mês
Já não bastasse a batalha perdida dos anúncios publicitários que implicou na redução do jornal diário, que ficou tão murcho como as redações que tiveram que se adaptar ao novo modelo de negócio, agora um novo susto fez com que muitos jornalistas caíssem da cadeira: circula a notícia de que um robô já consegue fazer 30 mil matérias por mês. Aí já é injustiça demais!
Agora, caro leitor, cabe a você decidir o que estará por trás das notícias que lemos. Em tempos em que o ofício jornalístico tem sido tão massacrado, afinal, nossos diplomas já não são exigidos e hoje basta saber escrever o mínimo e manipular ferramentas digitais para disputar espaço com jornalistas graduados em coletivas e afins, esse texto é um apelo e, por isso, vou contar o que significa o ato de escrever para os jornalistas.
Sentar-se à frente de um computador (caderno ou máquina de escrever, se você for mais retrô) é quase sempre um ritual. Não! As palavras não são tiradas de uma gaveta ou do bolso da calça. Elas são fruto de vivências, conversas, pesquisas e muito faro. É um processo prazerosamente construído com o intuito de proporcionar a você, caro leitor, um momento único de absorção de informação.
Conversar com pessoas nos corredores, ouvir, mesmo sem fazer parte da roda, uma opinião no metrô, ler as sugestões de pautas enviadas pelas assessorias de imprensa e, claro, contar com o que sempre deu uma forcinha extra: o valioso “feeling”. Entender as entrelinhas é uma arte. É isso que invocamos ao escrever.
Depois de entrevistar especialistas de diversas opiniões, pessoas que viveram ou presenciaram o fato, ler pesquisas, relatórios e estatísticas para embasar o texto, o jornalista pode ficar um bom tempo encasquetado com uma palavra que julga não ter cumprido o papel que gostaria para transmitir a informação. E o título então? A luta entre o espaço e as palavras é um jogo que se aprende com a prática. Mas a magia está em pensar de que maneira as palavras podem se unir para formar um texto. O texto, nosso produto final, que aliás quer dizer arte de tecer, de entrelaçar uma palavra na outra como um tecido, por isso, têxtil, texto, textual. É um desafio diário e muito, mas muito emocionante.
Já passamos por muitas transformações na maneira como nos comunicamos. Mas ler o que um robô escreveu, acho um exagero. Gosto de saber que cada palavra usada ali tem uma alma, o autor debruçou-se para descobri-las, esforçou-se para consegui-las e isso agora não tem mais valor? Quem nunca se emocionou com a emoção de um repórter ao relatar uma tragédia? Com o envolvimento de âncoras narrando fatos tocantes? Quem nunca invejou um jornalista esportivo em campo acompanhando um grande campeão? Para mim, nada substituirá o olhar crítico e sensível dos repórteres. Já leram os artigos? Os editoriais? É preciso bagagem para ter opiniões, é preciso conhecimento de várias causas para apontar uma direção. Jornalistas são formados para falar em nome da população; é um papel civil.
E quando os jornalistas fazem perguntas ao entrevistado que eram a vontade de muitos, inclusive, a sua? E quando eles se aposentam e escrevem livros contando os bastidores da apuração de grandes acontecimentos? Como fica a história do nosso país sem a participação da imprensa cumprindo o papel de investigar? Um robô não vai fazer jornalismo literal, que coloca no texto os acontecimentos ordinários no momento exato da entrevista como o som do relógio na sala, o tom firme da voz do entrevistado ou a vista maravilhosa do escritório. Tudo isso faz a sua imaginação voar. Ou melhor, congela o tempo e faz parecer que você está lá.
Os estudantes de jornalismo são antes de mais nada corajosos, desbravadores. Virão para o mercado com muitos desafios e com propósitos bem definidos: denunciar, informar, contar, relatar, emocionar. Lutar contra as injustiças, contra o quase rebaixamento da classe, comprometer-se com um jornalismo sério e avesso às “fake news”. Mais que isso, fazer com que as palavras ganhem significados e construam narrativas que serão inseridas nos relatos históricos de uma nação. Fazer com que as letras ganhem sons, cores, sabores. Que os textos escritos sejam reais, transmitam emoções e sentimentos.
Eu não sou um robô.
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Por Danielle Mendonça e Leila Ferraz, jornalistas de profissão e apaixonadas pela arte de comunicar.
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