Os especialistas ouvidos no dia 11/12/19 na comissão parlamentar mista de inquérito que investiga denúncias de notícias falsas e assédio nas redes sociais (CPMI das Fake News) defenderam os órgãos de imprensa diante de divulgações “enviesadas” na internet e chamaram atenção para a vulnerabilidade do usuário com relação à disseminação coordenada de informações inverídicas, que consideram distorcer a democracia e o processo eleitoral.
Representante do LabJor da Universidade de Campinas (Unicamp), Rafael de Almeida Evangelista relatou sua vivência como pesquisador em grupos do WhatsApp, iniciada na greve dos caminhoneiros de 2018. No estudo, ele disse ter observado alta presença de análises falsas ou distorcidas, favorecendo atores políticos que associou à extrema direita, por meio de: mensagens postadas em massa em grupos diferentes; gradual desvio de finalidade dos grupos com fins eleitorais; e ataques coordenados a membros discordantes da linha adotada pelos grupos.
“Os usuários imaginam encontrar nos grupos as relações de confiança que há em seus grupos de família e acabam encaminhando essas mensagens de boa-fé”, declarou.
Ele também apontou a estrutura de dados na telefonia celular como disseminadora da desinformação, pois “na maioria dos planos, o uso do WhatsApp não é cobrado”. Dessa forma, segundo Evangelista, o usuário de baixa renda acaba confinado ao aplicativo de mensagens, usando-o como um “canal de televisão”, sem conseguir verificar por outros meios na internet a veracidade dos dados que recebe. As plataformas de compartilhamento de dados, em especial o YouTube, acrescentou o pesquisador, também foram acusadas de lucrar com o uso de algoritmos que favorecem a recomendação de conteúdo sensacionalista e extremismo político.
O diretor do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, Leonel Azevedo de Aguiar, definiu as fake news como uma série de crimes disseminados pela internet que não podem ser confundidos com o jornalismo informativo e sua contribuição tradicional à democracia. Ele defendeu o que chamou de “jornalismo de referência”, simbolizado pelos grandes órgãos de imprensa e seus profissionais. “Os fatos são sagrados, mas os comentários são livres. As notícias têm um referencial concreto, que é a realidade objetiva.”
Por sua vez, o doutor em direito constitucional Diogo Rais Rodrigues Moreira classificou as fake news como “mentiras com a estética da verdade” e, diante da forma fragmentada e confusa com que se apresentam, é necessária da sociedade uma abordagem multifacetada de prevenção, educação e repressão. Ele associou o uso de informações falsas como um cerceamento da liberdade, pois leva as pessoas a tomar decisões erradas, e manifestou apoio a meios razoáveis de regular a “desinformação” na internet. Ressalvou, porém, que o direito não pode abranger a questão moral e ética de regular a verdade e a mentira.
“Processar o senhor de Pindamonhangaba que acreditou em uma notícia falsa e a repassou talvez não seja o melhor caminho”, comentou, salientando que é mais importante checar comportamentos de massa que sejam originados em movimentos orquestrados.
Conforme Evangelista, o termo “pós-verdade”, comumente associado às fake news, vai além ao representar o crescente questionamento da legitimidade do jornalismo e da ciência no que chamou de representação do real. Ele acusou setores sensacionalistas do jornalismo de explorar o conhecimento dos algoritmos de busca na internet, que não são neutros em sua verificação de relevância, para destacar determinados títulos e conteúdos, e, reiterando a potencial influência de mensagens ofensivas à democracia nos processos eleitorais, defendeu o combate à “desordem informacional” por meio da ação legislativa.
Por sua vez, Aguiar disse que as fake news se caracterizam pela não-aplicação da técnica jornalística e pela desqualificação dos órgãos de imprensa, o que põe em risco a liberdade de expressão e opinião. “Os jornalistas profissionais devem fornecer informações de qualidade e equilibradas para que a sociedade possa decidir sobre seus rumos.”
Ao defender a imprensa regular de acusações genéricas de fake news, Aguiar propôs o monitoramento das redes em busca de notícias falsas, por meio de uma coalizão descentralizada de juristas e técnicos, e mover processos simultâneos em massa, “como forças conservadoras já fazem”, de modo a combater calúnia, difamação e injúria.
Entre os parlamentares que se manifestaram, a deputada Luizianne Lins (PT-CE) vinculou a mudança do sentimento de boa parte do povo brasileiro, que passou a rejeitar o PT, a uma “montagem ardilosa” que teria manipulado com mais ênfase o público evangélico, e pediu medidas contra o WhatsApp pela disseminação de “conteúdo político falso e distorcido” em grupos privados que não podem ser fiscalizados. Em resposta, Rafael de Almeida Evangelista concordou com a pressão sobre as plataformas para que contribuam mais sobre ações orquestradas, enquanto Diogo Rais Rodrigues Moreira observou o “pouco apreço” dos serviços de internet à privacidade dos dados e apoiou as medidas da Justiça Eleitoral de combate à desinformação.
A relatora da CPMI, senadora Lídice da Mata (PSB-BA), lamentou que a educação para as mídias na sociedade e as ações judiciais contra fake news não façam frente à velocidade e ao alcance global da tecnologia que, segundo ela, é disseminadora de crimes. Ela sugeriu medidas para regulação do interesse econômico das plataformas, e chamou atenção para um sentimento mundial de “exclusão da razão” e afastamento de valores democráticos.
“Como é que as minorias se tornam maiorias em um movimento claramente fraudulento?”, questionou.
Esta foi a última audiência de 2019 da CPMI. O senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente do colegiado, anunciou que os trabalhos serão retomados em 4 de fevereiro.
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