Uma jovem canadense é selecionada para participar de um festival de poesia no Irã. Vestida com um hijab (véu que cobre os cabelos, as orelhas e o pescoço, deixando visível o rosto), ela faz uma viagem pela arte e a cultura islâmicas, indiretamente desconstruindo estereótipos – e mudando a própria história. Essa é a história do filme Window Horses, exibido pela primeira vez no Brasil na noite de terça-feira, 22, na abertura do Animage, o 7º Festival Internacional de Animação de Pernambuco.
De acordo com a diretora, a também canadense Ann Marie Fleming, o filme é sobretudo mensagem de paz em tempos complexos. “Em um tempo em que muito do que ouvimos sobre o Islã é negativo, ou então, quando vemos a violência ser perpetrada em nome do Islã, eu sinto que nós precisamos de outras narrativas. Nós somos todos seres humanos”, responde à Agência Brasil por e-mail. “Eu adoraria que todo mundo que saísse do cinema quisesse fazer um filme, ligasse para alguém querido, olhasse para o mundo com olhos mais gentis”.
O combate à islamofobia foi uma das razões que levaram o filme a constar no Animage, de acordo com o jornalista Júlio Cavani, curador do festival. “Os filmes da programação como um todo demonstram que a arte da animação está muito conectada com as questões mais urgentes do mundo contemporâneo. Esse filme a gente escolheu pela qualidade, principalmente, porque é muito bonito e também teve certo destaque em festivais, mas também porque traz mensagem bem interessante para abrir o festival. A gente vive um momento em que os povos árabes, a religião muçulmana vive estigma muito grande”, diz.
O Animage, que ocorre este ano entre os dias 22 e 27 de novembro, é o principal festival de animação de Pernambuco e está entre os principais do Brasil. Nesta edição, o evento tem quantidade maior de longas novos do que em outras edições. As inscrições também foram mais numerosas: 1.057 candidatos de 64 países. Desse total, foram selecionados 182 títulos, dos quais 84 (de 29 países) são da Mostra Competitiva, entre curtas e longas metragens.
A curadoria traça panorama da produção mundial de animação e das diversas técnicas usadas, mas também é organizada de modo a explorar as grandes questões em discussão no mundo. “Ao escolher os filmes que tratam desses temas a gente mostra como eles estão se espalhando simultaneamente no Recife, no Brasil, no mundo. Questões urbanísticas, especulação imobiliária, a representatividade da mulher, questões ambientais”, diz Cavani. “O cinema de animação também está captando isso e por meio de uma linguagem artística que dá uma liberdade total para a imaginação”.
O festival existe há nove anos. Segundo seu idealizador e diretor-geral, Antônio Gutierrez, ele surgiu para preencher lacuna: diante de tantos festivais de cinema pernambucanos, não havia um de animação. “Ele vem num processo crescente. Faz parte também desse boom que a gente vive do audiovisual pernambucano. Uma política que fomenta a produção de filmes e também a difusão, que é o caso do Animage. E também do desenvolvimento da animação brasileira”.
Destaques
Algumas novidades e destaques fazem parte da edição de 2016. A Mostra Erótica é um dos pontos fortes do evento. Normalmente bem concorrida, este ano traz nove obras com diferentes técnicas e temas, com pelo menos uma coisa em comum: são todas dirigidas por mulheres.
Outra novidade é que o festival foi ainda mais descentralizado do que em anos anteriores. São nove pontos de exibição das diferentes mostras que compõem o Animage, a maioria de acesso gratuito. Entre os locais escolhidos estão dois hospitais públicos: Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMP) e Agamenon Magalhães, que terão sessões infantis. A periferia também foi incluída em três pontos, como no Morro da Conceição, zona norte do Recife, com cinema ao ar livre.
Cinema pernambucano
Pernambuco possui produção de destaque nacional em quantidade e qualidade – resultado atribuído, em parte, aos editais de incentivo ao cinema do setor público no estado. De acordo com o curador do festival, a animação também é favorecida. Ainda não existe longa do gênero em produção, mas os curtas vêm se saindo bem no circuito competitivo.
Um dos filmes pernambucanos premiados em exibição neste ano é O Ex Mágico, de Maurício Nunes e Olímpio Costa, que foi premiado no 44º Festival de Cinema de Gramado, concorrendo também com documentários e ficções. Ele também foi selecionado pelo festival Anima Mundi, do Rio de Janeiro, o maior evento do gênero no Brasil.
Sébastien Laudenbach
O animador francês Sébastien Laudenbach vem ao Brasil pela primeira vez nesta edição do Animage. Sébastien, que já vinha competindo nos maiores festivais do mundo com seus curta-metragens, apresentará seu primeiro longa no evento: A Menina Sem Mãos, uma adaptação de um conto dos Irmãos Grimm, que recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Annecy, o maior evento de animação do mundo. Ele também é um dos jurados da Mostra Competitiva e ministrará espécie de aula no evento.
A programação tem ainda dois longas indicados ao Oscar: Anomalisa, de Duke Johnson e Charlie Kaufman (EUA, 2015), e a Canção do Oceano, de Tomm Moore (Irlanda/Bélgica, 2014).
*Edição: Fábio Massalli
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