A fascinante cultura do brasileiro que ama se ferrar sorrindo!

Como assim o brasileiro não é bobo? Brasileiro, como você bem conhece, é sim bipolar ao extremo.

Nada contra sua felicidade com os Jogos Olímpicos Rio 2016, já que, há um ano, eu também estava radiante com o resultado positivo do nosso quadro de medalhas, e claro, com a “imagem otimista” que transportamos aos amigos do primeiro mundo, que vieram turistar e salvar o Brasil da infindável crise financeira.

Recordo, inclusive, que, na ocasião, provamos com maestria que ‘a gente é zica memo’, e que podemos sim ser os melhores quando quisermos, afinal, nossa autoestima elevou-se de forma significativa com o clima que criamos naquelas duas semanas de competições, e talvez não seja absurdo dizer que, entre os dias 05 e 21 de agosto de 2016, nos tornamos uma população infinitamente mais satisfeita, orgulhosa e melhor preparada para enfrentar os problemas do dia a dia.

Valeu mesmo, COI; valeu mesmo, COB; valeu mesmo, políticos.

Indiscutível legado. Eu vos amo! <3

Claro que minha ironia para sugerir sua leitura não tem qualquer relação com revolta ou o desejo de – gratuitamente – jogar água no chope dos outros (já bebido e urinado há um ano), pelo contrário. Essa é, na verdade, uma pitada de provocação que dá o tom a este texto mesmo: refletir sobre quem somos e o que buscamos com nossa inconstância emocional.

Apesar de não ter feito post anterior ao evento, reconheço que me posicionei contrário à realização da Rio 2016, e depois, como bom patriota que sou, coloquei-a debaixo do braço e a protegi como se fosse uma bebê só minha.

E justamente essa fugacidade no comportamento brasileiro de encarar as coisas que deveria (ou não) nos preocupar.

Alguém se recorda da Copa do Mundo, em 2014? Pois é. Aconteceu episódio semelhante também.

Assim que a FIFA nos chancelou como país sede do principal campeonato de futebol do planeta, todos “apoiaram” desde o início, e “ninguém” foi às ruas protestar contra os gastos obscuros de um dinheiro que aparentemente jamais existiu. Entretanto, como num estalar de dedos, “PLIM”, a população se abraçou e se emocionou quando a bola rolou para Neymar e Cia no dia 12 de junho daquele ano.

Tirando as pessoas envolvidas diretamente com os dois eventos (Copa do Mundo e Jogos Olímpicos), como atletas, dirigentes e políticos, não conheço qualquer pessoa que tenha se manifestado 100% em favor de suas realizações até pelo menos duas semanas antes das cerimônias de abertura, com alegação legítima de que “o país não tinha condições de cuidar nem de si mesmo, quanto mais produzir espetáculos de tamanha grandiosidade para gringo ver”.

A maioria ecoou em alto e bom tom que qualquer investimento deveria ser feito em prol do povo, ou seja, injetando dinheiro público em prioridades, como educação, segurança pública, saúde, habitação, etc.

O ‘AUÊ’ todo durou, porém, somente até acabarem os shows da Cláudia Leitte e da Jennifer Lopez, em 2014 (na Arena Corinthians), e/ou até o Vanderlei Cordeiro de Lima acender a pira olímpica, no RJ, em 2016.

De repente, do nada: PUFFF… viramos completamente a chave do ‘lutar por nós mesmos’ para o ‘ta bom, vai…’.

Copa do Mundo e Jogos Olímpicos foram idênticos em quase tudo, desde o desempenho esportivo das delegações brasileiras até a participação de uma nação que deu show de “nunca critiquei!” no decorrer das competições.

– Oras, Guifer… mas já que a Olimpíada ou a Copa iriam acontecer e não tinha mais como cancelar, meu papel era o de apoiar mesmo, certo? Vou ficar arrotando protestinho enquanto todo mundo canta o hino? – podem dizer os mais afoitos.

Então, afoito… não sei. Colocar uma venda e fingir que estava tudo bem foi realmente o mais correto a ser feito por você e pelos teus iguais?

Será que era tua bandeira e/ou teu hino que estavam ali representados, ou será que eram apenas interesses de poder público e de instituições privadas, como o próprio COI (Comitê Olímpico Internacional), que sugou nosso sangue até a última gota – repetindo sem disfarce o que a FIFA já havia feito conosco dois anos antes?

Por qual motivo apoiamos um evento que, na época, quase levou à falência um dos estados mais importantes economicamente and culturalmente do Brasil perante o mundo, que é o Rio de janeiro/RJ?

Com qual justificativa respaldamos um acontecimento que (também) ficou marcado por escancarar de vez nossa velada ditadura, ao censurar os legítimos protestos de ‘Fora Temer’?

Já parou para pensar que é justamente por não termos a menor vergonha na cara que as coisas por aqui caminham em passos de formiga e sem perspectiva de evolução?

Cá pra nós, amigos: cadê (nossa) coerência nisso tudo?

Será que finalmente aqueles papos de ‘tenho personalidade forte e irrevogável’ ou de ‘odeio hipocrisia’ caíram por terra de vez?

Afinal, de que adiantou criticar maciçamente o aceite da Copa e dos Jogos Olímpicos desde que o país foi escolhido, em 2007 e 2009, respectivamente, levantando placas e indo às ruas, para, durante sua realização, tornar-se a pessoa mais amável, sensível e patriota do universo?

Ver alguns dizendo que apoiaram desde o início a candidatura do Brasil para se tornar país sede dos Jogos Olímpicos – e também apadrinharam cada modalidade esportiva desde o início do ciclo – foi, no mínimo, bizarro, e deu sim vergonha alheia cada vez que certas pessoas utilizavam hashtags do tipo: #SomosTodosOlímpicos e #BláBláBlá.

Confesso que, até por ser uma pessoa sensível, emocionei-me demais com algumas publicações do povo brasileiro nas redes sociais. Foram lágrimas sinceras ao ver todo engajamento dos colegas no momento de agir dissimuladamente, postando opiniões divergentes, uma atrás da outra, somente pela maravilhosa prospecção de curtidas, tão frequentes na realidade virtual na qual estamos imersos.

É como se as pessoas nunca mais tivessem sido elas mesmas desde que a esmola por joinhas foi criada.

Mas, olha… tudo bem, gente. Como diria o ditado: “tá no inferno? mata o cão!”, certo? Ok!

Então, baseado nisso, devemos ser justos com uma das classes envolvida no processo: os atletas.

Até porque, nenhum deles deve carregar culpa por nossa vulnerabilidade enquanto cidadãos “pensantes”. Aliás, é somente pelos esportistas que nos deixamos levar pela emoção em épocas do tipo, concorda?

São os legítimos representantes da nação nessa joça, e as pessoas por quem devemos alguma reverência por lutarem tanto para nos representar – mesmo praticamente não tendo qualquer apoio digno para seguir lutando.

Imagine só dois políticos batendo papo no momento em que resolvem trazer esses “presentes de grego” para uma república falida como a nossa:

– Cara, o povo não é bobo. Não vamos nem candidatar o Brasil para sediar um evento como esse porque será um fiasco de público, e ainda por cima todos vão querer nossa cabeça – diz o primeiro.

– Você está louco? – corresponde o segundo, que continua:

– Como assim o brasileiro não é bobo? Brasileiro, como você bem conhece, é sim bipolar ao extremo. Faremos esse evento por que é nossa chance de arrancar até as cuecas desse povo. No início, vão pagar de nervosinhos, falar mal, ir às ruas com cartaz de canetinha, enfim… nos pichar bastante. Porém, depois, quando as coisas estiverem prestes a acontecer, serão somente aplausos e ninguém vai nem se lembrar do dinheiro que sumiu do bolso deles. Sempre agem dessa forma, relaxa. Não tem erro! – completa com sorrisinho amarelado.

A pergunta que fica é: dá para discordar de um diálogo político como este? Não, amigos… não dá. Somos realmente bipolares.

Não temos metade da personalidade que pregamos, e mesmo assim adoramos pagar de donos do próprio umbigo (e quiçá do nariz dos outros). É um comportamento cultural histórico e que dificilmente passará por uma metamorfose positiva no futuro se nada acontecer de verdade “pra ontem”.

Veja só, um exemplo chulo do nosso intermitente raciocínio é a rivalidade ridícula e infantil criada (e alimentada pela imprensa) em torno do Neymar e da Marta à época dos Jogos no Rio, alguém se lembra?

Deu para perceber o quanto mudou-se de opinião em torno destes atletas durante o período de 10 dias? Recordam-se daquela camiseta do Brasil cujo nome do Neymar foi todo rabiscado por um garoto, que abaixo escreveu o nome da Marta?

Ele estava bravo com o mau futebol apresentado pelo atacante da seleção masculina, e na certeza da medalha de ouro do time feminino agiu dessa forma por impulso – arrancando gargalhadas e anuência do senso comum na internet e nas ruas.

Poucos dias depois, o que foi que aconteceu?

Viu só como esse é um case que diz muito sobre a falta de consistência em nossas opiniões?

Ainda temos o velho costume de reproduzir a primeira coisa que assistimos, lemos ou ouvimos, e, claro, levamos tudo como verdade absoluta sem fazer qualquer questionamento para com a pauta em questão, independente do que seja.

Se já ridículo comparar Neymar e Marta por serem atletas de gêneros diferentes, mais grotesco ainda é observar o povo igual bolinha de ping-pong nas convicções, enquanto a mídia, também desesperada por cliques e audiência, dá risada no domínio das raquetes.

Políticos continuam sendo apenas um reflexo da sociedade, e não o contrário.

Enquanto você suportar, colocarão em sua goela aquilo que acharem conveniente, já que, no final, eles sabem que daremos risada da própria desgraça.

O singelo aprendizado que podemos extrair de tudo isso é: quando algo soar estranho na forma como nosso território é conduzido, busque respostas primeiro em sua conduta particular para, em seguida, avaliar como (e porque) essa cultura de “se f**** sorrindo” mantém nosso comportamento sempre omisso.

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Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

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