Nas redações, está se tornando cada vez mais comum a figura do frila-fixo, o freelancer que trabalha como um funcionário CLT. Tema é analisado em artigo do advogado e jornalista Kiyomori Mori
Tudo começa mais ou menos como um casamento. Primeiro, inicia-se a fase de “ficante”: o jornalista vende algumas boas reportagens (“frilas” de verdade) que são pautadas pelo jornal. O frila escreve de casa, sem horário para cumprir, e manda a reportagem perto do final do prazo, sem que ninguém tenha ficado em cima se o dead line seria ou não ser cumprido. Com a entrega do texto, basta emitir uma nota fiscal (ou recibo) pelo trabalho e acabou-se o compromisso.
Depois, começa a fase da “paquera de verão”: o editor gosta do texto e convida o jornalista freelancer para “cobrir férias” – e lá vai ele passar um mês na redação, cumprindo horário e seguindo ordens da chefia. Mas todos, de comum acordo, sabem que no fim do mês acaba o compromisso.
Se o trabalho do jornalista freelancer é bom, chegou a hora do “namoro”: e lá vai o jornalista emendar a cobertura de férias de 30 dias com a licença maternidade de quatro meses da outra repórter. E, quando menos se espera, o jornalista virou um “ frila-fixo ”. Ou seja, tem todos os deveres dos demais repórteres da redação, mas quando se fala em direitos… Ele é um “ frila-fixo ”. Ou seja, nada de férias, plano de saúde, 13º salário ou jornada de cinco horas diárias (às vezes, até o salário é menor que os de outros jornalistas).
A Justiça do Trabalho, o frila-fixo e o freelancer
Nesse tipo de situação, a Justiça do Trabalho costuma aplicar o “Princípio da Primazia da Realidade”. Ou seja, se havia salário mensal (ainda que pago por meio de notas ou depósitos em conta corrente), subordinação (editor), pessoalidade (tinha que ser aquele frila) e habitualidade (o jornalista freelancer ia todo dia, de segunda a sexta), há vinculo de emprego.
Voltando ao exemplo do casamento, é o mesmo que equiparar os direitos de um casal que vive em uma união estável que se arrasta há anos aos direitos da mulher casada. Assim, apesar da falta de registro na carteira de trabalho ou da emissão de notas fiscais mês a mês, o frila-fixo passa a deter os mesmos direitos dos jornalistas “com registro”. A conta nunca sai barata para a empresa, que deve arcar com as horas-extras não pagas, FGTS que nunca foi recolhido e uma grande dívida de INSS.
Nessa hora, o veículo de comunicação passa a acusar o jornalista freelancer de “quebrar o acordo verbal” e de ser “desleal”. É como o marido que nunca casou com a mulher, após anos morando juntos e muitas juras de amor infinito, e que depois reclama de ter que pagar pensão alimentícia.
Você acha errado?
Agradecimento: jornalistas Ligia Pimenta e Allan Ribeiro, pela sugestão.
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Kiyomori Mori. Advogado e jornalista (MTB/SP 37019). Sócio do escritório Mori e Costa Teixeira Sociedade de Advogados, atuante no Estado de São Paulo, na defesa dos direitos trabalhistas, autorais e de responsabilidade civil de jornalistas. Editor do blog Direitos dos Jornalistas. Foi um dos colaboradores do projeto educacional Para Entender Direito, em parceria com a Folha de S. Paulo. Membro do Conselho de Mantenedores da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo.