Mestre do jornalismo, Heródoto Barbeiro resgata casos antigos de fake news. Antigos mesmo. Em artigo para o Portal Comunique-se, ele relembra algumas notícias falsas veiculados pela imprensa antes da existência da internet e – obviamente – do advento das redes sociais
Acompanhe o artigo de Heródoto Barbeiro sobre fake news…
Estava na primeira página do Correio da Manhã. Era a segunda carta assinada pelo candidato oficial a presidência da república, em 1918, Arthur Bernardes. Ele era o escolhido da chamada política do café com leite. Entre outras coisas o político mineiro fazia pesadas críticas ao exército brasileiro. O Clube Militar, no Rio de Janeiro, era presidido pelo marechal e ex-presidente Hermes da Fonseca. Havia cheiro de revolta fardada no ar. Em nota os militares diziam que não poderiam garantir a Arthur o exercício do cargo.
Em outra nota repudiavam os termos das cartas que classificavam os militares de canalha venal. O estopim estava aceso. Bernardes respondeu no jornal: “eu não mandaria essas cartas nem ao meu pai”. As cartas eram falsas, uma dupla confessou à polícia a autoria, imitaram a caligrafia e a assinatura do futuro presidente. Eles venderam as cartas falsas ao jornal e ele simplesmente publicou. Se fosse hoje seriam classificadas de fake news.
O programa ‘A Hora do Brasil’ começou com um tom mais solene do que o costume. O general Góes Monteiro anunciou ao pais um plano subversivo, descoberto e apreendido pelas Forças Armadas, que anunciava uma nova insurreição armada, semelhante à Intentona de 1935. A invasão comunista previa a agitação de operários e estudantes, a liberdade de presos políticos, o incêndio de casas e prédios públicos, manifestações populares que terminariam em saques e depredações, além da eliminação de autoridades civis e militares que se opusessem à tomada do poder.
Uma legião de imbecis que antes falava apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade, agora tem acesso à internet. O crítico é o filósofo Umberto Eco
O plano levou o nome de Cohen o líder comunista húngaro contemporâneo. Era o que faltava para Vargas, em 1937, dar um golpe e virar ditador. O plano era falso. Foi escrito por oficiais do exército sob o comando do capitão Olímpio Mourão Filho. O mesmo que iniciou o golpe de 1964. Se fosse hoje seria classificado de fake news.
Uma legião de imbecis que antes falava apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade, agora tem acesso à internet. O crítico é o filósofo Umberto Eco. Ele afirmou que as novas tecnologias ao invés de turbinar o conhecimento, o diálogo e a aproximação das pessoas se tornou um instrumento de ameaça individual e coletiva. Em outras palavras não se pode acreditar no que circula na rede uma vez que a maior parte é fake news.
A diferença entre o que se faz hoje e o que se fez no passado, é o alcance e o estrago que pode provocar na reputação das pessoas, governos, empresas e outras instituições. Duas cartas foram responsáveis em 1918 pelo maior período de estado de sítio vivido pela república oligárquica brasileira. Duas folhas de um relatório destravaram a mais feroz ditadura com perseguição, morte, tortura e exílio de todos que fossem acusados de serem “melancias”. Verdes por fora e vermelhos por dentro. A internet veio para ficar. A inteligência artificial vai dar novas dimensões a ela. Não há volta. O melhor antídoto para a mentira, seja de papel ou de bits e bytes é a investigação de autenticidade.
Leia Mais:
- Duas ferramentas ajudam a identificar notícias falsas
- Facebook cria “manual” para internauta identificar notícias falsas
- A pós-verdade na imprensa – por Luis Humberto Carrijo